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Causas do Desaparecimento das Nações Indígenas

No documento BR 1500: o caminho da construção do Brasil (páginas 106-110)

III. O BRASIL DE 1500

III.3 Causas do Desaparecimento das Nações Indígenas

Conquanto esforços tenham sido feitos para a preservação dos índios, mostraram- se completamente insuficientes diante da vontade exploratória. Espanhóis e portugueses, pouco tempo depois de terem aportado na América, deixaram de ter qualquer visão humana dos aborígenes, passando a enxergá-los sob uma ótica comercial e utilitarista. Foram transformados em meros instrumentos de trabalho, lugar de riqueza que

disputaram encarniçadamente (Magalhães, 1975, pp. 75, 76). O resultado foi a dizimação dos naturais da terra.

III.2.1 Imposição de Modelos Sociais Desconhecidos, Cultura e Doenças

A introdução, via coerção, de modelos sociais estranhos aos indígenas foi, sem dúvida, uma forma específica de destruição dos naturais da terra. O etnocídio e o desaparecimento de comunidades indígenas foi algo, infelizmente, comum em todo continente especialmente pela má gestão da questão ameríndia. Certamente, a cobiça das riquezas das terras colonizadas pulsava muito mais forte que qualquer apego moral e ético de uma civilização que se chamava “cristã”. Não foi apenas o comportamento predatório e desrespeitoso para com os legítimos habitantes da terra e as doenças trazidas nos corpos dos europeus que resultaram a extinção de populações de naturais da terra, mas também a imposição de modelos sociais não apenas desconhecidos a elas, mas também, contrários àquilo que consideravam aceitável. Um exemplo disso é visto na eliminação dos índios insulares da América Central. Na opinião de Woodrow Borah, foram os problemas de adaptação de leis e procedimentos jurídicos espanhóis com respeito aos índios súditos das Antilhas, a causa da extinção dos naturais da terra. O extermínio, também resultante de uma exploração anárquica e destrutiva, bem como, as já faladas doenças oriundas do Velho Continente infectando populações sem qualquer resistência a elas, obrigaram os próprios colonizadores espanhóis a ganharem a vida em outros lugares. Aquilo que pode ser reconhecido como um holocausto nas Índias Ocidentais foi tão impactante e improdutivo para os próprios colonizadores espanhóis que resultou, como imposição irrefutável, a necessidade de transferência para a terra firme, onde buscaram implementar um sistema de exploração mais organizado e judicioso (Borah, 1996, p. 37).

Feridos mortalmente no modo de organização e reprodução de sua vida social, solapados pela predatória cultura portuguesa, roubados de saúde por vírus e bactérias estrangeiros, os tupinambás se recolheram ao ambiente de sua dizimação. Darcy Ribeiro explica que os índios urubu-Kaapor, entre os quais morou algum tempo, cujo nome kaapor: “Kaa” é mata e “por” morador, explicitamente se definem como povos da floresta. Na opinião do citado antropólogo, eles são os índios mais parecidos com os tupinambás da costa brasileira. A intenção de Darcy Ribeiro de estudar e compreender como era o povo de quem herdamos a forma de sobreviver nos trópicos foi assim alcançada.

Certamente, diz ele, é possível reconstituir o que foram a partir dos documentos do século XVI. Todavia, não se compara com a experiência de viver entre eles. “Eles estão vivos”, argumenta o estudioso, e, por isso, foi até lá estudá-los (Ribeiro, 1992).

III.2.2 Desrespeito do Tamanho de um Continente.

Práticas deliberadamente destrutivas e etnocidas não foram peculiares apenas à colonização do Brasil. Na Argentina, à época dos vice-reis, especialmente em fins do século XVII, tomou forma mais claramente a intenção de exterminar os povos originais da terra, especialmente os da região dos pampas. Houve, sem dúvida, uma estratégia de “tomada de confiança” dos indígenas em momentos pontuais, por meio da concessão de títulos e cargos. Tal prática naquele país foi uma “ancestral” da política de “índios amigos” que viria mais tarde, implementada por governos já no século XIX. Exemplo disso pode ser encontrado no cacique pampa Mayupilquián, que recebeu da parte do Cabildo de Buenos Aires o título de “guarda maior”, com a incumbência de vigiar a fronteira (Sarasola, 2012, p. 35). Essa prática de “integração política” dos índios, objetivando tê-los como “aliados”, nada mais era do que uma aproximação oportunista e interesseira, exploração e manipulação descarada. Algo semelhante foi visto no Brasil, na época da colonização, através do cunhadismo e alianças. Atualmente, chama a atenção o fato de que grande parte do contingente do exército brasileiro na região Norte do país é constituída de indígenas, que repassam seu conhecimento para a criação de doutrinas de guerra na selva, e que resulta também neles um forte sentimento patriótico e nacionalista (brasileiro), tão presente na disciplina militar.

Data do final do século XVII um cacique de grande expressão e poderio na Argentina, conhecido como Lorenzo, mas também chamado Calfilqui, Calpisquis, Callipú, Calfuquil ou Cayupulqui, cuja ascendência era tehuelche ou puelche. Suas aldeias se localizavam às margens do rio Quequén Salado, hoje equivalente à área correspondente aos partidos de Tres Arroyos e Dorrego. É possível que se localizassem ainda nas Sierras de la Ventana e Tapalquén. Muito influente sobre seus pares à época, é dito que comandava mais de mil lanças. Liderou várias batalhas na fronteira, embora seja sabido que sempre se esforçava pela paz permanente com os colonizadores, uma vez que seu território não fosse violado. O que chama a atenção são suas palavras de encorajamento para que índios e brancos vivessem em paz: “Há lugar suficiente para

índios e cristãos. Harmonia é possível e útil. Porém, se busca a guerra, terá guerra” (Sarasola, 2012, pp. 35, 36). No entanto:

As intenções de paz, as contínuas propostas para conseguir a restituição dos índios cativos que permaneciam em Buenos Aires, as ofertas de alianças, o respeito pelos Tratados firmados... ao final, nada prosperou, e “a guerra” ganhou a disputa. A morte do cacique em 1796 seguramente acelerou os processos de enfrentamento que ele buscou neutralizar, como líder de uma posição que apostava no relacionamento (Sarasola, 2012, p. 36).

As possessões da coroa espanhola no Rio da Plata encontravam-se ameaçadas por invasões inglesas bem no início do século XIX. De fato, em 1806 o Império Britânico logrou capitular Buenos Aires, o que persistiu por apenas quarenta e cinco dias. O marinheiro francês Santiago de Liniers, cujo nome verdadeiro era Jacques Antoine Marie de Liners-Brémond, a serviço da coroa espanhola, derrotou o governador inglês William Carr Beresford em 12 de agosto de 1806. Seu feito ficou conhecido como a Reconquista o que lhe valeu a nomeação, pouco tempo depois, ao cargo de vice-rei. A segunda invasão se deu em julho de 1807. Todavia, Buenos Aires estava agora precavida e muito bem preparada, apta para derrotar a força de dez mil homens que foi enviada contra ela. O que chama a atenção é que em ambas as vezes, povos indígenas se prontificaram a socorrer a cidade, uma vez que havia já muitos anos conviviam pacificamente. Em 1806, o cacique pampa Felipe, disse: “Estamos prontos para franquear homens, cavalos e suprimentos”. No mesmo ano, o cacique pampa Catemilla proclamou: “Fizemos as pazes com os Ranqueles para proteger os cristãos”. De igual forma, por ocasião da primeira invasão inglesa, caciques pampas mandaram dizer: “Oferecemos-lhes vinte mil de nossos súditos, todos gente de guerra e cada qual com cinco cavalos”. Na segunda tentativa inglesa em 1807, os capitães pampas Epugner, Errepuento e Turruñamquii, disseram aos governantes de Buenos Aires: “Queremos lutar junto com vocês” (Sarasola, 2012, pp. 39-42).

Embora todos os oferecimentos tenham sido considerados diplomaticamente, nenhum deles foi aceito. Havia o temor de permitir a entrada de grandes contingentes de índios fortemente armados em Buenos Aires. As consequências seriam imprevisíveis. No entanto, foi permitido a eles guardarem a costa da atual província de Buenos Aires e os seus líderes foram condecorados, considerados assim como “fieis irmãos”. Além da

participação na defesa da área litorânea, foram também assimilados no Batallón de Naturales, formado por quatro companhias de sessenta homens cada, que final e realmente entraram em combate nas batalhas dos dias 6 e 7 de julho de 1807, na definitiva derrota inglesa (Sarasola, 2012, pp. 42, 43). No entanto, apesar da disposição indígena de acomodar todos na terra, os colonizadores jamais os trataram como iguais, muito menos estavam dispostos a respeitar os direitos deles.

No documento BR 1500: o caminho da construção do Brasil (páginas 106-110)