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Temos um produtor, fora das instituições de vida pública, que escreve para si mesmo. ( Machado, 1998, p. 24)

O DL, por ser produzido após acordo de respeito à diversidade e sigilo no que é mencionado, em situações privadas, marcadas por maior liberdade de posicionamentos e opiniões, é um gênero que sofre menos restrições do que outros,

trazendo uma relativa liberdade ao interlocutor, que pode assumir diferentes imagens de enunciador: estudante, crítico, aluno. Assim, o produtor do texto, pode criar uma cena enunciativa, na qual se reporte à opinião do autor expressa no texto, sem temer o julgamento do outro [ será psicologicamente possível? Em nossa sociedade, viver sem ser julgado? ], ou uma avaliação negativa do professor. Essa ausência de julgamento /avaliação10 permite ao produtor ultrapassar o grande temor das aulas de

Língua: ser punido por discordar do pensamento da maioria, àquele autorizado, que pode ser repetido e utilizado como exemplo. O DL, portanto, traz a possibilidade do discurso dissonante, de um enunciado sem tantas máscaras sociais, no qual ele pode revelar medos, preconceitos, sentimentos, frustrações.

Outra característica constitutiva do DL é, pelo contrato firmado entre autor/ aluno e professor/ leitor, a existência de uma maior liberdade na assunção de posicionamentos e opiniões. É fato relatado de forma recorrente por diversos autores Antunes (2003), Geraldi (2006) que um dos grandes entraves nas produções dos alunos é ela ser apenas motivo para correção e notas. Os alunos alegam (nesses mesmos autores) que suas afirmações não são nem mesmo lidas. O texto é apenas salpicado de vermelho, que destaca os desvios ortográficos e de concordância, dificilmente ultrapassando os aspectos superficiais e sendo considerado o que o aluno tem a dizer sobre dado assunto. A prática de DL deverá ser percebida como um contraponto a essas produções “apenas para dar nota”, uma vez que o objetivo fim da atividade é ampliar competências e capacidades discursivas

Por se tratar de um enunciado que não será entregue em uma folha destinada apenas para correção, com aquela régua de correção de produção de textos11, [que

avalia forma, ortografia, coesão, coerência], o DL se dirige a um destinatário real, não tendo, nas palavras de Machado (op. cit, p. 69) “reorganização, remanejamento, fatores esses que tiram do texto o caráter de acabamento”. Teóricos que analisam a produção de DL explicitam que uma de suas principais marcas é a heterogeneidade de conteúdo, falta de organização global, fragmentação e descontinuidade. Assim, os DL aparecem quase como notas de pensamento contínuo, por não haver a preocupação de se proteger do julgamento do interlocutor,

10 Essa avaliação é referida como àquela puramente ortográfica, textual ou formal. Por se tratar de um

instrumento pedagógico, os DL deverão levar o aluno a avançar em suas competências leitoras e escritoras.

11 Instrumento utilizado acertadamente em diversos contextos, mas que foge do objetivo do gênero

Poulou, citado por Machado (op. cit), analisando o diário de adolescentes, afirma que o gênero é visto como lugar secreto, no qual não é necessário haver censura, constituindo-se como espaço de liberdade. Diversos outros autores se debruçaram sobre o tema, como Morgensten( apud Machado) que afirma que escrever é um meio de se aprofundar, de se interrogar, de se tocar no fundo de si mesmo, de se tentar saber quem é. Acrescenta ainda que escrever significa ler-se a si mesmo.

Dessa forma, a literatura sobre o assunto expõe que esse gênero discursivo auxilia o aluno nos anos finais do Ensino Fundamental a se constituir como leitor crítico, capaz de expor suas opiniões acerca dos textos lidos.

A possibilidade de escrever DL oferece aos alunos uma interlocução com os autores dos textos estudados, uma vez que

O diário de leitura é um texto produzido por um leitor, à medida que o lê, com o objetivo maior de dialogar, de “conversar” com o autor do texto, de forma reflexiva. Para produzi-lo, o leitor deve se colocar no papel de quem está em uma conversa real com o autor, realizando operações e atos de linguagem que habitualmente realizamos quando conversamos com alguém. (Lima, 2013. p. 102)

Esse comportamento de interlocução deve ser construído, pois uma pergunta que deve ser feita é se no contexto atual das nossas escolas, os alunos, em sua maioria tem condições de estabelecer essa relação dialógica com o texto. Sobre isso, acrescenta Solé (1998, p. 23) : Para ler necessitamos, simultaneamente manejar com destreza e habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos, ideias e experiências prévias.”

Casado Alves ( 2009, p. 2) afirma, após relatar experiência com diários de leitura em uma turma de graduação, que “O diário de leitura se apresentou como possibilidade de exercício de uma escrita em que a emergência da voz do sujeito que se posiciona frente aos textos lidos numa atitude responsiva ativa, se concretiza na adesão, na polêmica, no conflito, na resposta à voz do outro”.

Assim, a produção de DL apresenta um elemento que tira o temido peso de se deixar “avaliar” pelo outro, uma vez que nessa modalidade de texto, o aluno vai se dirigir ao chamado interlocutor ideal, que não irá julgá-lo, corrigi-lo. Esse interlocutor

ideal pode ou não ser o professor, que na maioria das vezes o é, mas também pode ser um eu externo, criado para àquela interlocução: o próprio autor dos enunciados, o autor dos textos lidos, uma personalidade referida nos textos.

Descrevendo o trabalho desenvolvido com Diários de Leituras em turmas de Ensino Médio no IFRN, Lima traz (2013, p. 65), as seguintes observações sobre a leitura/escrita: “Ou seja, se os alunos são estimulados a escrever o que pensam, essa escrita avaliativa pode, em alguns momentos, transcender a avaliação do texto lido e chegar até a avalição do que está ao seu redor

Por não possuir um destinatário imediato, o Diário de Leituras permite que o autor tenha mais liberdade em seus posicionamentos, uma vez que não precisa se justificar para nenhum interlocutor, pois “Nos gêneros íntimos, observa-se confiança no destinatário, na simpatia, sensibilidade e compreensão responsiva”. (Machado, p. 11)

Ao produzir DL, os alunos poderão quebrar as produções repetitivas que são produzem na escola, e poderão elaborar um texto que os permita ter voz e opinião diante de textos diversos. Encontramos mais um importante argumento em Casado Alves (2009) sobre essa prática:

O aluno respondente, que diante do lido formula uma resposta marcada pela adesão, objeção, rejeição, conflito, prazer, é o sujeito que não apenas “consome” o texto e, no máximo, o dubla por, geralmente, se calar diante da autoridade do autor e do professor que, quase sempre, se coloca como testemunha da autoridade daquele autor do texto. Assim, o diário de leituras iria se constituir nesse espaço de memória das leituras, mas também em lugar de reflexão e crítica. (p. 19)

3. Referencial teórico

Definiremos em quais bases teóricas se sustentam nossa discussão. Para isso, apresentaremos a concepção de língua e linguagem, a partir de Bakhtin e seu Círculo e Geraldi. Além disso, definiremos também os conceitos de enunciado e gênero do discurso, leitura e escrita na escola. Nesse sentido, buscamos expor em que teorias alicerçamos a discussão, a fim de definir e sustentar a opção pelo gênero discursivo trabalhado e com quais objetivos fizemos esta escolha.