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CENA 3: O despejo e a reocupação: o que sobra são apenas memórias

Capítulo 4: Germinando os brotos: cenas de um lugar comum

4.3 CENA 3: O despejo e a reocupação: o que sobra são apenas memórias

concedendo ao município a posse da área do acampamento Elizabeth Teixeira.

Utilizando a força armada da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a prefeitura comandou o despejo56 das famílias ocupantes na área do Horto Florestal Tatu. À

comunidade, restaram apenas traumas e memórias57 de um dia de horror.

56 A ação violenta sofrida pelo acampamento Elizabeth Teixeira, em 2007, é comparada, a todo o momento pela comunidade, com a ação de despejo realizada também com força polícial na cidade de São José dos Campos – acampamento Pinheirinho, ligado ao Movimento Sem Teto. A história do acampamento Pinheirinho pode ser conhecida através da dissertação de mestrado de Inácio de Carvalho Dias de Andrade (citado na bibliografia desta dissertação) e em artigos divulgados em mídias nacionais e internacionais:<http://desinformemonos.org/2012/02/22479/>;

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<http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/cotidiano/1092-a-tendencia-e-o-crescimento-de-

movimentos-como-o-do-pinheirinho-diz-antropologo>,< http://www.brasildefato.com.br/node/8718>

57 Além das memórias trazidas nas mônadas desta dissertação, outras histórias são contadas no Curta:

Elizabete Teixeira – Limeira – SP, <http://www.youtube.com/watch?v=_bkf0d7GpO0> (último acesso em 15/05/2014), produção: Carlos, Yan Carioca e Guilherme Piá. As fotos apresentadas nesta seção pertencem ao arquivo do Sindicato dos Metalúrgicos de Limeira, que nos cedeu cópias desse material.

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Imagem 6: Cenas reais de policiais organizando o despejo do acampamento Elizabeth Teixeira.

Mônada 7: Os três minutos mais eternos

O despejo foi horrível! Mesmo após todo aquele horror, nós resistimos e permanecemos aqui! Eram muitas pessoas, muitas crianças passando mal! Aquele menininho pequenininho, que estava hoje lá em casa, havia acabado de nascer. Tinha apenas uma semana! A polícia não queria liberar que a ambulância entrasse para resgatá- lo, mas forçamos a barreira, e ele foi para o hospital. Precisou ficar no oxigênio e quase morreu! A polícia entrava com as máquinas e derrubava tudo! Eu mesma só consegui tirar os documentos de dentro do barraco. As outras coisas como: roupa, calçados, móveis... O trator passou em cima! O trator passava, e eu gritava: “Moço, pelo amor de Deus, deixa eu tirar minhas coisas?!” Dava para ver as lágrimas saindo da face dele. Mas ele falava: “Dona, eu não posso fazer nada! Eu trabalho para a prefeitura e foram eles quem me mandaram fazer isso!”. Atrás, vinham os policiais gritando: “Vai, vai... eu estou mandando... vai, vai... vou dar três minutos para vocês derrubarem isso!”. Foram os três minutos mais eternos para mim! Eles chegavam assim: metiam a máquina e tudo ia embora. Este lugar em que estamos era cheio de barracos. O barracão estava cheinho de compras e de cestas básicas que o INCRA e os apoiadores tinham enviado. Porém, a máquina vinha assim: embolando tudo! Abriram um buracão neste lugar de terra vermelha. Um buracão enorme onde a máquina jogava tudo dentro. Era fogão, botijão, panela, colchão, caderno... tinha de tudo! A máquina empurrava e jogava lá dentro! Depois, vinha o Corpo de Bombeiros: jogava gasolina, riscava o fósforo e metia fogo. Isso

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foi o fim do mundo para mim; eu queria ir embora de todo jeito. Meu corpo ficou cheio de feridas de bomba, do gás de pimenta. Eles jogavam o gás na gente, e não dava pra respirar! Eu corria sem saber para onde. Fui parar lá embaixo, lá na mina! O Ernesto foi correndo atrás de mim. Eu só via crianças passando mal! (Roseli)

Imagem 7: Imagens reais do despejo ocorrido em novembro de 2007 no acampamento Elizabeth Teixeira (fotografias cedidas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Limeira)

Com o despejo, as famílias não tinham mais abrigo e nem alimentos. Contando com o apoio de algumas igrejas locais, elas foram encaminhadas para um salão paroquial em um

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bairro próximo. Desde o início da ocupação, alguns líderes comunitários e religiosos acompanhavam a comunidade prestando assistência.

Durante 13 dias, as famílias ficaram abrigadas no salão paroquial e com ajuda de apoiadores e do MST, esse número aumentou, e a área do acampamento Elizabeth Teixeira foi reocupada, em 11 de dezembro de 2007. Pelo menos, 150 famílias resistiram e reocuparam a área.

A reocupação contou com o apoio das igrejas que prestaram assistência à comunidade, dos integrantes do Coletivo Universidade Popular (U.P) — que conheceram o acampamento nessa época — e das famílias do núcleo Che Guevara - Grande São Paulo — que foram agregadas à regional do MST - Campinas.

Mônada 8: Eu ficava desesperada, mas voltei!

O despejo foi o fim do mundo para mim! Eu não queria mais ficar aqui dentro! Fui passar um tempo na casa da minha cunhada, em Campinas. Fiquei em um cômodo que ela tem. Eu não queria voltar de jeito nenhum! Passado uns dias, a Lúcia, que mora aqui, foi até lá conversar comigo. Ela me explicou que as coisas seriam diferentes e que cada um teria seu barraquinho, seu lote e que agora tudo ficaria mais calmo. Fui pensando e me acostumando com a ideia de novo. Os meus filhos, a minha mãe, todos os meus parentes me ligavam desesperados. Eles viram o despejo na televisão e minha mãe falava: “Roseli, pelo amor de Deus, vai embora desse lugar, você vai morrer sem ver seus filhos!” Eu ficava desesperada, mas voltei! Foi então que nós ocupamos de novo. A polícia veio, começou a rodear, mas não tinham aval da justiça para nos tirar. Desde então, quando eu percebo que alguma coisa está dando errado e que pode ter despejo de novo, me dá um desespero tão grande que eu já choro. Fico pensando se vai acontecer com a gente tudo de novo. É muito sofrimento! (Roseli)