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2.3 CEEJA COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA E POPULAR

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita, que vai dos quatro aos dezessete anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos, incluindo aos que a ela não tiveram acesso na idade própria, como educandos jovens e adultos.

Na organização do sistema educativo de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9394/96) consta:

Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames (art. 37, §1 LDB – Lei 9394/96).

A Educação de Jovens e Adultos deve ser pautada pelo diálogo reflexivo e crítico, onde se reconhece e valoriza as experiências e trajetória de vida dos educandos e educandas. Todos devem ser respeitados, reconhecendo suas diversas origens geográficas, convicções e realidades.

Essa maneira de olhar e esse modo de acolhimento dos educandos vem de encontro com as características que formam o perfil desse segmento, excluído do sistema escolar regular, pertencentes das classes populares, com dificuldades de inserção no mercado de trabalho, do exercício de sua cidadania e de ascensão social. Alguns são migrantes oriundos de áreas rurais, que vieram à cidade para trabalhar em ocupações não qualificadas, tentando se integrar a sociedade letrada, escolarizada e urbana. Em contra partida eles trazem uma bagagem de vida com conhecimentos práticos, experiências e valores que não podem ser desprezados, ao contrário precisam ser considerados e ser usados como aliados no processo ensino aprendizagem. Portanto os conteúdos da escola devem ser elaborados para ser compatível às necessidades e realidade desses jovens e adultos (OLIVEIRA, 1999).

No sentido de melhor atender as diversidades desses educandos com origens, cultura e ritmos de aprendizagens diferentes foi criado o Centro de Educação de Estudo Supletivo (CEES) na década de 80, como uma modalidade da EJA. Inicialmente atuava tirando dúvida de pessoas que iam prestar os exames supletivos e mais tarde com aulas preparatórias que usavam o material do telecurso e outros recursos de vídeo e áudio.

Em 2009, os CEES passam a se chamar Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEEJA) e continuam a oferecer alternativas aos trabalhadores, que por conta de um mercado de trabalho cada vez mais exigente, buscam conquistar a escolaridade necessária, considerando esses e outros motivos. Nos CEEJAs, a tarefa de retomar os estudos mostra-se mais apropriada, pois o atendimento é feito de forma individualizada e os horários para a frequência dos educandos é flexível. Essa forma de atender é disponibilizada nos períodos: manhã, tarde e noite, proporcionando um leque maior de possibilidades de horários. As aulas estão divididas em módulos que são completados um a um até terminarem todas as atividades das propostas em cada área.

Os educadores do CEEJA podem lançar mão de diversos métodos e técnicas, que fogem do processo tradicional de ensino, pois com o atendimento individual é possível respeitar o ritmo próprio e as especificidades dos educandos. Ao iniciar o estudo em cada disciplina, o educando recebe um roteiro com atividades e o conteúdo específico. Ao retornar à escola, após terminar a preparação do roteiro, terá um atendimento para esclarecer as dúvidas ou até mesmo obter ajuda para completar alguma atividade. Só depois receberá uma avaliação, cujos resultados serão discutidos e corrigidos na presença do educando.

Desde 2015, o CEEJA disponibiliza um material elaborado especificamente para atender aos jovens e adultos trabalhadores, que se chama “CEEJA – Mundo do trabalho”. São livros e vídeos para todas as disciplinas que compõem o currículo. .Os vídeos desse material enfocam a relevância de se desenvolver o hábito de estudo mostrando aos estudantes que estudar envolve também aprendizagens para além dos assuntos abordados nos livros.

Antes de cada unidade do livro, há a verificação dos conhecimentos prévios dos educandos, para que eles vejam que não estão partindo do zero e assim poderão se sentir mais seguros. Muitas vezes eles desconhecem o que já sabem e depois de reconhecer seus conhecimentos vão se sentir mais valorizados. Os assuntos abordados nos livros pertencem ao cotidiano dos educandos e são problematizados e contextualizados. Isso é feito para que os educandos exerçam um papel mais ativo no processo de aprendizagem.

Educadores e educadoras lançam mão de diferentes estratégias e procedimentos para criar as condições propícias para o aprendizado, além das atividades o educando deve se habituar à prática de registros para ajuda-los na

organização e seleção de informações, tais como produção de relatórios, comentários e fichamentos, estimulando habilidades de letramento.

Para ampliar o universo textual dos educandos numa perspectiva crítica, o material contém textos diversos de diferentes gêneros textuais. O objetivo é proporcionar aos educandos a oportunidade de despertar distintos modos de ler, para que possam praticar estratégias diversificadas e delas se apropriarem: ler para aprender, ler para se encantar, ler para seguir instruções, entre outras possibilidades.

Além disso, é necessário esclarecer o objetivo da leitura proposta, além de contextualizar e problematizar o tema abordado. Para que educandos e educandas possam avançar em sua capacidade leitora e também escritora, visto que ler e compreender textos mais complexos também desenvolve a escrita e desenvolve o senso crítico, além de ampliar seu grau de autonomia.

Quando pensamos nas características da Educação Sociocomunitária e da Educação Popular e as confrontamos com os princípios e objetivos de atuação dos Centros de Educação de Jovens e Adultos, é possível notar claramente a presença dessa educação libertária e problematizadora. Desde a concepção do CEEJA, passando pelos atendimentos, materiais, atividades, considerando o respeito às especificidades, saberes e realidades dos educandos, tudo nos remete a um processo de educação voltado para o empoderamento de grupos de pessoas que encontram dificuldades para dar continuidade a sua escolarização.

Essa educação consolidada nos CEEJAs busca favorecer a autonomia dos educandos e educandas, engajando-os no processo de transformação social. Em outras palavras, o CEEJA não é um mero prestador de serviços, mas um movimento que busca promover uma educação emancipadora que possibilite a aquisição da habilidade de leitura da palavra aliada à leitura do mundo.

Consideramos, dessa forma, que as práticas educativas desenvolvidas no CEEJA podem ser entendidas como manifestações de uma Educação Sociocomunitária.

Em suma, a educação sociocomunitária trata das ações educativas de impacto social, para além da escola, ou que envolvem a relação escola- comunidade. Esta perspectiva tem sido a principal adotada pelo Programa de Mestrado em Educação do Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). [...] este tipo de intervenção educacional caracteriza-se pelo cultivo do princípio sociocomunitário de relações sociais e humanas. A lógica ou princípio sociocomunitário caracteriza-se por relações sociais que, ao

menos inicialmente, atendem necessidades propriamente humanas: a sobrevivência, cuidado e identidade (em seu viés comunitário) e a liberdade, autonomia e criação (em seu viés societário) (GROPPO, 2013, p. 52).

A Educação Sociocomunitária pode favorecer o empoderamento dos educandos, ao contribuir com o processo de desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e análise coletiva da realidade visando a desafiar a opressão e estimular o engajamento em ações que tragam mudanças para os participantes do ato educativo.

Vimos, assim, que a Educação Sociocomunitária é desenvolvida nos CEEJAs e também se ancora nos princípios da Educação Popular tais como – respeito aos temas e conhecimentos prévios dos educandos, busca pela apreensão de sua leitura de mundo, implementação de práticas educativas e problematizadas, dialógicas e voltadas à autonomia das pessoas envolvidas. Esses princípios também marcaram os diversos movimentos populares de luta pela Educação de Jovens e Adultos, desenvolvidos no final da década de 50 e na década de 60.

Como resultado dessa busca por uma educação que favoreça a autonomia dos educandos e educandas, é possível notar, no contexto do CEEJA, algumas mudanças individuais como a melhora da autoestima, das habilidades de comunicar- se, comprometimento em traçar e seguir compromissos, crescente conhecimento, habilidades, competências, melhoria na motivação e expectativa de vida, na consciência das escolhas educacionais de como elas repercutem na vida, consciência pessoal e social. Assim, os CEEJAs podem ser percebidos como espaços onde se desenvolvem os círculos de cultura de que nos falam Paulo Freire, isto é, como espaço para encontro de seres humanos que visam a pronunciar o mundo com intenção de transformá-lo.

O CEEJA Profª Jeanette A. G. A. Martins, onde se dá a atuação docente da presente pesquisadora, fica na Rua dos Nhambiquaras, s/nº, no Bairro Vila Presidente Costa e Silva, em Campinas, São Paulo. A autorização de funcionamento foi: ato de Criação pelo Decreto, nº 28.232, de 03 de março de 1998, publicado no D.O.de 04/03/88, seção I. Jurisdição: Diretoria de Ensino – Região Campinas Leste.

Desde 2004, está no endereço acima, em um prédio próprio anexo às dependências da EE Newton Silva Telles. As instalações do CEEJA Jeanette A. G. A. Martins são compostas pelas quatro salas de atendimento aos educandos, que são divididas pelas quatro áreas do conhecimento (Linguagens e tecnologias,

Ciências da natureza, Ciências Humanas e Ciências Exatas), banheiros, cozinha para os educadores, área dos gestores e administração, um refeitório e cozinha para a merenda dos educandos, sala de leitura, sala de reunião e de coordenação e uma área arborizada como jardim.

Como recursos tecnológicos existem computadores, impressoras para a elaboração de apostilas, TVs, DVD para exibição de vídeos. Um acervo com obras literárias de aproximadamente 2.500 livros e os livros da EJA - Mundo do Trabalho (fornecidos gratuitamente aos educandos).

Os recursos humanos do CEEJA são 19 professores, 1 diretor, 1 vice diretor, 1 coordenador pedagógico, 1 gerente de organização escolar, 3 auxiliares de serviços, 1 cozinheira e 1 auxiliar de limpeza.

O CEEJA Profª Jeanette A. G. A. Martins se propõe a ajudar os educandos a enfrentar seus desafios cotidianos, de forma reflexiva, consciente e participativa e com isso eles possam realizar a ressignificação de suas ações. A meta é formar um cidadão pleno, responsável, compromissado, criativo, critico e inserido no mercado de trabalho. Para que os educandos possam contribuir na construção de uma sociedade mais justa, eles precisam desenvolver habilidades e valores que levem à autonomia. Eles precisam conhecer conteúdos e dominar a escrita e leitura. E além de tudo, saber pesquisar informações de maneira autônoma para enfrentar as adversidades em suas trajetórias.

No sentido de entender melhor como é constituído o corpo discente, contabilizamos 329 educandos no Ensino Fundamental e 902 do Ensino Médio, num total de 1.321. Sabe-se que alguns tiveram sua vida escolar interrompida e retornam agora na intenção de prosseguir sua escolarização. A quantidade exata oscila, pois é possível se matricular durante o ano todo e terem novos educandos a qualquer momento.

O CEEJA Profª Jeanette A. G. A. Martins constantemente levanta dados sobre o perfil do corpo discente com vista a um melhor atendimento. Com base nos últimos dados levantados, foram construídos gráficos separados para ao Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM). O intuito é de visualizar e compreender a realidade, as motivações e aspirações dos educandos.

Com relação à faixa etária, 41% dos educandos do EF têm entre 30 e 50 anos; 20% têm acima de 50 anos e 39% tem entre 18 e 29 anos. Educandos mais velhos, acima dos 50 anos, cursaram o ensino primário há muito tempo e por isso requisitam um atendimento com metodologia diferenciada.

Nota-se que há predominância dos educandos mais jovens da faixa entre 18 e 29 anos de maneira mais acentuada no Ensino Médio do que no Ensino Fundamental. Isso vem ao encontro de informações divulgadas no final do ano de

20% 16% 25% 39%

Faixa Etária - EF

50 anos ou mais 40 a 19 anos 30 a 39% 18 a 29 anos 9% 17% 22% 52%

Faixa Etária - EM

50 anos ou mais 40 a 49 anos 30 a 19 anos 18 a 29 anos

2014 pelo movimento “Todos pela Educação”, a partir dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 2013).

Com relação à distribuição segundo o gênero, observa-se que a maioria é do sexo feminino (51%). Uma observação que podemos mencionar é que as mulheres têm geralmente dupla jornada de trabalho, além de muitas vezes serem ‘chefes de família’. Mulheres que são mães e que trabalham fora têm maior dificuldade em frequentar a escola, porém boa parte dos educandos é composta por elas.

49% 51%

Gênero - EF

Masculino Feminino

No Ensino Médio o público feminino predomina de maneira ainda mais pronunciada do que no Ensino Fundamental. Muitas educandas relatam que esperam poder ajudar os filhos nas tarefas escolares, entrar no mercado de trabalho com empregos melhores e mais bem remunerado. Às vezes, tiveram que abandonar os estudos para cuidar dos filhos ou para trabalhar, mas após esse período retornam aos bancos escolares.

43% 57%

Gênero - EM

Masculino Feminino 41% 19% 25% 11% 4%