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5. Procedimentos Metodológicos

5.7 Categorias de vozes presentes

“A enunciação é lugar de expressão, e mais ainda, de constituição de subjetividade, mas seu sentido só se produz numa relação de alteridade. ” (Amorim,

2002,s.p ). Assim, só existe a voz do eu em relação a voz de um tu. A construção de identidade perpassa e atravessa o outro a quem ele se dirige.

Desasa forma, a compreensão do enunciado como ato dialógico, que implica a presença de interlocutores que se comunicam, prevendo a presença dessas vozes, definidas por Amorim, a partir da leitura bakhtiniana. Encontramos ainda a definição do que seria uma teoria de vozes, quais são as vozes que podem ser percebidas no texto, quais as vozes ausentes De acordo com a autora, esse tipo de leitura analítica visaria a identificação de quais são as vozes que se deixam ouvir no texto, em que lugares é possível ouvi-las e quais são as vozes ausentes. A autora esclarece ainda que não se trata de fazer uma leitura literária, nem uma análise linguística, mas uma tentativa de identificar limites, impasses e a riqueza do pensamento e do saber que são encontrados nos textos. Não há nenhuma intenção, por parte da autora em determinar de forma previa, quais categorias apareceram no percurso da pesquisa, uma vez que

a teoria das vozes do texto que eu proponho não tem nenhuma pretensão de indicar modelos ou fórmulas para uma suposta boa escrita de pesquisa. Não penso que exista uma "boa" escrita pois acredito que toda escrita é um acontecimento: acontecimento do encontro com um objeto cujo caráter de alteridade não deixa nenhuma margem de previsibilidade ou de controle da parte do autor. Nisso reside, aliás, o interesse da análise. (AMORIM, 2002)

Amorim reitera que é algo “impossível restituir, no texto, o sentido originário do que foi dito em campo, pois o texto se constitui sempre como um novo contexto”. Dessa forma, mesmo a repetição sempre trará algo novo, uma vez que se muda o contexto, muda-se a intenção do dizer, muda-se o momento histórico da enunciação. Acrescenta ainda que, do ponto de vista bakhtiniano, o sentido original não existe, pois tudo que é dito é dito a alguém e deste alguém dependem a forma e o conteúdo do que é dito. Além disso, alguém irá relatar esse diálogo e isto vai ser feito em uma outra enunciação, dirigindo-se a um outro alguém e assim sucessivamente.

A voz do destinatário, que em Bakhtin é visto como instância interior ao enunciado, um co-autor, uma vez que é nele em que se organiza a estrutura do dito, é para ele que o enunciado se orienta, princípio maior do dialogismo;

Do ponto de vista bakhtiniano, o sentido original não existe, pois tudo que é dito é dito a alguém e deste alguém dependem a forma e o conteúdo do que é dito.

(Amorim, 2002,s.p.) Desse modo, qualquer relato desse dito será sempre em outra enunciação, que dá origem a outros enunciados.

A autora ainda explicita que em relação a destinação, devem ser levados em conta duas outras vozes que falam no interior do enunciado: o destinatário suposto, posterior a escrita, que participa necessariamente da construção de sentido, uma vez que o trabalho de interpretação constitui um segundo texto em relação ao primeiro.

Instância posterior à escrita, mas que participa necessariamente da construção do sentido, pois o trabalho de interpretação constitui-se um segundo texto em relação ao qual o primeiro poderá fazer sentido. E uma vez que todo texto demanda que alguém o leia e que alguém dele se ocupe, e que a vida de um texto reside exatamente na sua circulação, pode-se dizer que o destinatário suposto é uma instância posterior, mas igualmente interior ao enunciado. (AMORIM, 2002)

Outra voz, fundamental a compressão do enunciado como ato irrepetível, histórico e concreto, é a do sobredestinatário. Este se distingue do destinatário suposto, uma vez que libera o texto de sua temporalidade, podendo ser lido e ser reconstruído a qualquer tempo.

O destinatário suposto faz ouvir a voz do contexto de origem do texto; ele faz que um texto seja sempre um texto de seu tempo e de seu meio. O sobredestinatário, ao contrário, libera o texto das limitações de seu contexto, projetando-o naquilo que Bakhtin nomeia grande temporalidade: um tempo futuro, desconhecido e imprevisível em que o texto poderá ser acolhido e, ao mesmo tempo, reconstruído de outro modo. (AMORIM, 2002, s.p, grifo nosso)

Nesse sentido, o enunciado será reconstruído a partir dos dizeres de cada momento, liberando-o do contexto imediato em que acontece a dada enunciação, reiterando a ideia de irrepetível, um a vez que cada ocorrência será uma nova ocorrência, com novos valores e intenções. Histórico, sendo localizado [mas não delimitado] por um momento na história, e concreto, ligado a sujeitos que existem e que tem algo a dizer, mesmo que esse dizer seja aparentemente, uma repetição de algo anteriormente dito.

Ainda em Amorim (2002), encontraremos a distinção entre as vozes do locutor e a voz do autor. Bakhtin destaca que, mesmo para os textos autobiográficos ou na forma de diários, a distinção deve ser feita. Ainda destaca que "A identidade absoluta de meu eu com o eu de que falo é tão impossível quanto tentar suspender-se pelos

próprios cabelos!". Esse trecho não afirma, segunda a autora, que não se possa ouvir a voz do autor no texto, ela não está no lugar em que se acredita que esteja. Essa voz não está naquilo que relata o locutor, por mais sincero que ele possa ser. O locutor é sempre uma construção, um personagem, uma máscara criada a fim de dirigir-se a alguém.

O locutor é sempre um personagem, enquanto a voz do autor está em todo lugar e em nenhum lugar em particular. Mais precisamente, ela pode ser ouvida ali, no ponto crucial de encontro entre a forma e o conteúdo do texto Quando se analisa um texto e se consegue identificar a relação necessária entre o que é dito e o como se diz, pode-se dizer que se encontrou a instância do autor . ((AMORIM, 2002, sp)

Com isso, podemos compreender que o trabalho [árduo] de compreender os ditos de um dado texto, perpassa a ideia de compreender o que o enunciador diz e as formas que ele escolhe dizer. Quais palavras ele seleciona, quais informações ele deixa de revelar. Podemos depreender que as práticas de leitura e escrita propostas na escola, no lugar de contemplar a forma a ser seguida, precisa estabelecer que a interlocução denota sempre escolhas e caminhos, variados tão quanto sejam as intenções de cada enunciador.