• Nenhum resultado encontrado

CELEBRAÇÕES EM TORNO DO BOM JESUS

No documento Download/Open (páginas 101-115)

CAPÍTULO 2 – O NORTE PIONEIRO PARA ALÉM DO ESPAÇO

2.6. CELEBRAÇÕES EM TORNO DO BOM JESUS

O culto à imagem do Senhor Bom Jesus pode ser caracterizado como sendo um ritual onde geralmente os fiéis pedem algo relacionado aos seus problemas cotidianos. Isso ocorre por meio de uma conversa particular, pessoal e sincera com o santo. Carlos Alberto Steil nos diz que diante da imagem, os romeiros frequentemente depositam fotografias, dinheiro, muletas e cartas aos pés da imagem de um santo. “Muitas promessas são pagas diante da imagem do santo, onde os romeiros deixam roupas penitenciais [...] que servem de testemunha

184 Código de Direito Canônico, Op. cit, p.303. 185 Idem Ibidem.

186

da graça recebida e atestam o cumprimento da promessa”. 187 O catolicismo de estilo medieval, político e religioso que se instaurou no Brasil se aproximou do modelo medieval romano e das práticas medievais do período Carolíngio. Embora o Brasil não tenha conhecido o modo de produção feudal, a tradição que se instaurou na Colônia é medieval, decadente e deformada. Para José Comblin, esse catolicismo esteve “Longe da crítica protestante, a liturgia católica popular não tomou a forma agressiva que sempre teve na Europa. Pelo contrário, tomou a forma de uma religião muito familiar, patriarcal, de uma simplicidade paradisíaca, ilídica”.188

Já o catolicismo de Estado no Brasil foi marcadamente medieval. A defesa política da colônia, unida à idéia de guerra santa contra corsários franceses e protestantes holandeses, contra os próprios nativos indígenas e a resistência negra nos quilombos, nada mais era do que um espírito medieval de cruzada.189 Para Ronaldo Vainfas e Juliana Beatriz de Souza, o “sentido religioso da expansão ultramarina, empenhado, como na cruzada, em alargar o território dos fiéis ao Cristo, se transmutaria depois na idéia de missão, ora empenhada na salvação das almas”.190 O Catolicismo social só poderia se concretizar no mundo rural em torno das festas aos santos, isto é, num mundo isolado onde as pessoas estavam afastadas umas das outras, o peso duro do trabalho cotidiano faz com que em torno de uma imagem e santuário se dê uma união social. “As cerimônias religiosas, com a pompa litúrgica, a música

187

STEILL, Carlos Alberto. O sertão das romarias. Um estudo antropológico sobre o santuário do Bom Jesus da Lapa. Petrópolis: Vozes; 1996, p. 128.

188

COMBLIN, José. “Situação histórica do catolicismo no Brasil”. IN: Revista Eclesiástica Brasileira , vol. 36, Petrópolis, Vozes, 1966, p. 584.

189 Cf. HOORNAERTE, Eduardo. “Formação do catolicismo guerreiro”. IN: Revista Eclesiástica Brasileira , vol.

33, Petrópolis, Vozes, 1973, p. 854-885.

190 VAINFAS, Ronaldo & SOUZA, Juliana Beatriz de. Brasil de todos os santos. Rio de janeiro: Zahar; 2002, p.

sacra, o concurso do povo, a exaltação espiritual que excitavam, o aparato de que se cercavam, quebravam a mesmice da rotina diária. Num deserto de emoções, eram genuínos oásis ”.191

Para Antônio Cartaxo Rolim, na mentalidade em torno do catolicismo popular, a Igreja é um lugar de conservação e tradição, pois ela é modelada pelas tradições locais com as quais se constituem as tradições religiosas. Festas, procissões, romarias, padroeiros, irmandades, confrarias e solenidades dos santos padroeiros constituem uma constelação de identidades complexas e impõem suas normas ao comportamento religioso.192 No catolicismo popular, a religião e a festa são assuntos relevantes do cotidiano e é um tema fundamental na vida do sujeito religioso. É o momento em que a rotina do trabalho é interrompida para que o sujeito religioso possa se organizar e participar da festa. Aos que preparam a festa é o momento de trabalho, porém prazeroso e edificante.

As comemorações anuais em homenagem aos santos marcam o campo religioso do catolicismo popular brasileiro. A religião é um dos componentes essenciais que formam a cultura de toda sociedade. Segundo Durkheim, há valores na religião que servem para formar as bases dos fundamentos da estrutura social. Desse modo, a demarcação entre o sagrado e o profano durante a festa religiosa se aproximam, embora possam ser percebidos.193 O sociólogo discutiu a importância do relaxamento psíquico e artístico na religião. O autor demonstrou que a festa apresenta, por meio da conexão com a “cerimônia, e também pela aproximação entre os sujeitos religiosos, pelo estado de ‘efervescência’ coletiva que promove e pela possibilidade

191 COARACY, Vivaldo. Memórias da cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1955, 409-411. Apud. AZZI,

Riolando. “Elementos para a história do catolicismo popular”. IN: Revista Eclesiástica Brasileira , vol. 36, Petrópolis, Vozes, 1976, p. 100.

192

ROLIM, Francisco Cartaxo. “Católicos e o catolicismo”. Em: Revista Eclesiástica Brasileira . Petrópolis: Vozes, 1970.

193

de transgressão às normas” 194 Isso faz com que “nos dias de festa, a vida religiosa atinja grau de excepcional intensidade”.195 Daí ser preciso separar duas esferas: o tempo sagrado do tempo secular e profano. O que assegura a tradição religiosa “é o ciclo das festas que voltam regularmente em épocas determinadas”.196 Desse modo, Durkheim estabeleceu uma ligação entre o culto religioso e a festividade pública, e, consequentemente, é difícil de perceber as fronteiras entre o rito e a diversão.

Assim, podemos dizer que a festa religiosa é considerada um estilo de vida de uma comunidade, a multiplicidade de acepção que proporciona, tais como: a forma de organização comunitária, a identidade cultural do povo, ação social e conjunto de valores morais e éticos fazem da festa religiosa um forte elemento constitutivo do modo de vida das pessoas.197 A celebração festiva e religiosa tem uma tendência de crescimento no Brasil, pois ela é um dos alicerces do estabelecimento das relações sociais na história de vários municípios. A festa no país está relacionada à religião desde o período do Brasil colônia e a socialização se deu por meio das festas, uma forma de identidade nacional. As celebrações religiosas ligadas ao cristianismo medieval foram caracterizadas como sendo antigas e populares.

As festas e folias em homenagem ao Divino Espírito Santo, por exemplo, têm origem nobre: “Teriam começado em Portugal, no início do século XIV, muito antes da Reforma católica, por iniciativa da rainha D. Isabel (1271-1336) [...] e rapidamente tornaram-se uma das mais concorridas, chegando ao Brasil juntamente com o início da colonização”.198 Em seu trabalho sobre catolicismo popular no Brasil, M. I. P. de Queiroz afirmou que há dois tipos de 194 Idem Ibidem, p. 419. 195 Idem, p. 372. 196 Idem, 419.

197 AMARAL, Rita de Cássia. Povo-de-santo, Povo-de-festa. Um estudo antropológico do estilo de vida dos

adeptos do Candomblé paulista. São Paulo: USP/Dep. De Antropologia. Dissertação (Mestrado), 1992, p. 7.

198 ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:

catolicismo que coexistem entre si: o oficial e o popular. Uma antiga dualidade no Brasil. O catolicismo de família e o catolicismo romano universalista das ordens religiosas e que esteve relacionado aos jesuítas. Essa oposição entre oficial e popular muitas vezes resultou em graves conflitos. Porém, para a autora o catolicismo brasileiro apresenta uma forma integrada entre a religião oficial e a popular. Não existe uma demarcação nítida em suas variantes.

Portanto, é por meio do culto e da festa que os sujeitos religiosos ligados ao catolicismo, tanto oficial quanto popular, têm a imagem de um santo como centro de suas vidas. Estas imagens religiosas, tanto no meio urbano quanto no meio rural, foram compostas por práticas domésticas realizadas no interior de um pequeno grupo reunido em torno de um chefe de família. A diferença entre ambos é que no meio urbano o culto ao redor da imagem segue os dogmas da Igreja-Matriz, no mundo rural isso não acontece, pois, falta- lhe um contexto social propício.199 Para Alba Zaluar as celebrações em torno de uma imagem religiosa tinham como objetivo conquistar uma proteção geral do santo, assegurando desse modo o bem-estar social de todos. Essas celebrações eram realizadas por meio da festa ao santo. Para essa autora, esse tipo de festa havia desaparecido dos municípios de Cruz das Almas e Minas Velhas. Nessas cidades passou a predominar as romarias aos santuários feitas agora por motivos individuais, principalmente nos casos de enfermidade. Nas celebrações em torno do Divino, afirma Zaluar que as festas eram marcadas pelo calendário religioso. A religiosidade popular “que se encarregavam de realizar a festa, não a fixavam no dia de Pentecostes, esperando até que se completasse a colheita dos principais produtos da região a

199 Cf. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O campesinato brasileiro . São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo;

fim de permitir aos lavradores cumprirem suas promessas de darem mantimentos para a festa do santo”.200

As práticas religiosas, segundo João José Reis eram marcadas por espetáculos maravilhosos ligados ao catolicismo barroco medieval.201 O culto católico era praticado por atos externos da fé, com uma grandiosa missa celebrada por padres e seguida por corais, orquestra, funerais, cerimônias litúrgicas acompanhadas de alegorias e as festas. Para Martha Abreu, o culto e a festa religiosa ocorriam num espaço “onde centenas de pessoas das mais variadas condições se alegravam com a música, dança, mascarada e fogos de artifício”.202 Por outro lado, a religião oficial não conseguia atingir a todos os fiéis, isso favorecia que o catolicismo leigo e popular fosse se disseminando pelo território brasileiro, principalmente no mundo rural, tornando-se os maiores agentes do catolicismo barroco, com identidades pagãs, politeístas, superstições e feitiços de todos os tipos que atraíam os escravos e índios facilitando a constelação de identidades formadora do catolicismo popular brasileiro.

Na mesma linha, Riolando Azzi defende que “a religião implantada pelo governo português é muito mais próxima do catolicismo tradicional do que do catolicismo renovado”.203 Assim, o catolicismo popular saiu de dentro do contexto do catolicismo tradicional, isto é, luso-brasileiro; leigo; medieval; social e familiar. Para o autor, o catolicismo popular se introduziu no Brasil como herança de Portugal. Suas devoções foram trazidas da terra-pátria, como as devoções aos santos, às procissões e romarias aos lugares sagrados. Já o catolicismo leigo faz com que o monarca seja o chefe da Igreja em formação,

200

ZALUAR, Alba. Op. cit. p. 59.

201

Assim o denominou mais recentemente João José Reis. Cf. REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no século XIX. São Paulo: Companhia das Letras; 1991, p. 49.

202 ABREU, Martha. O Império do Divino (1999) p. 33.

203 AZZI, Riolando. “Elementos para uma história do catolicismo popular”. IN: Revista Eclesiástica Brasileira,

ou seja, o Altar unido ao Trono. Por outro lado, são os leigos quem constroem seus oratórios, capelinhas e santuários de beira de estrada para cultuar uma dada e venerada imagem de santo. Organizando-se em irmandades e confrarias para preservar e manter o culto. “Pode-se mesmo dizer que dentro da mentalidade tradicional o catolicismo é uma religião do povo, não do clero”.204

François Isambert discute os conceitos de festa e religião popular no contexto europeu. Faz oposição a Roger Caillois, que defendia o declínio das festividades religiosas tradicionais com o advento da sociedade industrial. Partindo de Caillois, Isambert se inspirou em Durkheim para ver na festa o momento do sujeito se libertar das amarras e das aptidões comprimidas pe las regras da sociedade. Uma transgressão à norma e as regras do sagrado que são impostos à sua vida cotidiana. Nesse período, há uma união entre mito e rito onde o caos da celebração é o símbolo do caos primitivo205. No entanto, Roger Caillois defendeu a festa como sendo um restabelecimento da ordem social.206 Daí o conceito de Jean Duvignaud, de que a festa é uma subversão criadora.207

O medievalista francês Jacques Heerz defende que, a festa religiosa como sendo “o reflexo duma sociedade e de intenções políticas”.208 Desse modo, tanto Igreja quanto Estado no Brasil foram culturalmente medievais. A defesa política da colônia, unida à idéia de guerra santa contra corsários franceses e protestantes holandeses, contra os próprios nativos indígenas e a resistência negra nos quilombos, nada mais era do que um espírito medieval de cruzada.209 Já o historiador francês Michel Vovelle considerou a festa como um importante campo de

204

AZZI, Riolando. “Elementos para uma história do catolicismo popular” (1976), p. 98.

205

Cf. ISAMBERT, François. Le sens du Sacré fête et religion populaire. Paris: Ed. De Minuit, 1982.

206

CAILLOIS, Roger. O homem e o sagrado. Lisboa: Ed. 70, 1988.

207 DUVIGNAUD, Jean. Festas e civilizações. Fortaleza: Tempo Brasileiro/UFCE, 1983. 208 HEERZ, Jacques. Festas d e loucos e carnavais. Lisboa: Dom Quixote; 1987, p. 11-7.

209 Cf. HOORNAERTE, Eduardo. “Formação do catolicismo guerreiro”. IN: Revista Eclesiástica Brasileira , vol.

observação, pois é o momento em que uma comunidade por meio de um símbolo projeta sua representação do universo. A festa é uma estrutura formal que persiste no tempo devido à resistência das mentalidades.210 Contudo, é na festa que a sociedade se realiza plenamente, pois está além da vida cotidiana. 211

Os rituais e a festa em torno do Bom Jesus foram trabalhados por Carlos Alberto Steil, a partir de suas observações no santuário do Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Para ele, os rituais em torno do santo se apresentaram de diferentes formas, preenchendo um mundo diversificado de práticas e símbolos que se compunham tanto do centro oficial, quanto da margem leiga das irmandades. No entanto, Steil não trabalhou com a polarização de dois campos diferentes e opostos. O campo religioso se apresentou complexo e dialético, rituais que se sobrepunham, que se articulam e com sentidos atribuídos por cada grupo. 212Na festividade em torno do Senhor Bom Jesus da Cana Verde ocorreu constelações contraditórias de representações e práticas, de sentimentos e atitudes, e de valores organizados em torno da memória individual, coletiva, objetiva e subjetiva. As comemorações, recordações, histórias e festas em torno do Bom Jesus foram sendo criadas logo após o conflito que ocorreu lá nos Murzilhos. Foram feitas ações para nutrir e valorizar a memória coletiva do povo do Norte Pioneiro. Assim, com um caráter coletivo de identificação religiosa, os especialistas do sagrado criaram uma memória onde se misturaram sentimento e consciência de classe. A memória histórica acerca da festa do Bom Jesus permitiu ao sujeito religioso reorganizar a sua vida cotidiana à luz de um passado criado, recriado e inventado na forma de tradição. Por isso, a festa em torno do santo tinha um sentido de resistência e transformação.

210 VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense; 1987, p. 247. 211 Idem Ibidem, p. 547.

212 STEIL, Carlos Alberto. O sertão das romarias. Um estudo antropológico sobre o santuário do Senhor Bom

No documentário apresentado por Frei Gabrielângelo Caramore em 1967, o vigário demonstrou que as celebrações, festas e romarias em torno do Senhor Bom Jesus da Cana Verde recebiam turistas e romeiros durante a primeira semana do mês de agosto. O município de Siqueira Campos vinha realizando a festa anualmente no dia seis de agosto desde o ano de 1934. No início a festa contava com a população local e do Norte Pioneiro, sendo organizada por um pequeno grupo de voluntários, nas dependências da Igreja-Matriz de Siqueira Campos.213 Para Caramore, o povo já estava acostumado e sempre organizava para os inumeráveis romeiros alguma coisa. A cidade enfeitava-se de faixas, bandeirinhas e flores. O pessoal preparava tudo alegremente. As novenas aconteciam em todas as repartições da cidade, agregando comerciantes, industriais, motoristas, delegacias, irmandades, escolares, vereadores e prefeito com um entusiasmo contagiante.214

Segundo relatos do vigário no documentário citado, no dia 6 de agosto os carros dos romeiros chegavam de toda a redondeza: de São Paulo, sul de Minas e Norte Pioneiro do Paraná. Mesmo sendo os primeiros dias do mês de agosto bastante frios, os romeiros e fiéis do Bom Jesus da Cana Verde não reparavam o inverno e a distância. Todos os anos vinham os romeiros de ônibus, caminhões, cavalos, carroças, charretes e grupos de peregrinos que caminhavam de 20 a 30 km em cumprimento da promessa.215 A emissora de Rádio Bom Jesus216 cobria as festividades com os jornalistas dando diariamente notícias aos familiares dos devotos do santo. As pessoas se uniam na Praça da Igreja-Matriz de Siqueira Campos e se

213 Documentário apresentado por Frei Gabrielângelo Caramore, Siqueira Campos, 1967. 214 Idem Ibidem.

215 Idem. 216

preparavam para o ato litúrgico solene de ação de graças. É um momento de fé e devoção apresentado pelos romeiros.217

Com cenas curiosas, tais como: pessoas que carregavam cruzes pela estrada em direção do espaço sagrado em torno do Bom Jesus, senho ras subindo as escadas da Igreja de joelhos, crianças vestidas de anjo, enquanto o vigário executava gestos solenes. Ao analisar a romaria ao santuário do Senhor Bom Jesus de Pirapora, Rubem César Fernandes observou que na ausência do senso crítico, sociedade alguma funcionaria. Segundo o autor, “sem as crenças não teria por que funcionar. O conjunto de crenças varia de uma sociedade para outra, mas esta dualidade parece pertencer ao fato social, não sendo privilégio das classes educadas pela universidade”.218

O vigário frei Gabrielângelo Caramore acolhia os romeiros apelando para as graças distribuídas pelo Bom Jesus da Cana Verde. “Bem vis quantas graças!” 219 dizia o vigário em seu documentário de 1967. Segundo Gabrielângelo, os devotos vinham cumprir as promessas feitas ao santo milagreiro, “alguns se arrastam de joelhos, outros carregam a mortalha, depositam muletas aos pés da venerada imagem, assim como inúmeras fotografias deixadas aos pés da imagem como sinal de muita esperança e agradecimento”.220 E continuava em seu documentário dizendo que o Bom Jesus da Cana Verde distribui graças nesse lugar. Para Caramore, “o Bom Jesus olha carinhosamente com fé e humildade para os seus fiéis. E se Ele era tão misericordioso quando caminhava pela Palestina, por que não será bondoso agora com os seus devotos que vêm de longe vê- lo em sua humilde imagem?” 221

217

Idem Ibidem.

218 FERNANDES, Rubem César. Os cavaleiros do Bom Jesus. São Paulo: Brasiliense; 1982, p. 89. 219 Documentário (1967).

220 Idem Ibidem. 221

Durante a festa de 1967, frei Gabrielângelo dizia que a bendita imagem do santo era levada até o povo como sinal de benção. E todos aqueles que a olham sentem o se u coração possuído de sentimento e dor, vendo o Mestre Divino humilhado. Na verdade a imagem representa um Jesus coroado de espinhos, com seu rosto machucado, esquartejado, ensangüentado, com um manto escarlate nos ombros e um caniço nas mãos amarrados, como foi apresentado ao povo por Pôncio Pilatos. Encerrada a missa, continuava a festa no exterior da Igreja e a tarde ocorrendo uma grandiosa procissão. 222 A romaria e a festa em torno do Bom Jesus tinha um sentido: demonstrar e reforçar a pluralidade do campo religioso no espaço e no tempo. Concomitante a isso está a universalidade altamente criativa pela faculdade de incorporar símbolos. Para os gregos, o símbolo é uma palavra que significa lembranças e recordações em pedaços. Quando uma pessoa recebe visitas em seu lar, o anfitrião concede a “tessera hospitalis”, isto é, quebra-se um pedaço de objeto ao meio, fica com uma metade e a outra concede ao seu hóspede. O objetivo desse ritual é que após anos seu sucessor, quando vier à sua casa novamente, ambos se reconheçam pela coincidência dos dois pedaços desse objeto no todo. É um símbolo que serve para identificação de outro conhecido223. Destarte, o Bom Jesus tornou-se um símbolo que mobilizou as pessoas e os grupos de origens sócio- econômicas, culturais e religiosas diversas. Para Carlos Alberto Steil, a romaria e a festa colocam os romeiros em contato com a “teia de símbolos e de sentido que sustenta a cultura em que estão imersos. A relação entre ritual e cultura está no centro da compreensão do próprio sentido do culto nos santuários de peregrinação”.224

222 Idem.

223 Cf. GODAMER, Hans-Georg. A atualidade do belo; a arte como jogo símbolo e festa. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro; 1985, p. 50.

224

Desse modo, desde a propagação inicial dos milagres do Bom Jesus pelos fervorosos fiéis, desde a época de sua capela situada lá nos Murzilhos, os turistas, romeiros e devotos do santo vêm vê-lo em romarias. A presença é marcada anualmente nos dias 1 a 6 de agosto. Com

No documento Download/Open (páginas 101-115)