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Um novo gênero traz, obrigatoriamente, uma nova postura tanto de professores como de alunos, a partir do momento em que seja compreendida a função primeira deste ou daquele texto que é concretizar um objetivo. Dessa maneira, compreendemos que os Diários sejam vistos como enunciados, portadores de histórias, nascidos de uma intenção determinada, atravessada por um projeto de dizer definido.

Machado (1998) define o diário como instrumento que permite ao aluno a conscientização, reflexão sobre seus próprios processos, tanto de leitura e de produção, como de aprendizagem em geral, além de permitir que o professor detecte o estado real de cada aluno em relação a esses processos (grifo nosso, MACHADO, p. 31, 1998). O diário, portanto, oferece a possibilidade de o professor perceber se as competências e habilidades do aluno em relação ao que é proposto na aula de LM.

Uma questão antecipada por nós, é de que maneira esse gênero discursivo, e não outra prática de escrita já desenvolvida historicamente na escola [ composição, redação e produção textual- nomes distintos para práticas que não conseguem fazer avançar a capacidade escritora dos alunos], pode oferecer quadro tão preciso do desenvolvimento das capacidades leitoras e escritoras destes alunos.

O diário pessoal é um gênero discursivo que proporciona a seu autor, possibilidades diversas. A mais perceptível delas é o autoconhecimento7, uma vez

que o autor pode ‘derramar’ seus sentimentos no papel, lendo-os mais tarde, confrontando-se com ideias e pensamentos. O Diário de Leituras, por sua vez, permite ao escritor [aluno-autor] inserir além de sentimentos e percepções, opiniões, concordâncias, rejeições feitas a partir de leituras propostas pelo professor. Nesse gênero, ele percebe um espaço de interlocução que muitas vezes inexiste nas outras práticas de escrita desenvolvidas na escola. O mais importante aqui deixa de ser a adequação à forma, ou a acertada utilização de recursos. DL é permitir ao aluno que suas opiniões sejam de fato, externadas, que sua voz seja ouvida e seu direito de discordar respeitado. Como afirma Antunes (1997), temos um ensino de leitura e

7 Compreendemos o autoconhecimento como a possibilidade de ao escrever pensamentos e

sentimentos no papel, o enunciador tem a condição de se afastar do que sente, podendo analisar melhor o próprio comportamento.

escrita, ainda pautado por alunos que são obrigados a aprender o que não querem. Com os Diários de Leitura, intenta-se fazer com que, o sujeito-autor exponha e confronta ideia e posicionamentos, justifica suas interpretações e processos de leitura. E todas essas ações são inseridas num contexto de interlocução, no qual o aluno é conduzido a uma percepção de seu papel de escritor/ autor, cuja voz pode ser enunciada, e será ouvida, aceita e respeitada.

Machado (1998) inicia sua exposição trazendo uma reflexão sobre quais princípios filosóficos e educacionais podem justificar a utilização de diários de leituras em sala. É interessante questionar quais aspectos elegem o diário de leituras como gênero a ser ensinado e analisado na sala de aula, em detrimento de outros, utilizados mais constantemente, como notas de aulas, resumos, resenhas. É importante indagar qual o espaço de imprimir a própria voz o aluno tem nesses gêneros. O que é mais importante numa resenha ou resumo escrito em sala, numa aula padrão de gênero8,

o conteúdo da produção ou o alinhamento a uma forma pré-estabelecida?

Leal (2010) afirma que o mais importante é fazer com que o aluno possa se relacionar com o texto, que seja construído um diálogo entre autor-texto-leitor. No entanto, o espaço encontrado hoje nas escolas está longe de ser dialógico, uma vez que as produções são fechadas em si mesmas. São produções eivadas de abandono e solidão, cuja marca no papel será objeto de avaliação, contagem e nota, e ficará nisso.

As práticas de produção textual devem criar condições para que os leitores se encontrem numa relação de igualdade, igualdade com o leitor, com o próprio texto e em especial, com o professor/corretor/ examinador. Essa posição de igualdade é iniciada com o respeito aos dizeres dos alunos. Não se pode perceber o aluno com como tábula rasa, cuja bagagem cultural é ignorada e a visão de mundo é completamente desrespeitada. Nega-se o direito a palavra, caso fale, ignora-se o que ele tem a dizer, e caso escutado/ lido, considera-se errado e inadequado.

Como afirma Freire (1979, p. 3) “Então que pensar de uma educação que admite o escândalo de um povo silenciado, marginalizado e imerso na passividade? ” [Grifo nosso]. O DL possibilita que o aluno, no papel de sujeito-autor, possa deixar de lado a adequação ao dizer do professor, e possa ter um espaço de interlocução.

8 Aula padrão seria aquela descrita exaustivamente na teoria, no qual o objetivo é levar o aluno a

Em especial, no ensino da leitura e escrita, é urgente criar condições para que todos os sujeitos leitores envolvidos possam expor, confrontar e justificar suas diferentes interpretações e processos de leituras.

O gênero DL permite a autonomia do aluno, na medida em dá voz a questionamentos, leituras distintas daquela feita pelo professor. No DL, é permitido ao aluno justificar leituras até então não autorizadas do texto, cujas interpretações divergem do que seria considerado tradicional ou amplamente aceito9. Citando

Bakhtin, Machado (1998) coaduna um posicionamento discursivo da linguagem, sempre que falamos, escrevemos, utilizamos gêneros do discurso. Todos os enunciados que utilizamos são construídos tendo por base uma forma padrão de estruturação. Essa forma levara em conta quem diz o quê, por qual motivo diz e para quem se quer dizer. Dessa forma, o posicionamento revelado nos Diários revelará que tipo de relações são construídas em sala de aula e quais as interlocuções estão sendo possibilitadas.

Cada gênero tem sua concepção de destinatário, esteja ele empiricamente presente ou não. Assim, mesmo que o interlocutor seja imaginado pelo autor, essa presença externa será levada em consideração na construção de todo o enunciado. Assim, a presença do destinatário influenciará o tema, a composição e o estilo do autor. Todas as escolhas linguísticas serão feitas pensando nesse outro a quem ele se reporta.

“O diário, como gênero íntimo, traz como forte marca uma confiança no destinatário, baseada na simpatia, sensibilidade e compreensão responsiva” (Machado, 1998, p. 11). Isso posto, a intimidade do interlocutor gênero será revelada pela liberdade que o autor revela em suas palavras.