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Tal fato explica o porquê de tanto Loefgren, que trabalhou de modo aprofundado o estudo da vegetação de caatinga, quanto os outros estudiosos daquela época não considerarem essa formação vegetal como parte das matas do país. No máximo, a vegetação com porte ligeiramente maior encontrada nas várzeas dos rios e no topo dos planaltos nordestinos foi assim categorizada, restando à vegetação da depressão sertaneja pertencer à categoria de campo, o que não resultava em nenhum apelo para a sua proteção por parte do governo, mesmo que no âmbito da Inspetoria tenha se cogitado algo nesse sentido (LOEFGREN, 1909; 1912).

Mas as informações sobre a vegetação do território potiguar existiam, mesmo que de maneira limitada e sobretudo sem publicação oficial na série I-G da Inspetoria ou qualquer outro órgão com escopo potencial para fazê-lo, como o ministério da agricultura, por exemplo. Outro elemento que se soma a esta discussão converge novamente aos planos da Inspetoria, que em seu primeiro regulamento herdou a concepção científica de fins do século XIX e início do século XX, na qual se buscava refletir ao uso racional dos recursos vegetais. Muito possivelmente por motivos financeiros45 esse intento não avançou como se objetivava nas ações executadas pelo órgão.

Há de se considerar também que em detrimento de outras frentes de tratamento do problema, como a própria vegetação por exemplo, as obras de açudes desde os primeiros anos de atuação da Inspetoria concentravam a maior parte de recursos destinadas pelo governo, sendo a forma de enfrentamento privilegiada em tempos de crise financeira. A fala do primeiro inspetor, Miguel Arrojado Lisboa sintetizou bastante o momento de investimento nos estudos dos caracteres ambientais do Nordeste ao escrever que era preciso [...] abranger, em conjunto, as condições diferentes das regiões flageladas sob os seus vários aspectos [...] e assim poderá a Inspetoria traçar o programa dos seus serviços apoiado em fatos de pura e real observação no terreno (LISBOA, 1910, p. 2). Por motivos dessa desproporção de aplicação aos recursos Lisboa deixou o órgão em 1913.

Um contexto favorável aos estudos da vegetação sob uma nova ótica conceitual só veio a se efetivar na década de 1920, materializando uma série de modificações nos preceitos de atuação do órgão e a volta de Lisboa ao cargo de inspetor. Foi no período do governo de Epitácio Pessoa que o órgão ganhou um novo regimento que reformulou sua atuação e juntamente com um aumento considerável nos recursos destinados à causa por aquele presidente que as ações

45 Segundo o histórico de orçamento empregados no DNOCS desde a época de sua criação (DNOCS, 2005), a oscilação nos recursos empregados sempre foi uma constante, o que se acredita ser um dos motivos pelos quais o órgão por diversos períodos das outras frentes de trabalho de seu escopo para focar na construção de reservatórios d’água.

ganharam novo fôlego. A produção de conhecimento que havia se limitado a um breve período no início da atuação da agora Inspetoria ficou melhor delimitada nas linhas do novo documento. Para tanto, em seu artigo 47 ficou definido que a “Inspectoria, para melhorar os mappas que existem da zona de seu dominio, organizará opportunamente o serviço cartographico, devendo antepor ao levantamento de quaesquer regiões e das mais castigadas pelas seccas e menos conhecidas.” (BRASIL, 1919, p. 9923).

Os levantamentos de vegetação desse momento não mais tinham o mesmo enfoque da época de Loefgren, quando na produção do mapa botânico do Ceará, que almejava um amplo plano de recuperação da vegetação nordestina, o que passou pela busca do mapeamento das áreas prioritárias que apresentavam maior desmatamento e maior potencial de servir à retirada de madeira. Portanto, em conformidade com os novos preceitos estabelecidos, restou ao naturalista e fitogeógrafo alemão Philipp von Luetzelburg46, que na década anterior trabalhou sob o comando de Loefgren na “Repartição Botanica” da inspetoria, realizar os levantamentos dos demais estados sob atuação da Inspetoria, dentre eles o Rio Grande do Norte. Segundo suas palavras o estudo visava “predominantemente estabelecer as bases para futuros melhoramentos das regiões do Nordéste, pobre de madeiras e arvores [, de modo que os materiais cartográficos anexos, mapas e croquis,] entendem-se também como explicativas e complementares” (LUETZELBURG, 1923, p. 3, 5).

O resultado dos levantamentos para o Rio Grande do Norte, visitado entre 1920 e 1921, foi a elaboração de um mapa fitogeográfico (Figura 14) que além de delimitar a abrangência das principais formações vegetais do estado indica também áreas propícias para cultura de algodão e cana-de-açúcar, e a ocorrência de elementos minerais que, ao fugirem do tema principal da representação, como o sal e a cal, por exemplo.

Também é do período do governo Epitácio Pessoa a visita de uma comissão da International Federation of Master Cotton Spinners’ & Manufacturers’ Associations Manchester, ocorrida em 1921. A visita tinha como objetivo estudar as possibilidades do Brasil como um país produtor de algodão, de modo que foram estudadas as condições potenciais nos

46 Philipp von Luetzelburg, fez graduação em Farmácia (1906) e doutorado em Filosofia (1909) na Universidade de Munique. Desde 1907 se dedicou aos estudos de Botânica no Instituto de Fisiologia Vegetal da mesma daquela universidade. Veio para o Brasil em 1910, a cago da Academia Bávara de Ciências para estudar a flora do país. Ocupou a terceira cadeira de Botânica e Fisiologia da Escola Agrícola de São Bento das Lages, na Bahia, sendo em 1911 nomeado botânico da IOCS (PAIVA, 2002).