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CAPÍTUL

O PROCESSO DE CONQUISTA DA PARAÍBA E A IMPORTÂNCIA DA ÁGUA NA DEFINIÇÃO DAS ÁREAS PARA OCUPAÇÃO

3.1 Causas antecedentes à conquista da Paraíba

A Capitania de Itamaracá foi doada a Pero Lopes de Sousa. Não há consenso, entre os historiadores, se o mesmo teve ou não participação efetiva na fundação de sua capitania. Machado (1977) aponta a possibilidade de o mesmo ter participado, entre 1535 e 1536, da fundação da vila de Conceição de Itamaracá33. Porém, é de notório conhecimento entre os historiadores que em 1539, ao retornar de uma expedição à Índia, Pero Lopes de Sousa naufragou e morreu na costa da África. Como consequência desse fato, seus herdeiros não deram continuidade à conquista e povoação de Itamaracá. Esta capitania ficou reduzida às cercanias do núcleo inicial, “com cerca de sete léguas, mais ou menos exploradas, que vão do rio S. Cruz à barra do Goyanna” (MACHADO 1977, p. 14). Em função da grande quantidade e excelência do pau-brasil aí existente, que servia de atrativo e, simultaneamente, do abandono e má gestão dessa capitania, denúncias foram feitas por Duarte Coelho34 ao rei de Portugal, em carta datada de 20 de dezembro de 1546:

[...] dou conta a Vossa Alteza, e lembro-lhe o que já lhe tenho escrito, que proveja e mande a todas as pessoas a que deu terras no Brasil, que venham a povoar e residir nellas, que assim cumpre a seu serviço, pois essa foi a condição, ou já que não vem, que ponham em suas terras pessoas autas e suficientes, e ouvidores que atendam e saibam o que hão de fazer, e não homens de por ahi, porque estes tais não fazem mais desfazem no bem que se deve de fazer [...]

E nestas terras de Pero Lopes de Souza, que Deus haja, que estão aqui junto commigo mande Vossa Alteza que ponham ahi ouvidor que saiba e entenda o que há de fazer, porque tem ahi quatro pessoas que melhor seria não estarem ahi porque outra fazenda nem fructo não fazem senão fazer Brasil d’armadores, e como quero castigar degradados vão-se para lá e fazem cousas por onde mereciam já todos ser enforcados; se lá mando alguma carta precatória dizem que aquillo que é couto e que têm privilégios. Estas cousas, Senhor, não são para sofrer, e se as eu até agora sofri, foi, Senhor, por não quebrantar a jurisdição alheia; mas parece-me que será necessário e serviço de Deus e de V. Alteza, accudir a isso pelo perigo e damno que se pode causar das tais desordens. (ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL, 1951, p. 237 - 238).

documentação comprobatória, existem controvérsias sobre a definição de seu nome e da condição de cidade entre diversos historiadores (MOURA FILHA, 2004).

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Vila Velha de Conceição, na Figura 01. 34

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Em outro momento, também fazendo referência à desorganização e desonestidade dos funcionários administrativos que representavam a Capitania de Itamaracá, Duarte Coelho assim se posicionou em carta datada de15 de abril de 1549:

Acerca das cousas do Brasil proveja Vossa Alteza assim pela desordem, como porque o roubam com estas desordens, e assim o affirmo de que levo grande paixão e desgosto e se eu cá quero remediar lá senhor faz-se outra couza e não o que ordeno pello servir e atalhar a tanta desordem, que não acho que não presumo de fazer e tratar em brasil como tratar em erva e allcacer, e hillo vendello a praça; eu castigarei alguns que se desmandarão, mas na jurisdição alheia não entendo se não com requerimentos e cartas precatórias, o que não dão mais por isso que por cantigas de sollão. (ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL, 1951, p. 263).

Assim, pelo exposto, pode-se dizer que as terras no entorno da ilha de Itamaracá constituíam redutos à margem da ordem contemporânea. Ao norte do Rio Goiana, atual Estado da Paraíba, eram as “terras de ninguém”; matas virgens, território dos Potiguara e área de apoio e exploração de pau-brasil pelos franceses, aventureiros de várias nações, inclusive portugueses honestos ou traficantes clandestinos. Vários historiadores, a exemplo de Machado (1977) e Almeida (1978a), apontam Frutuoso Barbosa35 como esperto comerciante português, que por diversas vezes esteve nas terras do norte, inclusive no estuário do Paraíba, comercializando pau-brasil.

Na historiografia da área é feita referência à existência de locais na costa da Paraíba onde os franceses frequentemente aportavam para embarque dos produtos negociados, notadamente o pau-brasil. Como exemplo clássico podem ser citados os estuários dos Rios Paraíba e Goiana e, mais para o norte, a Baía da Traição (Figura 01), áreas que além da grande fartura em pau- brasil, ofereciam bom calado e proteção às embarcações. No "Livro que Dá razão ao estado do Brasil" (1968) o autor faz referência, em mapa, ao Porto dos Franceses, ancoradouro localizado imediatamente ao norte do Rio Goiana, nas imediações dos recifes, a leste da cúspide de Acaú, no atual município de

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Rico comerciante português que obteve em 25 de janeiro de 1579, do Cardeal D. Henrique, a provisão de capitão mor da Paraíba, “pelo prazo de dez anos, mediante a condição de fazer à sua custa a conquista e povoamento da Capitania”, caso a conquistasse (ALMEIDA, 1978a, p. 64).

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Pitimbú (Figura 09). Nos tempos atuais, essas pedras ou recifes de arenito são referenciados pela população local como “Pedra da Galé”.

Figura 09 – Antigo mapa da Capitania de Itamaracá

Fonte: Livro que dá Razão ao Estado do Brasil, (1968). Mapa da capitania de Itamaracá onde se observa o setor entre a Ilha de Itamaracá e a cidade de Nossa Senhora das Neves Legenda: (A) Ilha de Itamaracá, (B) Rio Goiana, (C) Porto dos Franceses, (D) Cabo Branco, (E) Estuário do Rio Paraíba e Cidade de Nossa Senhora das Neves.

Conforme anteriormente abordado, havia muita desordem na Capitania de Itamaracá. Segundo Machado (1977), os herdeiros não puderam fazer muito por suas terras, apenas conservaram o pequeno núcleo colonial (Vila de Conceição) e cederam algumas sesmarias em terra firme, entre estas a de Diogo Dias, datada de 1 de janeiro de 1570 e assinada por "João Gonçalves, capitão nesta ilha de Itamaracá pela Senhora D. Jerônima d' Albuquerque e Sousa36” (ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL, 1951, p.387).

Por volta de 1570 reinava a paz entre os nativos e os comerciantes estrangeiros. Segundo Salvador (2010) mais de vinte naus francesas todos os anos entravam no estuário do Paraíba a carregar de pau-brasil, “mas tantas

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vexações, e perrarias lhe fizeram, que se tornaram a rebelar” (SALVADOR, 2010, p. 236). Foi o que aconteceu, no engenho de Diogo Dias, conforme descrição detalhada de Salvador (2010). Por causa do aprisionamento de uma jovem nativa no engenho de Diogo Dias e rancores antecedentes decorrentes de um ataque na baía da Traição, que contou com a participação do capitão– mor da ilha de Itamaracá, juntamente com Diogo Dias, o chefe potiguara por vingança consentiu que

[...] dessem em sua casa, e fazenda, que era um engenho que havia começado no rio Taracunhaê [...] onde não deixaram branco nem negro, grande nem pequeno, macho nem fêmea, que não matassem, e esquartejassem. Foi esta guerra dos Potiguares, governando o Brasil Luiz de Brito, em a era de 1574, e delas se seguiram tantas que duraram vinte e cinco anos [...] (SALVADOR, 2010, p.237).

Como consequência desse massacre, grande temor toma conta da população do norte da capitania de Pernambuco e Itamaracá, que ameaçavam abandonar suas casas e propriedades e irem para Olinda. Por outro lado, a Coroa Portuguesa, informada da situação e sabedora da forte presença francesa, nas terras do norte, resolve resgatar esse território e ordena a realização de uma expedição, iniciando assim a fase de conquista da Paraíba.