• Nenhum resultado encontrado

TIPOLOGIAS DO CATOLICISMO OFICIAL-URBANO E DO

No documento Download/Open (páginas 77-82)

CAPÍTULO 2 – O NORTE PIONEIRO PARA ALÉM DO ESPAÇO

2.2. TIPOLOGIAS DO CATOLICISMO OFICIAL-URBANO E DO

As tipologias sobre catolicismo popular e catolicismo oficial são de extrema riqueza e de grande complexidade. Pois, os “catolicismos” no Brasil comportam as mais diversas

124

variações tipológicas, e isso nos permite um amplo espectro de questionamentos acerca do assunto. A tipologia do catolicismo apresentada por Nicolau Bakker traz à tona o conceito da palavra piedade.125 Em síntese quer dizer amor e respeito ao sagrado. Segundo Bakker, o catolicismo é uma religião de salvação do espírito por meio da adoração ao Criador, ao Deus infinito, mediante um verdadeiro estado de contemplação. Para que esse objetivo possa ser alcançado, há de se ressaltar as energias pela fé e evitar aquilo que não pertence ao sagrado. Dessa forma, os sacramentos materializam Deus dispensando o uso de imagens de santos. A finalidade está em atingir Deus por meio da Santa Missa celebrada na Igreja oficial. Desse modo, é somente pelos ritos litúrgicos intermediados pelo sacerdote que detém o poder simbólico que se pode chegar ao Corpo Místico de Cristo. Esse catolicismo oficial, como defende Bakker, está indiretamente relacionado com Deus, pois, aqui prevalece uma consciência histórica de cunho positivo, comunitário, evangélico e racional. Seguindo esse pensamento, era preciso conscientizar o sujeito religioso de sua verdadeira história, um compromisso do ser humano com Deus, com a sociedade e o mundo que o cerca.

No espaço simbólico pertencente à Diocese de Jacarezinho, o Bispo Dom Fernando Taddei, junto com os vigários das paróquias locais, “conscientizou” a convivência grupal “harmônica” de uma sociedade imaginária. Esse trabalho religioso desenvolvido pelo clero estava concomitantemente ligado ao surgimento e desenvolvimento dos núcleos urbanos no Norte Pioneiro. Entretanto, o catolicismo popular-rural do sertão não pode ser compreendido pela raciona lização da Igreja Católica apresentada por Bakker. Conforme ficou demonstrado em “Os sertões ” de Euclides da Cunha, a tentativa de julgar a alma do sertanejo por meio da

125 Cf. BAKKER, Nicolau. Romarias: questionamento a partir de uma pesquisa, Revista Eclesiástica Brasileira,

v. 34, fasc. 135, setembro de 1974. Sobre o conceito da palavra piedade ver BONINO, José Miguez. A piedade popular na América Latina. Concilium, Revistas internacional de teologia, 1974/6, nº. X; Ver também FRENTZ, Emerico Raitz Von. Piedade objetiva e subje tiva. Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 4, fasc. 2, junho de 1944.

razão iluminista fez com que o catolicismo oficial fosse porta voz dos excluídos. Ocultou a voz e vigiou a história e a tradição de um povo que foi preciso silenciar. 126

Os elementos do catolicismo urbano, identificados por Pedro Assis Ribeiro de Oliveira, nos dizem que os sacramentos da Igreja oficial operam relações com o que há de sagrado, e tem como exigência a subordinação do sujeito religioso à Instituição. Chega-se dessa forma a uma figura sacramental. Defende o autor que a Bíblia é o ponto de equilíbrio na doutrina católica, uma forma de reflexão. A mentalidade do católico também é norteada pelas Sagradas Escrituras. Essa ligação entre o sujeito religioso e a Bíblia se deu, no caso brasileiro, por meio de representações, principalmente no período colonial e na época do império. Concretizava-se desse modo, entre o sujeito religioso e o Evangelho um relacionamento de cunho cultural, alegre, nos reisados e congadas, e na apresentação do presépio . 127 A devoção luso-brasileira às imagens de santos é tipicamente caracterizada pela não interferência do homem com o sagrado, é uma devoção antropocêntrica, piedosa e subjetiva. Desse modo, não há intervenção da Igreja, e nem do sacerdote para que ocorra a ligação entre o devoto e o sagrado. A realização desse contato com o sobrenatural se dá de forma individual por meio das novenas, penitências e promessas ao santo para evitar um castigo maior.

A aliança com o Bom Jesus tem um objetivo, trazer benefícios materiais por meio do sobrenatural.128 Podemos dizer que na dificuldade da vida do sertanejo, caboclo, caipira, desbravador e pioneiro a relação entre sujeito religioso e santo se deu diretamente sob a visão de proteção, isto é, a realização de milagres para que o devoto pudesse alcançar vantagens

126

CUNHA, Euclides da. Os sertões: campanha de Canudos. São Paulo: Ática; 2001.

127

OLIVEIRA, Pedro Assis Ribeiro de. Religiosidade popular na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 32, fasc. 126, junho de 1972. Ver também HAUCK, João Fagundes. et ali. História da Igreja no Brasil. 3. Ed. Tomo II/2, Petrópolis: Vozes, 1992, p. 106.

128 “Quando a religiosidade paira a nível mais elevado, imune a superstição e ao materialismo agreste, estanca na

materiais. Para Pedro Assis Ribeiro de Oliveira, o “catolicismo popular é aquele em que a constelação devocional e protetora prima sobre a constelação sacramental e evangélica”. 129 Para Gilberto Freyre, o catolicismo é uma “religião ou culto de família mais do que de catedral ou de Igreja”.130 Pode-se verificar na devoção religiosa popular, tanto rural quanto urbana, a ausência cristocêntrica, pois o que prevalece é o culto ao santo. Como observou Paulo Günter Suss: “A sua legitimidade no catolicismo global permite conservar a unidade do catolicismo, enquanto a vida própria das constelações contribui para a multiplicidade das formas de catolicismo popular”. 131

No entanto, Cândido Procópio Ferreira percebeu que o catolicismo popular passa a ser julgado e condenado a partir de um modelo cultural burguês, facilitando a harmonia entre Igreja e Estado e, consequentemente, afastando as camadas populares. Para esse autor, a Igreja Católica passou a adotar “modos de pensar, modelos intelectuais [...] que são os da burguesia dominante e que tende a rejeitar todo o ‘maravilhoso’ [...] a recusar toda a ação carismática, a olhar com receio as manifestações de misticismo ”.132 Dessa forma, o “Brasil era católico de nome, mas não igualmente de fato”.133 No Patrimônio dos Murzilhos ocorreu uma negação das práticas intermediárias. O amor, o respeito e o carinho em torno do antropocentrismo subjetivo, relacionado à imagem do Bom Jesus, ficaram demarcados por meio da cisão com o

129

OLIVEIRA, Pedro Assis Ribeiro de. Religiosidade popular na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 32, fasc. 126, junho de 1972, p. 354.

130

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala . Rio de Janeiro: Record; 1990, p. 22.

131 SÜSS, Günter Paulo. Catolicismo popular no Brasil: tipologia e estratégia de uma religiosidade vivida. São

Paulo: Loyola; 1979, p. 78.

132

CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de. Aspectos sociológicos del espiritismo em São Paulo: Friburgo/Bogotá: Feres; 1961, p. 37; Ver do mesmo autor: Essai de typologie du catholicisme brésilien . Louvain: Social Campass: 1967, págs. 399-422. Onde o autor propõe uma tipologia do catolicismo no Brasil, separando rural-urbano e, neste, o internalizando. A parte descritiva do rural e do urbano-internalizado são os pontos altos do trabalho; V. Católicos, protestantes, espíritas. Petrópolis: Vozes; 1973, em especial as partes I e II onde o autor faz uma síntese dos trabalhos feitos sobre o tema catolicismo no Brasil, abordando, sem aprofundar, os principais tópicos.

133

Deus infinito. Essa transgressão simbólica se deu quando o devoto passou a venerar a imagem do santo, como o menino Jesus, o Bom Jesus. 134 Assim, a sua penitência religiosa exigida para a obtenção da salvação eterna só poderia ser alcançada com a conduta da sua vida religiosa, pois a ascendência para o sobrenatural não permitiu qualquer tipo de mácula de um mundo “desencantado” 135, “sujo” e “mundano”.

Desse modo, a religiosidade no Norte Pioneiro estava além do espaço geográfico, pois, o sertão, como compreendeu João Guimarães Rosa, é sem lugar. Portanto, o sertão estava em todo lugar e ao mesmo tempo como a alma das pessoas. O sertão estava na origem do culto ao Bom Jesus e também inserido dentro da narrativa universal do Testamento. Porém, nem todos os romeiros são do sertão, como diria o autor de Grande sertão: veredas, “o sertão é dentro da gente. E, embora se realize no espaço exterior, a peregrinação é sempre uma busca do sertão que está dentro de cada um”.136 Nesse viés, torna-se imprescindível a compreensão e delimitação do catolicismo popular no espaço e no tempo.

134

Como sujeito histórico, o Bom Jesus assume um papel de Homem em sua flagelação. “Já o culto de latria da religião portuguesa adotará menos a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas aquela gente sofrida se dedicará especialmente à lembrança das suas doenças, através das seguintes invoc ações mais encontradiças: o Senhor Bom Jesus dos Passos, o Senhor Morto, a Santa Cruz, o Senhor do Horto, o Senhor do sepulcro, o Senhor Bom Jesus de Matosinhos, o Senhor Bom Jesus (na flagelação), o Senhor da Agonia. [...] Mais pelo Homem – Deus do que pelo Deus – Homem, com certeza mais acessível aos pobres mortais; a Eucaristia [...] será muito mais entendida e sentida pelos préstitos monumentais de Corpus-Christi do que pelo ensinamento dogmático, hermético no mistério”. CARRATO, José Ferreira. Igreja, iluminismo e escolas mineiras coloniais. São Paulo: Companhia Editora Nacional Universidade de São Paulo; 1968, p. 32.

135

“desencantamento em sentido estrito se refere ao mundo da magia e quer dizer literalmente: tirar o feitiço, desfazer um sortilégio, es capar de praga rogada, derrubar um tabu, em suma, quebrar o encantamento”. PIERUCCI, Antônio Flávio. O desencantamento do mundo . Todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34; 2003, p. 7.

136 STEIL, Carlos Alberto. O sertão das romarias. Um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da

No documento Download/Open (páginas 77-82)