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3. DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR

3.1. Consumidor stricto sensu

3.1.2. Teoria Maximalista

Para os maximalistas, por outro lado, o CDC deveria ser visto como um regulamento do mercado de consumo brasileiro, um código geral sobre o consumo, e sua aplicação deveria ser a mais extensa possível, de forma a abranger o maior número de relações protegidas por um código muito mais benéfico para a sociedade.

Para esta teoria, portanto, a interpretação do art. 2º do CDC deve ser totalmente objetiva, especialmente porque se fosse a intenção do legislador limitar o campo de aplicação do código que estava criando, tais restrições estariam expressas no texto legal67.

A expressão “destinatário final” do referido art. 2º, assim, deve ser lida como destinatário fático, não importando se a pessoa física ou jurídica que retira o bem ou serviço do mercado tem ou não fito de lucro ao utilizar o bem ou serviço que adquiriu68.

Segundo os maximalistas, a constatação da vulnerabilidade no caso concreto não é relevante. Aliás, o simples uso de um método contratual massificado, como o contrato de adesão, já seria suficiente para presumir a vulnerabilidade do aderente. Ademais, o consumo intermédio, ao contrário do que propõe a Teoria Finalista Clássica, estaria também protegido pelas normas do CDC.

66Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de

coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002, cit., p. 51.

67Esse é o entendimento esboçado no Código de Defesa do Consumidor comentado por J. M. ARRUDA

ALVIM, THEREZA ALVIM, EDUARDO ARRUDA ALVIM e JAYME MARINS, a saber: “Procurou traçar o

legislador, objetivamente, a linha mestra do conceito de consumidor. Neste mister, estabeleceu no artigo 2º deste Código que é consumidor ‘toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final’, ou seja, cuja aquisição se insere no termo final dos quadros de um ciclo de produção. (...) De nossa parte, não podemos concordar com a equiparação que se quer fazer de uso final com uso privado, pois tal equiparação não está autorizada na lei e não cabe ao intérprete restringir onde a norma não o faz. (...) Da mesma forma, não se pode pretender limitar a proteção do Código às pessoas jurídicas equiparadas ao consumidor hipossuficiente, pois que em momento algum condiciona o Código o conceito de consumidor à hipossuficiência. (...). Logo a única característica restritiva seria a aquisição ou utilização do bem como destinatário final. Assim, para o art. 2º, o importante é a retirada do bem de mercado (ato objetivo) sem se importar com o sujeito que adquire o bem, profissional ou não (elemento subjetivo)” (ALVIM, J. M. Arruda; ALVIM, Thereza; ALVIM, Eduardo Arruda; MARINS, Jayme. Código

do Consumidor Comentado. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995. p. 18-31).

68Dentre os autores que também defendem a corrente maximalista, pode-se citar JOSÉ GERALDO BRITO

Dentre os autores que defendem a aplicação do CDC ao consumo intermédio, vale apontar a lição de CAVALIERI FILHO, segundo o qual:

“(...) não há como negar que bens e serviços utilizados no chamado

consumo intermediário situam-se na última etapa do processo produtivo, pois são retirados de circulação para o uso privado da empresa, caso em que não age como fornecedora, nem como produtora ou intermediária. Embora os custos desses bens e serviços sejam repassados ao público, não estão, todavia, destinados ao consumidor. Seu custo é repassado ao consumidor, mas a sua utilidade não”69.

A principal crítica que se faz a esta teoria é que ela acaba transformando o CDC em Direito Privado geral, na medida em que praticamente todos os profissionais consomem de forma intermediária insumos para a sua atividade-fim, de modo que a regulação dos contratos interempresariais pelo Código Civil acabaria por se tornar inútil70.

CRISTIANO ZANETTI lembra que o CDC é diploma setorial, destinado a proteger

somente as partes vulneráveis no mercado. Assim, a leitura maximalista do CDC, que não se preocupa com a comprovação da vulnerabilidade no caso concreto, conduziria, no final, a aplicá-lo como verdadeira lei geral e, como conseqüência, desnaturaria o sistema especial de proteção que tal diploma legal procura instaurar. Para o autor, o consumidor tende a identificar-se com a pessoa física e a extensão do regramento consumerista às pessoas jurídicas somente deveria ser feita a título excepcional e, em hipótese alguma, quando estas estiverem no exercício de suas atividades profissionais71.

A crítica à Teoria Maximalista, contudo, não deveria estar relacionada à pessoa jurídica enquanto consumidora, uma vez que o próprio art. 2º menciona expressamente que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que utiliza produto ou serviço como destinatário final. Nada impede, portanto, como aponta ANTONIO CARLOS MORATO, que

uma grande corporação utilize em seu favor o CDC quando destinatária final de produto ou serviço72. A crítica à teoria ganha relevo somente no que diz respeito ao conceito de destinatário final enquanto mero destinatário fático, independentemente da comprovação de vulnerabilidade no caso concreto.

69CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2003.

p. 467.

70Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Campo de aplicação do CDC, cit.,p. 70.

71Cf. ZANETTI, Cristiano de Sousa. Direito contratual contemporâneo: a liberdade contratual e sua

fragmentação. São Paulo: Método, 2008. p. 213-214.

72Cf. MORATO, Antonio Carlos. Pessoa jurídica consumidora. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008.

Assim como a extrema flexibilidade atribuída ao conceito de consumidor pela Teoria Maximalista pode acabar fazendo com que o CDC seja aplicado a todo e qualquer contrato firmado por uma pessoa jurídica, tornando-se, portanto, lei geral, o rigor de alguns finalistas, que entendem que a pessoa jurídica somente seria consumidora quando adquiresse produto ou utilizasse serviço que não fosse considerado insumo para sua atividade empresarial, pode acabar até mesmo negando a vigência do art. 2º do CDC, já que praticamente nunca uma pessoa jurídica seria considerada consumidora.

Como muito bem apontado por RIZZATO NUNES, a pessoa jurídica não come, não

bebe, não dorme, não viaja, não lê, não vai ao cinema, não assiste à aula, não vai a shows, não aluga filmes, não vê publicidade etc. Logo, para ser consumidora, como o próprio art. 2º do CDC preconiza, é inevitável que sejam considerados os bens e serviços tecnicamente possíveis de serem adquiridos por uma pessoa jurídica e que lhe sirvam como bens de produção e, simultaneamente, bens de consumo73.