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Todo enunciado- desde a breve réplica até o romance ou tratado científico- comporta um começo absoluto e um fim absoluto; antes d seu início, há outros enunciados, depois de seu fim, há os enunciados dos outros (ainda que seja respostas) como uma compreensão responsiva ativa ou como um ato- resposta baseado em determinada compreensão. (Bakhtin)

Pautamos nossa pesquisa na compreensão da natureza do enunciado concreto construída pelo Círculo de Bakhtin.

Bakhtin (2011) afirma que todos os campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. E acrescenta que o emprego da língua se efetua em formas de enunciados. Dessa forma, deve-se compreender a linguagem como definidora do que se define como humano e que é através dela que se compreende a posição de cada um no mundo. “Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada

campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2011, p. 262) ” É individual na medida que é produzido por um indivíduo com historicidade própria, que marcará suas enunciações, definindo escolhas de léxico e forma, cujo dizer será expresso nesse enunciado. Por essa mesma individualidade “é que são infinitas e inesgotáveis as possibilidades multiformes da atividade humana” (Bakhtin, 2011, p. 262)

De acordo com Brait (2013) o conceito de enunciado é fundamental nas reflexões sobre a linguagem. Nesta definição, temos que o enunciado é a unidade de comunicação, como unidade de significação necessariamente contextualizado, portanto, oposto ao conceito de frase. O conceito de frase, totalmente descontextualizado ainda encontra lugar em reflexões sobre a linguagem. Qual tipo de reflexão linguística pode ser conquistada num contexto em que a frase solta é objeto de estudo? O texto é o objeto de estudo das aulas de Língua e esse texto se dá em forma de enunciados com falante e ouvinte, cujas presenças determinarão todo o sentido. “Ora, a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua

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(BAKHTIN, 2011, p. 265)

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Assim, são enunciados, e não frases que possibilitam o ingresso da vida na língua, e não frases avulsas ou descontextualizadas. Todo texto precisa ter autor, interlocutor12, tema e estilo para

que suas escolhas sejam percebidas e estudadas pelos alunos.

Por se tratar de um processo dinâmico, Bakhtin chama de ficção os papéis de falante e de ouvinte no processo comunicativo. “Tais ficções dão uma noção absolutamente deturpada do processo complexo e amplamente ativo da comunicação discursiva. “ (BAKHTIN, 2011, p. 271) Ficção, pois, numa comunicação, esses papéis são intercambiáveis. O ouvinte, ao perceber e compreender o significado do discurso, ocupa posição ativa e responsiva, não tendo um papel pré-definido e imutável, em que primeiro somente escuta, para depois ocupar lugar de falante. Toda compreensão de fala viva, de enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva.

Acrescenta ainda que toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase preparatória da resposta. Assim, ao compreender qualquer

12 Mesmo os gêneros que não são destinados à publicação, como os Diários íntimos tem em seu

enunciado, o interlocutor se prepara para concordar, discordar ou agir diante daquele enunciado.

Todo falante está determinado por essa compreensão ativamente responsiva, ele não espera uma compreensão passiva, mas sim uma resposta, uma concordância, uma participação. Bakhtin ainda acrescenta que todo falante é um respondente em maior ou menor grau, afinal ele não é o primeiro falante, ele se utilizará de alguns enunciados que o antecedem. Cada enunciado é um elo na corrente dos outros enunciados.

O desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as peculiaridades linguísticas das diversidades de gênero do discurso em qualquer campo da investigação linguística redundam em formalismo e em uma abstração exagerada, deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações da língua com a vida. (BAKHTIN, 2011, p. 262)

Nesse sentido, desconhecer a natureza concreta, com falantes e intenção bem delineada, darão origem, como afirma Bakhtin, a um formalismo que nada tem de linguístico. A um formalismo que retira da linguagem sua historicidade, impossibilitando relacionar a língua com a vida. Conforme esse quadro, as relações com e pela linguagem, na escola como indicam os reportados índices oficiais, opiniões teóricas e experiência empírica, deformam as práticas linguísticas, fazendo do natural domínio de gêneros e formas de enunciados, um total esquecimento do que é e qual a intenção da comunicação.

Assim, as práticas de linguagem, sendo reconhecidas como enunciado, uma vez que têm sua gênese na vontade do falante e em sua proposta do dizer, tem características especificas que merecem ser trazidas à discussão. A partir disso, duas características do enunciado podem ser destacadas:

i) a alternância de sujeitos do discurso; ii) e a conclusibilidade do enunciado.

A primeira delas define o enunciado como unidade de comunicação discursiva. “ Alternância dos sujeitos do discurso, que emoldura o enunciado e cria para ele a massa firme. “(BAKHTIN, 2011,p. 279. Grifo nosso). Assim sendo, a alternância desses sujeitos permite que, de fato, a dialogia definidora de toda e qualquer

enunciação seja percebida, uma vez que é ela que emoldura o enunciado, dando a ele historicidade e concretude, localizando no tempo e possibilitando a compreensão.

Essa possibilidade de resposta é assegurada pela inteireza acabada do enunciado (uma vez que é a possibilidade de percepção de limites que permitem aos interlocutores reconhecerem seu papel responsivo na comunicação). Essa inteireza é determinada por três elementos, fundamentais na compreensão da natureza com relativo acabamento.

O primeiro diz respeito à exauribilidade semântica objetal, fator que pode ser observado em alguns campos, como aqueles em que os gêneros do discurso possuem natureza padronizada, como ordens militares e documentos formais, como editais e documentos da esfera jurídica, mas nos gêneros definidos pelo elemento criativo, absolutamente ausentes, uma vez que “em alguns campos oficiais, no campo das ordens militares e produtivas, isto é, naqueles campos em que os gêneros do discurso são de natureza sumamente padronizada, o elemento criativo está ausente por completo (BAKHTIN, 2011, p. 281).”

O segundo seria a vontade discursiva do falante ou intenção discursiva “determina o todo do enunciado, o seu volume e suas fronteiras (BAKHHTIN,2010, p. 281).” A intenção do dizer deixa marcas as quais podemos observar na superfície dos enunciados a vontade verbalizada. A ideia que fazemos (ou imaginamos) é que define a conclusibilidade do enunciado.

O terceiro, e de acordo com o Bakhtin, o mais importante são as formas estáveis de gênero do enunciado. “A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero do discurso”. (BAKHTIN, 2011, p. 282) . Segundo o pensamento expresso, essa escolha é determinada de acordo com a especificidade de cada campo da comunicação.