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6. CLÁUSULAS ABUSIVAS

6.2. Cláusulas abusivas no Código Civil e no CDC

6.2.2. Cláusulas abusivas no CDC

O CDC406, se comparado ao Código Civil, traz um regramento muito mais extenso no que diz respeito às cláusulas abusivas407.

O art. 51 desse Código, abandonando os critérios da liberdade da vontade e da intenção das partes, estabeleceu critérios objetivos de constatação da abusividade do contrato. Para tanto, enumerou as cláusulas que entende por abusivas408, fulminando a elas a nulidade de pleno direito.

O rol trazido por referido artigo, além de já ser relativamente extenso, ainda prevê, dentre seus incisos, dois que se caracterizam como cláusulas gerais (incisos IV e XV) e que, portanto, conferem ao juiz poderes para identificar cláusulas abusivas nos casos concretos sempre que estabelecerem obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, ou ainda quando estiverem em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor409.

É importante esclarecer, também, que na caracterização da abusividade de uma cláusula não se deve recorrer ao uso da analogia, uma vez que tal medida restringe o exercício da autonomia privada. Para CUSTODIO MIRANDA, tal restrição não tem

406A disciplina das cláusulas e práticas abusivas do CDC recebeu forte influência do direito alemão (AGB-

Gesetz, de 9 de setembro de 1976) e do direito português (Decreto-lei 446/85, de 25 de outubro de 1985), conforme explica CLÁUDIA LIMA MARQUES (MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os direitos

básicos do consumidor,cit.,p. 49).

407Conforme explica JUNQUEIRA DE AZEVEDO, “o Código de Defesa do Consumidor, que foi feito, como se

sabe, depois do Projeto de Código Civil, está muito mais atualizado do que este. As cláusulas abusivas têm um vasto elenco no art. 51, inclusive com norma de fechamento. O próprio Ministério da Justiça publicou mais duas listas com 29 cláusulas, no mês de março de 1999; são cláusulas abusivas em matéria de planos de saúde, de cartão de crédito, de transporte aéreo etc.” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil (atualmente, código aprovado) na questão da boa-fé objetiva nos contratos. In: ______. Estudos e pareceres de direito privado, cit., p. 154).

408Cf. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São

Paulo, v. 16, p. 59, 1995.

409“O rol de cláusulas abusivas, no art. 51 do CDC, tem bem o espírito de ecletismo, próprio do direito

brasileiro. Admitiu, como fundamento dos vários incisos, tanto a explicação francesa de abusividade, que é a de desequilíbrio entre direitos e deveres (cf. incisos IX, X, XI e XIII), quanto a alemã, de boa-fé (cf. incisos IV e VIII), não se limitando, de resto, às duas orientações (cf. inciso XIV). Quanto ao seu “sistema”, o CDC foi também dúplice: não ficou numa dicção que, à moda de cláusula geral, abarcasse toda e qualquer hipótese, nem optou por soluções tópicas, com enumeração exaustiva de cláusulas abusivas. O art. 51 fez as duas coisas: trouxe lista de cláusulas abusivas e inciso genérico. Essa solução mista tem, por sua vez, ao nosso ver, dupla vantagem: resolve problemas concretos (com a lista) e dá ao juiz arma para modificar cláusulas abusivas não previstas (com o inciso genérico)” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Relação jurídica que não é de consumo. Destinatário final. Cláusula abusiva [Parecer], cit., p. 233).

cabimento, pois o Estado não deve ser visto como guardião dos direitos e interesses da parte dita mais fraca, já que não lhe cabe a função de defesa do indivíduo, enquanto sujeito de uma relação determinada, mas somente enquanto membro da comunidade ou de determinado grupo social410.

Isso, porém, não se confunde com a aplicação restrita desse artigo somente aos contratos de adesão, como querem fazer crer alguns autores.

Para PAULO LÔBO, por exemplo, o CDC, ao disciplinar sobre as cláusulas abusivas

em seus arts. 51 a 53, não autoriza interpretação extensiva, conferindo o alcance de suas disposições somente aos contratos de adesão a condições gerais411. As cláusulas abusivas de que trata o Código em comento, para esse autor, com alcance mais restrito que o abuso de direito e a lesão, situam-se apenas no âmbito das condições gerais, sendo inaplicável às relações contratuais comuns412.

Em que pese tal entendimento, essa não nos parece ser a posição mais acertada, já que a redação do art. 51 do CDC, em nenhum momento, restringe expressamente sua aplicação aos contratos de adesão.

De fato, muitas das cláusulas enumeradas nesse art. 51 só fazem sentido quando inseridas em contratos de adesão, porém isso não quer dizer que aqueles incisos que poderiam ter aplicação a outras formas de contratação não possam ser a elas aplicados.

Em nosso entender, a única implicação é que, na contratação por adesão, o critério a ser aplicado deverá ser totalmente objetivo, ou seja, verificada qualquer uma das cláusulas enumeradas no art. 51 do referido Código, obrigatoriamente ela deverá ser considerada nula, independentemente da comprovação, por qualquer das partes, de sua abusividade e prejuízos causados.

Já no caso dos contratos negociados, total ou parcialmente, será preciso, em primeiro lugar, analisar se a aplicação do inciso reclamado faz sentido em tais contratos, para, somente então, verificar as circunstâncias do caso concreto, de forma a se determinar se a cláusula é abusiva. Aqui, portanto, o critério a ser aplicado não deve ser totalmente objetivo, demandando uma atividade um pouco mais árdua por parte do aplicador do

410Cf. MIRANDA, Custodio da Piedade Ulbadino. op. cit., p. 215-216.

411Segundo PAULO LÔBO, “as condições gerais dos contratos constituem regulação contratual predisposta

unilateralmente e destinada a se integrar de modo uniforme, compulsório e inalterável a cada contrato de adesão que vier a ser concluído entre predisponente e o respectivo aderente” (LÔBO, Paulo Luiz Neto. op. cit., p. 24).

direito. Especialmente nos casos dos incisos IV e XV, não há razão para restringi-los aos contratos de adesão, já que, justamente por serem cláusulas gerais, como visto acima, a aplicação de tais incisos dependerá sempre da análise do caso concreto.

Compartilha de tal entendimento JUNQUEIRA DE AZEVEDO, para quem:

“o art. 51 trouxe um rol de hipóteses específicas de cláusulas abusivas,

ao lado de uma hipótese genérica de ‘fechamento’ da lista (inciso XV); ora, a previsão das cláusulas abusivas específicas impede que, sobre elas, se façam distinções, quer haja quer não haja discussão prévia, quer o contrato seja quer não seja de adesão”413.

Nota-se que a intenção do legislador com tais incisos foi justamente a de não limitar a hipóteses restritas a repressão das cláusulas abusivas, possibilitando ao aplicador do direito determinar, em cada caso concreto, quando uma cláusula deva ser considerada abusiva ou não.

Feitas tais observações, impõe-nos abordar sobre as conseqüências do reconhecimento de abusividade de uma cláusula pelo regramento do CDC. Como regra básica, caracterizada uma cláusula abusiva, há de se impor sua desqualificação.

Os diversos ordenamentos, porém, empregam distintos mecanismos para desqualificar as cláusulas abusivas. O nosso Código do Consumidor, objeto do presente estudo, por exemplo, optou por declarar nulas de pleno direito as cláusulas mencionadas nos dezesseis incisos de seu art. 51414. A lei brasileira, porém, dispõe no parágrafo 2º desse

mesmo artigo que a “nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato”. Impõe-se o princípio da conservação, desde que guardado o equilíbrio das posições contratuais.

O controle das cláusulas abusivas, no direito brasileiro, pode se dar tanto em nível abstrato quanto concreto. Em consonância com o art. 51, parágrafo 4º, do CDC, ao Ministério Público cabe o controle preventivo das cláusulas abusivas por meio da análise dos documentos onde se encontram redigidas as cláusulas constantes de formulário, isto é, cabe ao Ministério Público o controle das cláusulas de documentos ainda unilaterais, cuja intenção é a de que venham a se tornar objeto de contrato de adesão. A declaração de

413AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A arbitragem e o direito do consumidor (arbitration and the

consumer’s rights). In: ______. Estudos e pareceres de direito privado, cit., p. 244.

414Cf. ALTERINI, Atílio Aníbal. Os contratos de consumo e as cláusulas abusivas. Revista de Direito do

nulidade, nesse caso, foge do campo dos contratos efetivamente existentes, não se tratando propriamente de nulidade de negócio jurídico de consumo415.

Já o controle concreto das cláusulas abusivas se dá na forma dos arts. 81 e 82 do CDC. Todos os legitimados previstos nesse artigo podem postular em juízo a nulidade das cláusulas abusivas constantes de contratos, inclusive o Ministério Público. A grande distinção entre o Ministério Público e os demais legitimados é que àquele é facultado exercer também o controle preventivo, como visto.

A ação que pode ser proposta para o controle das cláusulas abusivas encontra previsão, inclusive, para obtenção de tutela liminar. Conforme a gravidade da cláusula abusiva, o CDC faculta ao juiz, em seu art. 84, parágrafo 3º, suspendê-la liminarmente, determinando que se cumpra o contrato, com desconsideração da cláusula, ou até mesmo suspendendo a execução do contrato como um todo416.