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6. CLÁUSULAS ABUSIVAS

6.1. Definição de cláusulas abusivas

Consideram-se cláusulas abusivas as disposições contratuais que atribuem vantagens excessivas a uma das partes, acarretando, em contrapartida, demasiada onerosidade à parte contrária e um injusto desequilíbrio contratual374.

As cláusulas abusivas podem existir em qualquer contrato, como se verá a seguir, mas os contratos de adesão são onde elas aparecem com maior freqüência, tendo campo em diversas direções, nas mais variadas áreas: financeira, industrial, comercial, de serviços, de hotelaria, de licenciamentos, de uso de bens alheios (estacionamentos, postos e outros), de conserto de bens (oficinas mecânicas, reparos em aparelhos eletrônicos e outros) etc375.

O controle dessas cláusulas parte do sentimento de que elas são condenáveis dentro de um sentido de justiça contratual. Sem dúvida alguma, uma cláusula abusiva confere a um dos contratantes uma vantagem excessiva, criando, por via de conseqüência, um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. Mas nem todo desequilíbrio contratual decorre de uma cláusula abusiva. Existem outros tipos de desequilíbrios, como os existentes nos contratos a título gratuito ou nos contratos aleatórios, que encontram sua razão de ser na própria natureza do contrato. No caso das cláusulas abusivas, ao revés, o desequilíbrio resulta do abuso de poder econômico de um dos contratantes sobre o outro, ainda que este último seja bem informado. É por essas razões que se aduz que a diferença de posição econômica dos contratantes torna ilusória a livre negociação entre as partes.

A cláusula abusiva, assim, pode ser definida como aquela que traduz um abuso da posição de supremacia ostentada por um dos contratantes376. BUENO DE GODOY define a

cláusula abusiva como aquela que:

“(...) vem marcada pela unilateralidade, que é resultado da posição de

força, de superioridade de uma das partes contratantes, impondo um

374Cf. LÔBO, Paulo Luiz Neto. op. cit., p. 155.

375Cf. BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). op. cit., p. 11.

desequilíbrio contratual, de vantagens e riscos, que a ordem jurídica corrige ou, antes, impede”377.

Em decorrência da própria definição de cláusula abusiva, a qual é imposta no momento da conclusão do contrato, alguns autores deduzem que todas as questões que giram em torno dela devem ser situadas no terreno da formação do contrato, com forte influência sobre o direito de contratar e a autonomia da vontade378.

Isso não quer dizer, no entanto, que uma cláusula só poderá ser considerada abusiva se apresentar esse caráter já desde o momento da formação do contrato. Existem, na verdade, dois tipos de cláusulas abusivas: as que são de natureza abusiva e as que, a despeito de dita natureza, vêm a se tornar como tal no terreno da execução do contrato, por um abuso no exercício de determinados termos contratuais. Isso pode acontecer quando, por exemplo, os termos genéricos de uma cláusula permitem a um dos contratantes, durante a execução do contrato e diante de circunstâncias especiais, tirar vantagens anormais em prejuízo da parte contrária.

LORENZETTI, sintetizando essa idéia, atribui o caráter abusivo de uma cláusula em

duas situações, a saber: (a) quando favorece desmedidamente a uma das partes em detrimento da outra, o que significa uma afetação da causa obrigacional379; ou (b) quando, embora não seja em si mesma abusiva, a cláusula desequilibra o contrato, afetando a função ou causa do negócio. Aqui, a obrigação repercute de forma mediata e a abusividade da cláusula será de difícil apreciação. Porém, como esclarece o autor, o caráter abusivo da cláusula contratual será apreciado tendo em vista a natureza dos bens e serviços que sejam objeto do contrato, as circunstâncias que concorreram para sua celebração, assim como todas as demais cláusulas do contrato e de outro contrato do qual porventura ele venha a depender380.

377GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. op. cit., p. 49.

378JUNQUEIRA DE AZEVEDO ensina que “uma das mais fortes tendências do direito contratual atual, no

sistema romano-germânico, é a de não admitir desequilíbrio injustificado entre os direitos e obrigações atribuídos às partes; a autonomia da vontade deve ser harmonizada com a solidariedade social(AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Cláusula cruzada de não-indenizar (cross-waiver of liability) ou cláusula de não-indenizar com eficácia para ambos os contratantes. Renúncia ao direito de indenização. Promessa de fato de terceiro. Estipulação em favor de terceiro. [Parecer]. In: ______. Estudos e pareceres

de direito privado, cit., p. 200).

379JUNQUEIRA DE AZEVEDO, para diferenciar a causa obrigacional da causa do negócio jurídico, atribui à

primeira o termo “kausa”.

Em qualquer um dos casos, porém, o contratante que se beneficia excessivamente da cláusula contratual estará agindo contrariamente ao dever de execução das obrigações conforme a boa-fé. Por conseqüência, esses dois tipos de cláusulas abusivas podem ser sancionados pelo mesmo instituto, qual seja, a boa-fé objetiva, conjugada a outros dois princípios contratuais modernos: a função social do contrato e o equilíbrio contratual.

Ocorre que, justamente por se tratar de um instituto muito abrangente e pouco objetivo, essa solução acaba muitas vezes por deixar de tutelar diversas situações em que uma das partes é prejudicada pelo abuso da outra, principalmente naqueles casos em que a cláusula não é abusiva por sua própria natureza, mas se configura potencialmente abusiva.

Ademais, ao contrário da solução pela aplicação do art. 424 do Código Civil brasileiro, que se restringe ao campo dos contratos de adesão, ou pela aplicação do CDC, a repressão das cláusulas abusivas pela boa-fé objetiva não encontra uma sanção pré- determinada pelo ordenamento para a ocorrência desse tipo de cláusula.

A ineficácia do sistema de proteção dos contratantes em posição de inferioridade explica-se, em grande parte, pela recusa de se aplicar o direito comum em matéria de repressão às cláusulas abusivas. Com efeito, muitas das técnicas do direito comum poderiam ser aplicadas às situações de cláusulas abusivas, como a questão da validade e dos vícios de consentimento. Entretanto, todas essas técnicas não servem de base para uma luta sistemática contra tais cláusulas, pois não constituem fundamento jurídico para a anulação de toda e qualquer cláusula abusiva.

O único princípio do direito comum que tem vocação geral, não se limitando a uma classe particular de cláusulas abusivas, e que, para parte da doutrina nacional e alienígena, seria capaz de tutelar, também, aquelas que são apenas potencialmente abusivas é aquele que fundamenta a teoria do abuso de direito381. Entretanto, da forma como essa teoria foi disciplinada no Código Civil de 2002, como visto acima, a solução das cláusulas abusivas com base no abuso de direito dependeria de critérios subjetivos.