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CATEGORIA DE EXCREÇÃO DA ALBUMINA

4. Resultados e Discussão

4.4 Categoria III: E agora? Por onde recomeçar?

Campos et al (2015) descrevem os impactos na autoimagem em relação aos procedimentos de criação de acesso para dialise, como cateteres e fistulas. Essas

pessoas se sentem menos atraentes e essas alterações resultantes da doença e tratamento, levam a uma transformação definitiva em seu estilo de vida.

Tipo assim, não foi vergonha, mas eu fiquei mais presa dentro de casa. [...] além de incomodar, todo mundo está vendo, não ligo dos outros verem, mas até entenderem o que que é isso daqui eles pensam um monte de coisas. (ROSA)

Quando eu era mais nova, eu ia e voltava com o cateter, de blusa de alça e nem ligava, mas não sei porque agora me incomoda que as pessoas vejam. Não sei se é porque ele é maior, mas não sei o real motivo de antes não incomodar e agora sim. (VIOLETA)

Além de acometer a autoimagem dos indivíduos, a pesquisa evidenciou também que o cateter incomoda mais do que a fístula. Seus principais incômodos são em relação a dificuldade em tomar banho, posicionamento para dormir, risco de infecção, risco de sair do local, limitação de atividades esportivas e de lazer como praia e piscina e dor na realização de nova punção. A fistula só apareceu como incômodo em relação a não poder pegar peso no membro e dor no procedimento cirúrgico para sua realização.

A doença renal e seu tratamento consistem numa barreira para o processo de viver, alterando o estilo de vida e determinando a mudança de papel social. Essas mudanças ocorrem através do afastamento laboral, mudanças de valores, crenças, hábitos e conhecimentos, que pode fazer com que o portador dessa doença passe a ter um estigma social e seja marginalizado e desacreditado (CAMPOS et al, 2015).

Na análise das mudanças na vida dos sujeitos após o tratamento, foram observadas algumas áreas que mais sofreram modificações como família, trabalho, bem-estar, privação, dependência e alimentação. Dentre essas, a que mais se destacou foi a privação, unidade de sentido mais recorrente nos discursos dos entrevistados, tendo como principal aparição a expressão “não pode”.

Os indivíduos viveram durante suas vidas hábitos e estilos diferenciados, e de repente o adoecer se materializa e os aprisiona à uma terapêutica desconhecida para eles. Algo novo que gerou medo, insegurança, desconhecimento, dúvidas, incertezas, e ainda, a necessidade de novo estilo e hábitos de vida mais regrados. Para lidar com o desconhecido há uma transferência para o esquema de referência, ou seja, o desconhecido nesse caso é o novo estilo de vida e os indivíduos fazem a ancoragem desse desconhecido interpretando-o como privação. Em outras palavras,

a forma que eles utilizam para lidar com o novo é se privarem de seus modos de ser e de viver habitual.

Campos et al (2015) refletem da importância do trabalho para o reconhecimento pessoal proporcionando prazer e contentamento, e também para realizarem o seu sustento e de sua família. A restrição no trabalho pela doença, provoca na pessoa prejuízo na autonomia e dependência financeira, e estão relacionados com sentimentos de angustia e sofrimento. Dentre os nove entrevistados, apenas um mantinha-se trabalhando, uma era aposentada e outros sete tiveram seus trabalhos interrompidos pela doença. Essa interrupção gerou incomodo para alguns entrevistados.

Mudou né. Eu trabalhava, estudava também. Agora a gente fica mais dependente dos outros também (AZUL)

Deixei de trabalhar fora. Acredito se eu não tivesse ficado renal. Eu acho que estaria trabalhando. Você tem que trabalhar para ter uma vida melhor. (VIOLETA)

Eu deixei de fazer as merendas para as minhas crianças ne? Porque agora eu não posso. Eu fico doida para voltar a trabalhar, não aguento ficar assim não. (LARANJA)

A família aparece como o principal apoio para ajudar a enfrentar as dificuldades, pois são eles que estão mais próximos e buscam ajuda-los em todos os momentos, fazendo com que eles lutem, sejam otimistas e não se sintam só. Pessoas que possuem estrutura de apoio familiar efetivo constituem um suporte que suaviza os danos físicos, psicológicos e socioeconômicos (COSTA; COUTINHO; SANTANA, 2014).

O apoio para o enfrentamento dos problemas de saúde é de grande responsabilidade da família e dos amigos. Todos os entrevistados relataram apoio familiar, aparecendo mais frequentemente os pais, o cônjuge e os filhos.

A alimentação é uma das dificuldades enfrentadas pelos pacientes, principalmente para os crônicos que terão que conviver com essa situação ao longo da vida. A mudança da dieta gerou novos hábitos alimentares, como também comportamentais de cada um, restinguindo-se muitas vezes de seus alimentos preferidos, substituindo por outros que não são tão agradáveis ao paladar. Além das restrições alimentares, as restrições hídricas também são necessárias para o

sucesso do tratamento e bem-estar do indivíduo (COSTA; COUTINHO; SANTANA, 2014).

Costa, Coutinho e Santana (2014) relatam que uma parte considerável dos pacientes relata não seguir a dieta, mesmo sabendo a importância dela para o tratamento. Essa mudança de dieta gera muitas vezes descontentamento e não aceitação, pelas privações severas e restrições sobre a quantidade de água a ser ingerida.

Eu não faço dieta não. Dieta não adianta se fazer. A gente que tem uma porção de troços, se fizer dieta aí que a gente morre mais rápido. No máximo, gente dá uma maneirada. (CINZA)

Mudou o modo de comer. Se eu tivesse diálise amanhã, poderia abusar um pouco hoje. Final de semana fica mais controlado. De sexta para sábado é o dia que você tem que evitar fazer qualquer extravagância. No domingo, você já pode comer mais um pouco, porque segunda tem diálise. (VIOLETA)

É ruim. Mas tem que controlar liquido, eu chupo gelo em casa. Alimentação nem tanto, porque como eu já fiz a hemodiálise, ne, eles falavam assim “se você não segue a dieta, tu morre” e a dieta tu corta um monte de coisa tem que se privar. [...] liquido que é pior. Comer você pode, não pode beber, entendeu (VERDE)

Eu diminuí mais o sal, gordura, tem alimentos que eu posso comer, tem outros que não. Às vezes eu exagero, como só um pouquinho, e eles falam que não pode, aí eu falo que é só uma vezinha só. E quando exagero também eu passo mal. Da um cansaço. (LARANJA)

Quando indagados sobre as expectativas para o futuro, quatro entrevistados associaram à realização do transplante, três ao retorno ao trabalho, um à dialise peritoneal, e um entrevistado apenas, relatou que gostaria de sair da máquina. Os pacientes possuem expectativas para melhora na sua qualidade de vida e no retorno de suas atividades cotidianas.

O transplante para alguns é visto como uma maneira de libertação na inevitável diálise, e é visto também como uma possibilidade de resgatar aspectos da sua vida que tiveram que ser deixados para trás (XAVIER; SANTOS, 2012).

O futuro quem faz é o homem lá de cima. Eu conversei com a minha filha o negócio do transplante. O problema é que eu queria uma garantia se vai dar tudo certo. (CINZA)

Não tenho feito expectativa. Depois que a gente tem uma doença crônica, a gente não consegue ter uma expectativa. A minha expectativa era de ser transplantada, e ficar transplantada uns 5 anos bem. Poder ter a minha vida normal, poder mudar, ter mais perspectiva de sair e de repente voltar a trabalhar. Mas depois que não deu mais certo, não quis mais fazer

expectativa, porque você se frustra. Eu vou fazer CAPD e vou levando, se não der certo, vou voltar para a hemodiálise. (VIOLETA)

Futuramente eu pretendo fazer o transplante e levar a vida melhor, menos preso a dialise e aproveitar um pouco mais a vida. (MARROM)

Além da esperança de um futuro melhor, o medo também é evidente. Os pacientes mais antigos no tratamento demonstraram, pelas suas falas, um maior medo de frustração, de criar expectativas e não conseguir alcança-las, do que quando comparado a pacientes recentes na hemodiálise. O que todos demonstraram é que não gostariam de continuar na mesma situação na qual se encontram, e que todos desejam mudar. A mudança é sempre um desafio e nesse caso não é diferente. Para enfrentar todas as limitações e mudanças, muitos precisam de algum foco e motivações para continuar. Muitos enfrentam os desafios do tratamento na esperança de uma melhora e no retorno da sua qualidade de vida.

4.5 Refletindo...

A práxis da enfermagem na área de nefrologia carece de um cuidado holístico, integrando todo o indivíduo, focando em terapêuticas relacionadas às necessidades humanas nas dimensões física, mental e espiritual (XAVIER; SANTOS, 2012).

O profissional de enfermagem é aquele profissional que passa mais tempo com os pacientes e por isso ele deve se atentar quanto a aderência do mesmo a terapia, não só em relação a frequência na dialise, mas também em relação a medicações prescritas e a dieta. O enfermeiro também tem um papel importante em relação ao conhecimento, pois muitos pacientes não sabem sobre sua doença e sobre as possíveis formas de terapêutica. Durante a entrevista, a enfermagem apareceu como facilitadora do conhecimento, apresentando outras terapias além da hemodiálise, e também disciplinadora em relação aos excessos na dieta.

A enfermeira conversou comigo, falando que eu estava sofrendo muito trocando sempre de cateter, e que era melhor eu conversar com o médico para colocar aquele na barriga, para fazer em casa. Ela que comentou hoje comigo, porque ninguém tinha falado nada. Ou isso ou um transplante, que ela comentou comigo. (ROSA)

que não está acostumada a comer certinho, que comeu uma vida inteira tudo o que vinha na cabeça que terá que comer direito, é complicado. A pessoa está invadindo a sua privacidade. Claro que é para o bem, mas é difícil. (VIOLETA)

Eu estou comendo muito. Eu até falei com a enfermeira. Eu falei com ela que depois que tomei esse tal de hemax, eu comecei a comer muito. Porque antes a minha filha ficava perguntando se eu comi e falava que sim, mas não era verdade [...] hoje a enfermeira até já me chamou atenção de novo porque engordei. (LARANJA)

O relacionamento interpessoal enfermeiro-paciente na hemodiálise favorece o estabelecimento do vínculo terapêutico. Utilizando a comunicação aliada ao vinculo, o enfermeiro amplia sua capacidade de observação, detectando expressões verbais ou não-verbais indicativas de problemas que podem ter passado despercebidos pelos outros profissionais (XAVIER; SANTOS, 2012).

A doença renal e a terapia hemodialítica estão muito relacionadas a sentimentos negativos, como dor, choro, sofrimento, prisão. Esses aspectos podem colaborar para que o paciente tenha uma depressão ou que ele não seja aderente ao tratamento. A enfermagem deve estar atenta a esses pacientes para poder intervir e até mesmo recorrer a outros profissionais como o médico e psicólogo.

O impacto da doença e do tratamento pode gerar sentimento de tristeza e desencadear quadros psicopatológicos importantes como é o caso da depressão. Costa, Coutinho e Santana (2014) trazem dados de que a prevalência de depressão é alta nesse grupo e que esses índices devem atentar os profissionais de saúde para comorbidades como a depressão, já que a realidade desse sujeito implica na perda da qualidade de vida, na diminuição da imunidade e da capacidade funcional, no relaxamento dos cuidados pessoais e adesão ao tratamento e dietas.

5. Conclusão

O indivíduo com doença renal em tratamento hemodialítico demonstra uma ambigüidade em relação a representatividade dessa terapia, demonstrando tanto sentimento negativos como tristeza, incomodo, dependência, como também sentimentos positivos de gratidão e ajuda. A máquina de hemodiálise teve sua representação relacionada a vida. A maioria dos pacientes associa a máquina como uma ferramenta que os ajuda a se manterem vivos.

O paciente renal possui uma série de áreas da sua vida modificada como família, trabalho, alimentação e bem-estar, e lidar com todas essas mudanças parece ser um desafio que muitos deles precisam enfrentar. Entre o levantamento dos aspectos negativos da terapia, aparece mais comumente a dor, o desânimo, as mudanças no vínculo familiar, o sofrimento, o cansaço, a privação, a prisão, o mal- estar, e o tempo gasto com a terapêutica.

A enfermagem precisa estar atenta a todos os pacientes, observando-os tanto no aspecto físico, mas também no psíquico e social. A partir dos problemas encontrados em sua análise, a enfermagem pode contribuir com estratégias que atuem precocemente nos problemas e que melhorem a qualidade de vida desses pacientes.

A representação social do tratamento de hemodiálise sugere uma visão multidimensional do impacto para a vida cotidiana nesses indivíduos. Espera-se com esta pesquisa que os profissionais de saúde compreendam a doença renal, não só nos aspectos fisiopatológicos, mas também em relação aos impactos na vida desses pacientes. A partir do conhecimento dos significados da doença e do tratamento, o profissional estará mais qualificado a prestar uma assistência mais humanizada focada nas reais necessidades desses indivíduos.

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