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Portanto, esses vários eventos cartográficos do século XX demonstram as necessidades de conhecimento do território para sua intervenção. Cada vez mais detalhados, esses levantamentos foram atendendo os anseios nacionais, servindo para mostrar a diversidade da vegetação e demais elementos fisiográficos do meio ecológico, mas sobretudo para identificação de áreas a servirem ao planejamento.

3.2 Os mapas como testemunhos da tecnificação do território e da paisagem

Diversos estudos geográficos têm se voltado ao Rio Grande do Norte para estudar seus compartimentos de paisagem, partindo da busca dos caracteres espaciais predominantes que contribuem para a sua constituição atual, a exemplo do trabalho realizado por Amorim, Nonato Júnior e Farias (2018). Aqui também busca-se chegar a essa compreensão, com a diferença de, ora, retroceder para além da contemporaneidade, com o foco de identificar nesse exercício os processos que por vezes ressignificam e exploraram o potencial da diversidade do território do estado, dada a importância desses para a atual configuração territorial e paisagística do estado.

Na verdade, nesta etapa do trabalho, os padrões de uso encontrados nas representações cartográficas antigas, ainda que inconstantes, permitem em certo grau levantar elementos que subsidiam o entendimento do processo de tecnificação do território, a ser confrontado com dados mais recentes do período técnico-científico-informacional. Os planos estatais, bem como a ocorrência de áreas ocupadas ou propícias a receber algum cultivo são tanto registro da espacialização da técnica, em suas várias densidades, quanto intenções de se construir tal realidade.

Nesse sentido, quando se analisa as primeiras espacializações da produção agrícola potiguar, observa-se algumas modificações e permanências. Mesmo que por vezes não haja na representação o detalhamento com subclasses nas áreas antropizadas, tal como pode ser visto nas produções da SUDENE a partir da década de 1960, ainda assim torna-se possível inferir que quando alguma dessas representações trata das culturas estabelecidas em áreas do território, isso significava a existência de tensão entre a vegetação natural e as e as práticas agrícolas. No caso da Carnaúba, que desde muito tem suas florestas exploradas para retirada da cera, era tanto prejudicada pela sua própria extração inadequada, que por vezes não se preservava o exemplar da palmeira (LUETZELBURG, 1923), quanto pela substituição de sua área de ocorrência igualmente por culturas artificiais e criação.

Ao se ter como ponto de partida o Mappa Agricola do Rio Grande do Norte, de 1908, é possível observar as áreas que na época de sua publicação apresentavam a presença de

determinadas culturas agrícolas e, por isso, estavam em um estado de maior grau de antropização, isto é, áreas nas quais o processo de tecnificação estava transformando o meio ecológico. Essas áreas no geral se localizam sobretudo na porção do litoral oriental potiguar, mas também são observadas com considerável presença na região central do território e, em menor proporção, nas demais partes do estado.

Avançando-se o olhar desde o litoral no sentido oeste, são observadas em princípio uma estreita faixa de coqueirais que logo dão lugar ao cultivo de cana-de-açúcar, tal como nos dias de hoje, cada cultura dessas ocupando respectivamente os locais onde antes havia os Tabuleiros Costeiros e, Mata Atlântica. Ao fim desta delimitação da região açucareira, já no agreste potiguar, a representação indica a presença do cultivo de feijão, milho, algodão, além da criação de gado.

A região central do estado tinha como principal ocorrência a cultura do algodão e a criação de gado. Estas que dividiam espaço com a extração da Maniçoba, espécie planta nativa da caatinga, além de outras culturas como feijão, milho, mandioca e cana-de-açúcar, também observadas em menor proporção. Ao Norte da região central do estado, sobretudo na várzea do Rio Piranhas-Açu e da Lagoa do Piató, essas mesmas culturas se espraiam nos terrenos de domínio de floresta de Carnaúba.

O “Mappa Phytogeographico…”, de 1922, também delimitou as áreas do território potiguar propícias a determinadas culturas, conquanto que sua linguagem fora um pouco mais sofisticada que a apresentada pelo seu antecessor. O destaque se direciona às simbologias adotadas, que permitiram sobreposições de camadas de fertilidade do solo, das culturas e, materializando, inclusive, uma espécie de ensaio de regionalização do estado, com as seguintes regiões: coqueirais, cana, agreste, caatinga e seridó.

Apesar de não trazer em seu conteúdo todos elementos que o mapa de 1908, o que pode ser explicado pela mudança da importância de dada cultura em detrimento de outra, merece destaque na cartografia de 1922 a opção por representar os elementos cana-de-açúcar, algodão e carnaúba. Quanto ao primeiro e o último destes itens, as delimitações configuram em geral o que hoje se conhece como áreas de seus respectivos domínios, contudo em relação ao algodão a representação vai além tanto do mapa agrícola quanto da representação inglesa sua contemporânea, atribuindo ao domínio desta cultura uma área aproximadamente correspondente a 3/4 do estado. Esse fator, juntamente com algumas áreas categorizadas como muito férteis configuraram na representação um potencial para a exploração, sobretudo quando se pensar que o levantamento fez parte dos esforços para minorar os efeitos das estiagens prolongadas.

Desse conjunto de obras cartográficas apresentadas, a primeira delas a tratar explicitamente da cobertura vegetal como um elemento que estava sendo transformado pela ação do homem no território foi a coleção de cartas da SUDENE, cujo mapa de vegetação gerado já foi apresentado na seção anterior. É dessa característica diferenciada, atrelada a sua escala de detalhamento, que se configura sua importância frente às outras representações de vegetação que lhe antecederam, de modo que demonstra em escala de planejamento as modificações que os cultivos agrícolas haviam causado no território e na paisagem potiguares, bem como as áreas remanescentes de vegetação nativa.

Mesmo que esse material da SUDENE tenha se limitado a representar a vegetação e os cultivos de um modo genérico, sem detalhamento da abrangência de cada subcategoria dessa, seja ela referente a um elemento natural ou inserido pelo homem, essas informações proporcionadas ainda assim se colocam como importantes, quando atreladas a informações de culturas ali praticadas naquela época, tais como dados das séries do IBGE (1974), conforme apresentados por região no Mapa 13, e as classificações da vegetação atualmente conhecidos..