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Esta categoria foi construída com o objetivo esmiuçar os resultados da pesquisa de campo concernentes ao domínio social, destacando ações sociais cooperativas e politicamente alicerçadas, evidenciando como a luta pelo acesso ao babaçu e o trabalho colaborativo acarretaram em proteção ambiental e desenvolvimento local.

Para tanto, a seguir, foram selecionadas três unidades de registro mais representativas dessa categoria, apreciando-se criticamente os resultados expostos.

5.3.1 Cooperação, Colaboração e Associativismo

Para esta unidade de registro, dispõe-se:

Decidimos arriscar a última coisa que a gente tinha que era a vida. Vieram muitos conflitos agrários, a questão deixou de ser somente pelo babaçu e passou ser também pelo direito a propriedade e nós conseguimos esse direito e organizamos a associação na comunidade. Mas só com ela não avançaríamos muito com relação a sustentabilidade de todas as famílias, continuaríamos pobres como sempre.

Organizamos outras cooperativas e saímos da mão de intermediários. Nós passamos a trabalhar nos ajudando, colaborando, um passou a empurrar o outro na produção, em manter o babaçual em pé e na vida. (Entrevistado 6).

A gente sonha com as famílias criando um estabelecimento comunitário ou cooperativo ou associativo, mas sabemos que o comunitário tem dificuldades, muito amam dizer: “é o meu”. Mesmo que as famílias passassem a gerar renda nas suas propriedades sem o cooperativismo, queremos que melhorem sua produção fornecendo pra feiras da região ou dentro das comunidades, sem precisar migrar para grandes fazendas como nossos jovens. Queria que eles pudessem ter meios de gerar sua renda aqui, aproveitando melhor a terra, a água, a cultura, a sustentabilidade.

(Entrevistado 11).

Eu sei que foi devastando (babaçu), mas depois que começamos com o trabalho em colaboração, em irmandade e associada mudou completamente porque a gente invade o terreno, denuncia e briga. (Entrevistado 5).

Conforme o ponto de vista deste ensaio, fundamentado nas observações sistemáticas em campo e nos discursos dos Entrevistados 6, 11 e 5, faz-se imperioso o ordenamento colaborativo e associativo dos modelos produtivos vigentes na cadeia produtiva investigada, bem como o balizamento dos processos de concepção de novos negócios e do

trabalho criativo, considerando os parâmetros mentais e atitudinais direcionados à consecução de objetivos comuns de sobrevivência.

Esse arquétipo conduz a rompimentos estruturais significativos na formatação socioeconômica e ambiental contemporâneas, oportunizando a emergência do ordenamento em rede e a maximização – democrática, justa e compartilhada – dos recursos intangíveis materializadores da qualidade de vida, além do viver sustentável. O Entrevistado 12 valida essa construção ao asseverar que: “[...] aqui seria um espaço desertado de pessoas humanas sem a nossa mobilização. Não tenho a menor dúvida porque onde as pessoas não se organizaram, tudo morreu e virou um deserto com criação de animais [...]”.

Shirky (2010) exemplifica o disposto ao ponderar sobre as implicações do conceito de excedente cognitivo, o qual, para além da aglutinação temporal coletiva, designada ao trabalho colaborativo, fomenta e consolida o senso de pertencimento a uma comunidade, propiciando o rompimento das fronteiras do individualismo e a felicidade e confiança comunitárias. O Entrevistado 2 complementa a afirmação do autor ao declarar que a organização produtiva deveria ocorrer “[...] dentro da questão da cooperação, da confiabilidade, pra juntar a produção e a gente conquistar um pequeno mercado porque não tínhamos tanto produto, mas tínhamos excedente de vontade e necessidade [...]”. O Entrevistado 8 destaca sobre a lógica conducente à cooperação, afirmando que “[...] tínhamos que sair daquela situação de exploração e pobreza, precisaria de um instrumento nosso, associado e cooperativo.

Ninguém tinha muito estudo, mas nos organizamos, produzimos e juntamos nosso esforço [...]”.

Esse paradigma é indispensável para a remoção do conceito de sustentabilidade do plano estritamente abstrato – ou “mito do desenvolvimento sustentável”, segundo Montibeller Filho (2010) – e aplicação no eixo das ações individuais e coletivas. Com efeito, fica evidenciada a necessidade de desconstrução do atual modelo de competição, reconfigurando-o para o imperativo da sustentabilidade, ou seja, para a “coopetição” (DEHEINZELIN, 2009). A autora explica que a palavra híbrida representa o ganho de competição a partir da cooperação, o que otimiza o uso dos recursos, sobretudo os intangíveis, e a edificação de laços em rede produtiva; trata-se do somatório da criatividade, dos conhecimentos e dos esforços e anseios coletivos, desembocando no mesmo espaço físico, sendo este de uso compartilhado. Percebe-se o deslocamento da necessidade de posPercebe-se ou propriedade de estruturas materiais para o uso partilhado dos espaços, fator determinante na materialização da sustentabilidade.

Ressalta-se, ainda, o poder de mobilização e pluralização que as tecnologias digitais propiciam. Trata-se do despertar da economia calcada na abundância, catalisadora de padrões mais solidários de vida. Esse processo conduz à confiança, à compaixão e à criação de coletivos

dinamizados pelas tecnologias digitais; as oportunidades e os anseios de todos são transmutados em ações concretas, transformando mentalidades e comportamentos que determinam positivamente a qualidade de vida dos sujeitos (DEHEINZELIN, 2009; FEITOSA, 2016;

GOLDEINSTEIN, 2011; PINE; GILMORE, 1998; REIS, 2008).

5.3.2 Mobilização Política

Para esta unidade de registro, dispõe-se:

A ASSEMA veio com o intuito de lutar por uma política pública de educação para nossos jovens, por uma política ambiental. A gente vê proprietários fazer o que tem vontade com as famílias e com o babaçu. Precisa de um povo unido politicamente pra dizer que estamos aqui, nós somos uma comunidade, precisamos da questão ambiental, de ar puro, educação e renda. (Entrevistado 1).

Quando foi pra gente criar a lei de acesso e de preservação do babaçu eu estava na frente como vereadora, minhas companheiras me indicaram e elegeram. Sofri discriminação. Defendi a nossa luta e a lei de acesso era uma das minhas metas na câmara. Chegamos lá e debatemos. Transformamos uma lei apenas não derrubar, apenas um artigo, criado por uma vereadora que apesar de mulher não tinha nossa vivência. (Entrevistado 8)

O desfrute de determinados direitos, em particular pelas esferas socioeconômicas desfavorecidas, é atravancado ou obstaculizado pelas assimetrias nas relações sociais de poder e pela capacidade de influência política. Diante disso, a geração de valor social depende do empreendimento de medidas que fomentem e viabilizem, a essa esfera da população, o acesso à informação, à cidadania, à autonomia, à independência e aos processos de tomadas de decisão, os quais determinem a coletividade e o exercício efetivo de garantias legais (SANTOS, 2005;

SILVA, 2013).

Os discursos erigidos pelos sujeitos supracitados apresentam notória sintonia com o disposto. O Entrevistado 1 expressa que a constituição da ASSEMA se efetivou para impor limites na atuação dos latifundiários, oportunizando uma comunidade integrada politicamente e com poder de representação e competência para geração de renda e promulgação de políticas educacionais e ambientais factuais. O Entrevistado 8 legitima materialmente essa inferência ao declarar que, após sua atividade no poder legislativo do município de Lago do Junco – viabilizado por vontade popular, “[...] minhas companheiras me indicaram e elegeram [...]” – a Lei de Acesso Livre ao Babaçu foi desenvolvida e decretada. Sobre a referida lei, o Entrevistado 2 reporta que “[...] é a lei que você entra sem o dono querer e por necessidade, para matar a fome dos filhos que estavam em casa [...] por isso podia dar o nome da luta de preservação ambiental e luta pela terra de “lei na marra [...]”.

As iniciativas socioeconômicas, culturais e ambientais, impetradas no recorte geográfico de investigação e detectadas por este ensaio – em especial nos municípios de Lago do Junco e Pedreiras, em virtude da militância da COOPALJ e ASSEMA, respectivamente –, apesar de apresentarem reconhecimento e postura ativa de edificação da dimensão política da sustentabilidade, são preambulares e exíguas para o contexto no qual estão inseridas. Esse processo, indispensável à materialização do viver sustentável, demanda constante estruturação e operação de instrumentos que maximizem a participação popular nos processos decisórios, conferindo respeito e acesso aos direitos comuns e superação de políticas parciais e exclusivas (SANTOS, 2007; SILVA, 2000).

Sales (1994) alerta para as implicações da insuficiência de cultura participativa entre os sujeitos de um dado espaço social. A cultura da dádiva, consoante a conceituação do autor, é a manifestação política das desigualdades sociais, da supressão de direitos e da perpetuação da formatação social nos moldes impostos nas fazendas e engenhos do período colonial, séculos XVI e XIX, contemporaneamente vigentes na cadeia produtiva do babaçu do Médio Mearim maranhense.

Tendo em vista o posicionamento desta pesquisa, através da cultura de participação emerge o sentimento coletivo de integração, pertencimento, corresponsabilidade, colaboração e compartilhamento de recursos, catalisadores de ações comunitárias de melhoramento da qualidade de vida de todos. Sujeitos politicamente mobilizados em suas fronteiras geográficas substancializam competências para influenciar soluções e ações, as quais são imprescindíveis à factibilidade da sustentabilidade local.