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Considerações metodológicas para leitura das iconografias

CAPÍTUL

CONSIDERAÇÕES PALEOGEOGRÁFICAS E CARACTERIZAÇÃO FÍSICA DO SÍTIO ONDE FOI FUNDADA A CIDADE DE NOSSA SENHORA DAS

5.1.2 Considerações metodológicas para leitura das iconografias

No livro intitulado “Lendo Imagens”, de Alberto Manguel (MANGUEL, 2009), o autor tece considerações sobre uma famosa pintura intitulada “A Virgem e o Menino à frente de um guarda fogo”, atribuída a Robert Campin, artista flamengo que viveu entre fins do século XIV e início do XV. Nesta iconografia, em função da diversidade de imagens e suas disposições, o autor cria uma rede de correlações com objetos do cotidiano de um cenário doméstico com intrincado simbolismo. “Talvez todas as pinturas sejam, em certo sentido, um enigma; talvez todas as pinturas permitam supor a proposição de uma pergunta relativa ao tema, à lição, ao enredo e ao significado” (MANGUEL, 2009, p. 83). O enigma permanecerá, apenas as respostas é que variam.

Guardando as devidas proporções relativas à análise de determinada obra de arte, refletir sobre as especificidades das linguagens que brotam das fontes iconográficas, notadamente aquelas relativas aos mapas portugueses e holandeses, é uma necessidade para quem os manuseia. Bueno (2009) destaca que sua leitura está relacionada,

[...] tanto com fenômenos vistos e medidos, da paisagem como com um mundo invisível e suas ideologias, escondidas nas entrelinhas do discurso visual, aparentemente neutro. Não é, assim, artefatos objetivos ou exatos, sendo fundamental ao pesquisador explorar – nas entrelinhas da imagem – significados, agendas ocultas e visões de mundo (BUENO, 2009, p 112).

A leitura de imagens exige uma forma cognitiva diferenciada. Segundo Ginzburg (2009), os primórdios desse entendimento metodológico remontam

aos estudos desenvolvidos por Aby Warburg136 e ao grupo de estudiosos que o acompanharam e sucederam, preocupados, sobretudo, com a utilização dos testemunhos figurativos como fontes históricas.

Conforme registra Ginzburg (2009), Aby Warburg, no desenvolvimento de sua tese de doutoramento, abordou a obra de Sandro Botticelli137 e tinha como propósito o estudo do significado que a arte da Antiguidade tinha sobre a sociedade florentina do século XV. Nessa pesquisa, Warburg, utilizou-se de uma documentação bastante eclética, como: “testamentos, cartas de mercadores, aventuras amorosas, tapeçarias, quadros famosos e obscuros” (GINZBURG, 2009, p.45). O objetivo era obter o máximo de informações para investigar a obra num sentido mais completo, com conhecimento das ideias e práticas cotidianas do que estava representado no plano pictórico. A ele é atribuída a utilização do conceito de pathosformel, que seriam formas expressivas gestuais que impunham ao tema situações emotivas e “estabelecia na análise uma estreita ligação entre forma e conteúdo” (GINZBURG, 2009, p.65).

Dentre os vários pesquisadores que acompanharam os estudos de Warburg e o sucederam, Erwin Panofsky foi quem analisou e aprofundou as correlações entre forma e conteúdo. A partir do estudo dessas correlações feitas no quadro Ressurreição138, ele estabeleceu a necessidade da atribuição de três momentos inseparáveis do ato interpretativo de uma obra de arte (GINZBURG, 2009). O primeiro, a leitura da camada pré-iconográfica, corresponde ao entendimento do sentido fenomênico da imagem. É o entendimento mais simples e consiste na percepção da obra em sua interpretação mais pura, quase desprovida de aspectos culturais por parte do

136 Abraham Moritz Warburg conhecido na literatura como Aby Warburg (1866 – 1929), foi um estudioso da arte e da cultura do Renascimento. A partir de seu acervo bibliográfico, transferido em 1933 de Hamburgo para Londres, foi criado o Instituto Warburg, instituição de pesquisa vinculada à Universidade de Londres, que tem por objetivo estudar a influência da Antiguidade Clássica sobre a civilização europeia (SORENSEN, 2000).

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Alessandro Di Mariano Di Vanni Filipepi ou Sandro Botticelli (1445 – 1510) é um dos mais importantes nomes da pintura do Renascimento italiano. Autor de: A Primavera, O Nascimento de Venus, O coração da Virgem, entre outras obras (http://www.suapesquisa.com/pesquisa/botticelli.htm).

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Quadro de Mathis Gothart Niethart, conhecido no mundo das artes como Matthias Grünewald (1470 - 1528). Pintor alemão precursor do estilo expressionista, autor de Ressurreição, As Tentaciones de San Antonio, Crucificação, entre outras obras (http://pt.wikipedia.org/wiki/Matthias_Gr%C3%BCnewald).

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observador. Como exemplo, o quadro "Ressurreição", corresponde apenas ao entendimento de um homem em suspensão, com os pés e as mãos perfuradas. O segundo nível de análise ou leitura da camada iconográfica associa o entendimento cultural à iconografia. Desta forma, considerando o exemplo anterior, o entendimento que se teria, é que o quadro aborda uma passagem bíblica, e que o “homem” soerguido com os pés e mãos perfuradas é Jesus. O terceiro nível leva em consideração a história pessoal do autor, aspectos técnicos e culturais para o entendimento da obra. Utilizando uma linguagem metafórica é como se o crítico de arte ou historiador ultrapassasse as fronteiras da moldura e transcendesse a época da elaboração da obra, no sentido de ter um entendimento integral ou absorção da concepção de mundo contida na mesma. A esse terceiro nível de abordagem Panofsky denominou de nível ou “região do sentido da essência [e posteriormente passou a chamar de] camada iconológica” (GINZBURG, 2009, p. 66). Assim, para ele, a leitura do tema ou assunto seria o estudo iconográfico, e o do significado, o iconológico.

Essa nova forma de olhar os documentos figurativos fez de Erwin Panofsky um precursor, responsável por fazer com que “a historia da arte se decidisse pela história nova” (LE GOFF, 1998, p.18).

Na obra “Mitos, Emblemas e Sinais”, Carlos Ginzburg (2009) evidencia também a importância de conduzir o conhecimento histórico através da análise minuciosa dos detalhes. Fatos aparentemente sem importância, que na maioria das vezes foram negligenciados, tornam-se meio de novas descobertas. Para ele é através dos indícios que se obtêm os detalhes de uma realidade complexa. Foram assim os “sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Sherlock Holmes), signos pictóricos (no caso de Morelli)” (GINZBURG, 2009, p.150). No livro “O queijo e os vermes” Ginzburg (1987) põe em prática os princípios da microanálise para relatar não só um fato histórico, como também para mergulhar no modo de pensar e agir de determinada época. Desta forma, em função da busca desta interrelação, Ginzburg é considerado também como um historiador da história nova.

A partir do entendimento da necessidade de observação minuciosa da documentação iconográfica, (GINZBURG, 2009) e, simultaneamente,

embasado nos princípios do raciocínio analógico e dedutivo, foram analisados nessa pesquisa alguns documentos iconográficos da capitania da Paraíba, elaborados por portugueses e holandeses, na primeira metade do século XVII. Através dessas iconografias procurou-se ter a compreensão do grau de conhecimento que se tinha do meio físico, através de observações minuciosas de aspectos geográficos, notadamente aqueles relacionados à disposição dos rios, córregos, caminhos e a localização das fontes de água para o abastecimento público.