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Mapa 30 – Arquipélago Verde da Chapada do Apodi-Sul

2.1 Conceitos, categorias e pressupostos históricos para a análise geohistórica e

2.1.1 Ler mapas: texto e contexto socioambiental sob o prisma da História da Cartografia

2.1.1.3 Natureza, sociedade e modernização: o Nordeste como um problema cartográfico

Ao se pensar a História da Cartografia do Nordeste brasileiro há de se considerar essa região como contemplada pelos estudos gerais realizados a nível de colônia, tanto em termos de desenvolvimento técnico quanto de necessidades e implicações sociais e geopolíticas do uso dos mapas, como visto no tópico anterior. Principalmente se pensarmos que durante os primeiros três séculos essa porção do território concentrou maior parte da atenção despendida por Portugal, em virtude de suas condições naturais de solo e localização configurarem vantagem na extração do pau-brasil e no cultivo da cana-de-açúcar, por muito as bases da economia colonial. Por isso mesmo, soma-se a essa cartografia os mapas de escala local realizados dos pontos estratégicos para a defesa da costa.

Portanto, os esforços cartográficos da Coroa Portuguesa tinham como objetivo proteger seu monopólio de exploração econômica, que constantemente era ameaçado por outros países que buscavam se beneficiar dessas possibilidades vantajosas. A Holanda, por exemplo, conseguiu dominar a capitania de Pernambuco, se estabelecendo também em outras capitanias vizinhas entre 1624 e 1654, fundando a Nova Holanda. Como resultado desse período, os batavos elaboraram diversos produtos cartográficos de escala grande, a exemplo das plantas das cidades de Recife e de São Luís, e outros de abrangência regional das diversas áreas dominadas. Estes produtos se somam aos mapas portugueses, sendo hoje bastante explorados em diversos estudos, tal como feito por Buve (2011), que resgata em seu trabalho uma porção de mapas holandeses, e Teixeira (2017), que estudando registros cartográficos portugueses e holandeses sobre o Rio Grande do Norte afirma:

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A cartografia produzida nos séculos XVI e XVII se limita a identificar os acidentes geográficos da costa e, quando possível, os primeiros assentamentos litorâneos e outras formas de ocupação da Capitania - a cidade do Natal, povoações, aldeias indígenas, engenhos, salinas, caminhos e outros, sempre com bastante imprecisão para os padrões atuais, mas, ainda assim de forma admirável, poderíamos dizer, considerando os meios técnicos disponíveis à época (TEIXEIRA, 2017, p. 6).

Mas é com o estudo das produções cartográficas do Período Imperial, em meio a ascensão de ideais de modernização do país, que as particularidades da cartografia do Nordeste se evidenciam, sobretudo no que tange às circunstâncias cartográficas relacionadas ao problema das secas. A análise do já mencionado Atlas do Império do Brazil, de Cândido Mendes, realizada por Dantas, Ferreira e Simonini (2011), traz considerações lançadas nesse sentido. Os autores se pautam no estudo do supracitado produto cartográfico o relacionando ao status de insuficiente conhecimento territorial nele materializado acerca do interior das províncias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, destacando os desafios cartográficos que a atuação sistematizada do Estado enfrentaria na implementação de ações contra as secas a partir do último quartel do século XIX e, sobretudo, no início do século XX, com a institucionalização do enfrentamento ao problema.

Não havia possibilidade, diante dessa peça gráfica, de detalhes para esquadrinhamento, mensuração precisa e quantificação. Na verdade, há alguns trechos imprecisos na representação da topografia no sentido de penetração para o interior, de leste a oeste. As áreas costeiras eram bem representadas, de maneira geral, afinal, havia um acúmulo significativo de informações detalhadas voltadas para a navegação (DANTAS; FERREIRA; SIMONINI, 2015, p. 96).

A natureza do fenômeno das estiagens em si, tendo em vista a necessidade do emprego de ações mitigadoras, se colocava como um problema de delimitação cartográfica. Com o tema ganhando cada vez mais espaço no debate político e técnico do país, em especial após a Grande Seca de 1877, é possível identificar já nesse momento um esforço cartográfico para delimitação das áreas atingidas, bem como para projetar sobre o território representado as intervenções técnicas que, esperava-se, proporcionariam socorros e diminuiriam os efeitos da falta d’água. O Mappa da Região Flagellada pela Secca de 1877 (Mapa 1), pelo engenheiro André Rebouças, expressa bem essa aplicação da cartografia, visto que além de representar a abrangência do fenômeno, o produto também vislumbrava um plano de estradas de ferro para a região (FERREIRA; DANTAS; SIMONINI, 2012).

Outras produções cartográficas atreladas a esse contexto de germinação das ações contra as secas que merecem ser mencionadas são àquelas vinculadas à proposta de ligação da bacia do Rio São Francisco a outros rios da região, em que as espacializações eram utilizadas como ferramenta argumentativa. Segundo Oliveira (2015), em 1848 já existia uma representação da proposta na qual os parlamentares cearenses França Leite e Marco Antônio de Macedo vislumbravam a construção de um canal que conduzisse as águas até o Rio Jaguaribe, o que supostamente permitiria a criação de uma via de navegação para integração territorial, tendo em vista principalmente a possibilidade de escoamento dos produtos do interior da província. Em 1886 outro mapa foi elaborado com este mesmo foco por Tristão Franklin que, além do Rio Jaguaribe, também contemplou na sua proposta os Rios Piranhas e Açu, localizados respectivamente na Paraíba e Rio Grande do Norte. Os autores, contudo, não obtiveram sucesso à época.

Em fins do século XIX o contexto de desenvolvimento, de aplicação e dos desafios enfrentados pelo fazer cartográfico na porção nordeste brasileira se apresentava em conformidade à emergência dos anseios de modernização territorial que surgem no Império, mas que seriam arraigados após a proclamação da República. O problema das secas, tal como coloca Farias (2008), emerge como um elemento que atribui à realidade nordestina qualidade de adversidade aos planos nacionais, de modo a demandar soluções técnicas singulares. Entre elas está o conhecimento territorial que ainda não existia.

Assim, com a criação de instituições para tratamento da questão regional, diretamente ligada ao isolamento do resto do país e ao subdesenvolvimento econômico, os levantamentos sistematizados dos elementos fisiográficos do território – geomorfológicos, geológicos, climatológicos, hidrológicos e fitogeográficos – foram pautados como algo necessário a se

Mapa 1 – Delimitação das áreas atingidas pelas secas em 1877

Fonte: Rebouças (1878).

Legenda: A porção destacada em amarelo corresponde à região tratada pelo autor; as linhas pretas representam as estradas de ferro em atividade ou em construção, enquanto em vermelho estão as sugeridas.

realizar antes das ações que seriam empreendidas. A cartografia nesse momento, conforme apontado no tópico anterior e, sobretudo, no contexto nordestino, ocupa lugar de destaque no conjunto de recursos técnicos utilizados pelo Estado para transformação do território, quando pelo domínio da natureza, objetivando assim sua modernização.

2.1.2 A vegetação como objeto de reflexão: perspectivas florísticas e espaciais para os estudos