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Como parte das terras sedimentares do Planalto da Borborema, que podem ter até 700m de altitude, há duas unidades de paisagem, sendo uma delas o Brejo potiguar. Este se localiza em posição privilegiada na fachada oriental da referida formação, o que lhe confere clima mais ameno, que mesmo sendo semiárido, tem precipitações um pouco mais abundantes do que observado no seu entorno. Tal condição propicia o desenvolvimento de atividades voltadas para o turismo de inverno nas cidades aí localizadas. Na segunda unidade, a Borborema Potiguar, estas condições de altitude decorrentes da altitude do planalto juntas às características do solo profundo permitem o desenvolvimento de atividades como a cajucultura, dentre outras.

Em relação às áreas da depressão sertaneja três unidades se definem de maneira geral pela presença de baixa precipitação decorrente da semiaridez, solos litólicos e superficiais que dificultam o desenvolvimento da agricultura, a comum presença de inselbergs e vegetação de caatinga típica – em sua grande maioria degradada. No entanto, há que se destacar que o Seridó que do ponto de vista cultural se diferencia do Sertão Central e da Depressão Sertaneja do Oeste, por apresentar índices de desenvolvimento humano que destoam da região.

Se diferenciando dessa paisagem típica da Depressão Sertaneja, em geral marcada por superfícies aplainadas, os Compartimentos elevados do Oeste fazem parte da unidade morfoestrutural Maciços Residuais e tem como características amplitudes de altura consideráveis maiores que 400m e superfície sedimentar plana. Essas elevações constituem áreas bastante diferenciadas do seu entorno, o que as coloca na lista de destinos de turistas que procuram temperaturas mais amenas.

As duas últimas unidades de paisagem já mencionadas são vizinhas e juntas formam uma região de grande potencial ao aproveitamento pela atividade agrícola. Contudo, apesar de estabelecermos tal relação por esse critério, seus constituintes da natureza e da sociedade são distintos. A unidade denominada de Vales do Apodi e Assú pode ser caracterizada em linhas gerais pelos seus solos arenosos distribuídos nas superfícies planas próximas aos rios homônimos, nas quais essas condições permitem a prática da fruticultura irrigada. No mais, merece destaque a ocorrência da palmeira Carnaúba, bastante comum na paisagem da região. Já na Chapada do Apodi-Mossoró, além de ser onde se localiza a segunda maior cidade potiguar, Mossoró, reinam as superfícies planas cobertas pela vegetação de Caatinga arbustiva e arbórea, por vezes com ocorrência de rochas calcárias que constituem formações valorizadas pelo turismo, como ocorre no Lajedo Soledade.

Esse conjunto de elementos exposto teve a intenção de construir uma ideia da complexidade dos processos socioambientais que no decorrer do tempo conferiram particularidade ao contexto geográfico do Rio Grande do Norte, quando pensados os fenômenos

que se manifestam em escalas de proporções internas ao estado até àquelas que o colocam na escala nacional e internacional. Portanto, há de se enfatizar a importância de se manter tais considerações sempre no horizonte da análise que se realizou nas sessões que se seguem.

3 A HISTÓRIA DA CARTOGRAFIA DA COBERTURA VEGETAL NO PLANEJAMENTO TERRITORIAL POTIGUAR

Os produtos documentais gráficos e textuais resultantes da ação estatal no Nordeste Brasileiro durante o século XX hoje são importantes fontes de informações para estudos de diversas áreas do conhecimento, sendo os mapas antigos e seus materiais de apoio provenientes desse contexto de reconhecido valor à análise geográfica. Ao passo que contam a história das ações territoriais ali desenvolvidas, em termos dos câmbios nas diversas abordagens concebidas e empregadas frente os desafios socioambientais, tais documentos também são registros de momentos geográficos passados que possibilitam compreender os desafios encontrados pela sociedade (MENDOZA; CARLA, 2009; NONATO JÚNIOR; DANTAS; GOMES, 2018), contribuindo assim para a reflexão sobre os processos que forjaram a atual configuração espacial.

Nesse sentido, este capítulo busca explorar em tais documentos antigos, compreendidos entre 1908 e 1981 (Figura 7), o conhecimento espacial materializado, tendo como principal foco a análise das produções cartográficas de vegetação e os assuntos que sobre esse elemento convergiram, como o problema das secas, a questão ambiental e o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Norte, enquanto unidade federativa partícipe do contexto regional do Nordeste, delimitação que durante o século XX emerge tal qual sendo foco de uma série de políticas públicas direcionadas a tais problemáticas.

Figura 7 – Distribuição cronológica dos materiais cartográficos analisados no capítulo

Este capítulo se divide em quatro momentos, os quais condensam uma série de questões e assuntos distintos que foram possíveis de lançar sobre o conjunto documental. Inicialmente, em 3.1 O conhecimento cartográfico da vegetação potiguar no subsídio da seletividade territorial, são apresentados as cartografias e o contexto dos grandes projetos de intervenção territorial que as cercou, demandando sua elaboração. Em 3.2 Os mapas de vegetação como testemunhos da tecnificação do território e da paisagem potiguares se explora as continuidades e descontinuidades do território potiguar, sendo a distribuição da vegetação o elemento privilegiado para se identificar os traços deixados pela técnica na paisagem. Mas o avanço tecnológico observado a cada nova circunstância cartográfica aqui analisada também permitiu cada vez mais uma maior compreensão da vegetação do estado, permitindo sua caracterização, conforme trabalhado em 3.3 Olhares lançados à diversidade fitogeográfica potiguar. Já em 3.4 Região e contingências: a vegetação entre contextos e escalas o conjunto cartográfico é entendido como ferramenta que materializa o encontro dos potenciais e das problemáticas que envolveram o território potiguar, assim entendidos frente a dimensão econômica e política nacional e internacional. Finalmente, em 3.5 Estado, técnica e cartografia: as [re]descobertas do território nos mapas de vegetação resgatamos as principais ideias levantadas no capítulo, de modo a integrar as várias dimensões discutidas em cada item do capítulo.

3.1 O conhecimento cartográfico como subsídio da seletividade territorial

No capítulo anterior foi introduzida a discussão a respeito do precário conhecimento do território nordestino existente em princípios do século XX e que a possibilidade de uma ação estatal bem sucedida, no sentido de conseguir promover o crescimento econômico da região, passava então pela realização de amplos levantamentos dos seus componentes naturais, principalmente diante da visão de enfrentamento do problema das secas reinante naquela época, fundador de um arcabouço institucional para grandes projetos no país. O discurso técnico e político lançado aos problemas nacionais se pautou, conforme visto, ao uso da ciência e suas tecnologias, de modo que a cartografia desde o século XIX passou a figurar nos planos estatais com esse apelo à promoção da gestão nacional.

Foi com esse discurso que uma cartografia sobre o estado do Rio Grande do Norte, denominada Mappa Agrícola (Figura 12), foi organizada pelo agrônomo Manuel Paulino Cavalcanti para a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), a fim de ser apresentada como parte de uma coleção de 49 peças, dentre elas diagramas e mapas sobre a economia agrícola do país, dos estados, dos territórios e do distrito federal, na Exposição Nacional Comemorativa do

1° Centenário da Abertura dos Portos do Brasil. As palavras do Dr. Wencesláo Bello, então diretor do mencionado órgão, proferidas na introdução da coleção simboliza o ideário que envolveu a iniciativa quando diz que “um dos grandes entraves que tolhem o desenvolvimento do Brasil é a falta de conhecimento que temos do que elle é, do que vale e do que pode ser por suas condições de productividade” (BELLO, 1908, p. 1). Corrobora ainda essa carência de conhecimento territorial o fato de que o problema envolvia não somente temas específicos, mas mesmo a cartografia de base era uma problemática, uma vez que o mapa em foco trouxe a representação de um território potiguar com fronteiras ligeiramente retilíneas, tal como observado em representações do século XIX. Esses contornos em muito diferem dos mapas publicados aproximadamente um ano depois pela Inspetoria, os quais apresentaram o formato que, com poucas alterações, é o considerado atualmente.

Ademais desse fato, o valor do mapa está em seu conteúdo relacionado ao tema agrícola, com a espacialização dos principais produtos do estado neste âmbito, quais sejam: cana-de- açúcar, algodão, milho, feijão, mandioca, fumo, criação, extração de carnaúba, maniçoba e cocos; além disso, o exemplar traz em seu layout outros três mapas menores, sobre a geologia, os solos e as elevações do estado, e um perfil topográfico obtido por J. B. Branner durante os trabalhos de instalação da Estrada de Ferro Natal a Nova Cruz. A presença desse conjunto de elementos potencializava a leitura do mapa, de modo a permitir ao leitor a construção de uma visão das interrelações da fisiografia potiguar.

Essa necessidade de uma visão complexa a se lançar sobre o território brasileiro foi algo claramente pontuado pelo diretor da sociedade agrícola. Em seu escrito ele inclusive lançou críticas aos estudos anteriormente desempenhados, seja por terem sido iniciativas de estrangeiros, que se voltaram para as análises na ciência natural, ou por iniciativas nacionais, que apesar de apresentarem alguma inclinação naturalista também tinha alguma preocupação com a geografia e a climatologia, no caso da comissão organizada pelo Frei Allemão e o Barão Capanema, por sua vez prejudicada pela prematura extinção ocorrida (BELLO, 1908).

Mesmo diante de algum conhecimento geográfico que já havia sido levantado naquela época, se estendeu a crítica lançada às produções de outras áreas, uma vez que também se ponderou sobre a limitação existente em estudos de geografia que não tocavam na dimensão humana, no sentido de tratar dos usos que a sociedade estava realizando do território. Se queixa Bello (1908, p. 1) que