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3. DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR

3.3. CDC e o Novo Código Civil

3.3.2. CDC como um microssistema

Tomando-se o direito como um sistema, nota-se ainda subdivisões dentro dele, como o direito civil, o direito penal, o direito comercial (ou empresarial, como se diz hodiernamente) etc., os quais, por seu turno, apresentam ainda outras subdivisões, como é o caso da Lei das Sociedades Anônimas, da Lei Antitruste, da Lei dos Direitos Autorais, do

103Como aponta TERESA NEGREIROS, “(...) o Direito não está recluso em si mesmo, (...) por isso, tanto quanto

outros ramos, o direito civil responde às demandas sociais, e estas, uma vez alteradas, resultam em correspondentes alterações nos institutos jurídicos” (NEGREIROS, Teresa. op. cit., p. 6).

104Vale apontar, contudo, que TEUBNER defende que a autopoiese do sistema jurídico não exclui as interações

entre direito e sociedade. Pelo contrário, as interações seriam possíveis, só que os elementos de influência deveriam ser reformulados e seriam distinguidos por um caráter externo e periférico, ao contrário dos elementos internos do próprio sistema jurídico. (Cf. TEUBNER, Gunther. op. cit., p. 45). Nesse mesmo sentido, CELSO CAMPILONGO esclarece que “descrever um sistema como operativamente fechado não

significa dizer que, na totalidade de suas condições empíricas, esse sistema não mantenha contatos com o ambiente. (...) A questão é saber que tipo de operação interna capacita um sistema a formar uma rede que auto-reproduz seus elementos, que se coliga a informações autogeradas pelo sistema e que é capaz de distinguir suas necessidades internas daquilo que vê como problemas do ambiente” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. op. cit., p. 67).

direito do consumidor, entre outros. São os chamados microssistemas, que, apesar de estarem dentro do sistema jurídico, possuem uma lógica e princípios próprios, sendo, portanto, capazes de se auto-organizar105.

Os microssistemas permanecem ligados estruturalmente ao sistema, com ele relacionando-se e provocando influências recíprocas. Não há que se falar em pluralismo de ordenamentos jurídicos, uma vez que os microssistemas surgem com a função de regular as lacunas que os códigos, mais gerais e abrangentes, não conseguem regulamentar, ou até mesmo prover expectativas normativas (principal função do direito)106.

O aumento da complexidade da sociedade tornou necessária a edição de leis que tratassem de matérias específicas, as quais demandavam princípios e lógicas distintas daquelas dos códigos gerais. Um bom exemplo disso foi o que ocorreu com o direito comercial, cujo código, publicado em 1850, atendia às necessidades da época. Com o passar dos anos, porém, o surgimento de novos institutos e o aperfeiçoamente daqueles já existentes passaram a exigir a criação de leis especiais, capazes de resolver essas novas questões e garantir as expectativas normativas de forma adequada107.

Assim, muito embora a lei especial possa apenas complementar um código ou uma lei geral, ela pode também constituir o direito geral de um instituto específico ou de uma matéria inteira. É nesse ponto que se passa a falar em microssistemas – e não subsistemas, uma vez que não há relação de subordinação entre o microssistema e o sistema geral108.

Não foi diferente com o direito do consumidor. Historicamente, a defesa do consumidor sempre se deu no âmbito do direito econômico, mas a necessidade de proteção da parte vulnerável ou hipossuficiente, de um lado, e de regulação do mercado, de outro, especialmente dos contratos de adesão, que eram carentes de regulação por parte do Estado, fez surgir um anseio pela edição de um código específico para tal fim, capaz de estabelecer um equilíbrio de forças entre as partes contratantes e, com isso, incentivar o consumo109.

Embora já existissem normas esparsas com o intuito de conferir proteção ao consumidor, a microcodificação do direito do consumidor, baseada no consumerismo

105Cf. STAGNI, Alexandre; NOGUEIRA, André Coutinho; CABELEIRA, Caio; OUCHANA, Elber

Christian; GOMES, Guilherme Amado. op. cit., p. 228.

106Cf. Id. Ibid., p. 228. 107Cf. Id., loc. cit.

108Cf. IRTI, Natalino. op. cit., p. 38-39 e 70-71.

109Cf. STAGNI, Alexandre; NOGUEIRA, André Coutinho; CABELEIRA, Caio; OUCHANA, Elber

norte-americano, teve origem somente após a promulgação da Constituição de 1988, que listou, dentre os direitos fundamentais, a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII), além de ordenar expressamente a elaboração de uma microdificação no art. 48 do Ato das Diposições Constitucionais Transitórias – ADCT.

Como bem definido por CLÁUDIA LIMA MARQUES:

“’código’ significa um conjunto sistemático e logicamente ordenado de

normas jurídicas, guiadas por uma idéia básica; no caso do CDC (Lei nº. 8.078/90), esta idéia é a proteção (ou tutela) de um grupo específico de indíviduos, uma coletividade de pessoas, de agentes econômicos, os consumidores”110.

O CDC é um conjunto de normas sistematicamente organizado, que abrange regras de Direito Privado, regras administrativas, penais, processuais e sobre direito intertemporal, sob o manto de princípios e valores comuns, de origem constitucional, todas elas tendo em vista uma finalidade comum, que é a proteção do consumidor. O CDC, assim, é uma micro codificação de normas especiais, já que tem por objetivo privilegiar um grupo de sujeitos111.

A idéia de microssistema pode ser também exsurgida da preocupação do próprio legislador em facilitar a interpretação das normas do código que criou. Nessa linha de raciocínio, o legislador indicou em seu texto os objetivos perseguidos pela lei (art. 4º do CDC), dividiu o código em parte geral e parte especial, além de dividi-lo em títulos, capítulos e seções.

A parte geral do CDC, formada pelos três pimeiros capítulos (arts. 1º ao 7º), estabelece as definições, conceitos, princípios, objetivos, direitos e normas que deverão ser levados em consideração na aplicação de qualquer outra norma do CDC, seja de natureza civil, administrativa, penal ou processual. Além disso, o Capítulo I traz a hierarquia das normas do CDC, pois, embora este não tenha sido aprovado na forma de código ou de lei complementar (é formalmente uma lei ordinária)112, materialmente é uma lei com

110MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os direitos básicos do consumidor. In: BENJAMIN, Antônio

Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 44.

111Cf. Id., loc. cit.

112Vale notar, como aponta NATALINO IRTI vinte após após a edição de sua famosa obra L’Età della

decodificazione, que a descodificação é um instrumento de política legislativa. Embora as leis especiais consigam exprimir mais facilmente os impulsos de novidade dos partidos e grupos políticos, num momento de crise, em que a sociedade demande continuidade e estabilidade, os códigos acabam demonstrando um plus de valor histórico que as leis especiais não têm, na medida em que se mostram muitas vezes pobres e efêmeras (Cf. IRTI, Natalino. op. cit., p. 9-10).

verdadeira função social (é lei de ordem pública econômica e de interesse social, com origem claramente constitucional). Por serem normas de ordem pública – ou seja, são normas de Direito Privado, com forte interesse público, pois trazem os valores básicos e fundamentais de nossa ordem jurídica – são indisponíveis e inafastáveis contratualmente113.

Segundo F.B.SILVA, o CDC é um microssistema normativo eficiente em razão dos

princípios em que se funda, que se irradiam diretamente da Constituição Federal. Tais princípios propiciam ao consumidor um tratamento diferenciado em uma economia de mercado, em função das relações jurídicas que envolvem os atores desse tipo de relação114. A grande quantidade de instrumentos e maneiras criados para garantir maior eqüidade nas relações de consumo também é um dos motivos aptos a tornar esse diploma tão eficiente. Como exemplo, podemos citar a inversão do ônus da prova, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, a aplicação da onerosidade excessiva, a disciplina das cláusulas abusivas, entre muitos outros.

Muito embora o CDC também siga em parte o modelo tradicional dos contratos, fundado nos princípios do pacta sunt servanda e da autonomia da vontade, preocupa-se muito mais em buscar o equilíbrio entre partes econômica, fática ou tecnicamente desiguais. Para tanto, passa a intervir em certos pontos das relações jurídicas estabelecidas, a fim de que não sejam criadas injustiças, preservando, assim, sua função social. A disciplina estabelecida pelo CDC nos traz a idéia de que, não obstante contratar continue sendo um ato de autonomia privada, é um ato sujeito a diversas disposições legais que impõem uma atuação racional, visto o contrato como pertencente a um sistema, e não como algo exclusivamente particular.

A compreensão das duas funções do CDC – proteção da parte vulnerável e regulação do mercado – torna possível entender a formação dos princípios e da lógica desse microssistema que é o direito do consumidor. De todo modo, assim como todos os outros microssistemas, o direito do consumidor, que traz em seu próprio corpo os elementos necessários para a interpretação de suas normas, está apto a sofrer influências e a influenciar diversos outros sistemas115.

113Cf. MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os direitos básicos do consumidor, cit., p. 49-50 e 53. 114Cf. SILVA, Fernando Borges da. O Código de Defesa do Consumidor: um microssistema normativo

eficiente? Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7564>. Acesso em: 13 ago. 2008.

115Cf. A STAGNI, Alexandre; NOGUEIRA, André Coutinho; CABELEIRA, Caio; OUCHANA, Elber