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Capítulo 4: Germinando os brotos: cenas de um lugar comum

4.1 CENA 1: O lugar ocupado

Em 30 de abril54 de 2007, um grupo de cerca de Movimento dos Trabalhadores

Rurais sem Terra – MST de 195 famílias, contabilizadas pelo INCRA55 ocuparam um

54 O calendário do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - O MST – tem como mês de

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pedaço da área conhecida como Horto Florestal Tatu, na cidade de Limeira, instalando lá o acampamento Elizabeth Teixeira. Desde então, travou-se um intenso conflito político- judicial.

Nesse mesmo ano da ocupação, a Presidência da República declara a “Lei 11.483/07 de Janeiro de 2007, que extingue a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), representando uma importante brecha para a atuação das organizações populares ligadas às questões urbanas e agrárias” (TAUFIC, 2013, p.102), destinando todas as áreas da massa falida à União, para projetos de habitação social. Entre os imóveis listados pela União, encontra-se o Horto Florestal Tatu em Limeira.

Porém, o que não era esperado pelos militantes do MST era que, no ano de 2005, antes da extinção da RFFSA, a prefeitura de Limeira firmasse um contrato de compra e venda com a inventariança da RFFSA, declarando o interesse de compra da área total do Horto. Nenhuma quantia em dinheiro foi paga pela prefeitura à RFFSA — apenas papéis foram assinados, e o negócio nunca foi concluído. Enquanto o negócio não era concretizado, a documentação firmada garantia a posse do imóvel à prefeitura de Limeira.

O interesse pela área total do Horto por parte da prefeitura de Limeira se dava em função do novo plano diretor da cidade, que estava em processo de elaboração em 2007, sendo concluído em 2009. No projeto original do plano diretor da cidade, a área do Horto está destinada, principalmente, para a expansão industrial do município. Essa expansão é estratégica do ponto de vista político e econômico da cidade, uma vez que a linha de trem passa aos fundos e a rodovia Anhanguera à frente — o que facilitaria o escoamento de produtos advindos das indústrias que viessem a se instalar na área do Horto.

Dentro do projeto do plano diretor (Imagem 3) também consta a ampliação do aterro sanitário de Limeira. Vale ressaltar que o termo “aterro sanitário” não deveria ser manifestações marcam a data do Massacre de Eldorado dos Carajás, que aconteceu em 17 de abril de 1996, na cidade de mesmo nome, no Pará, quando 21 trabalhadores rurais foram assassinados. Até hoje não houve punição aos responsáveis e o MST espera a ação da Justiça. O Abril Vermelho do MST cobra também a Reforma Agrária, que atualmente está paralisada, e a elaboração, por parte do governo federal, de um plano de emergência que dê conta de assentar até o fim do ano as 150 mil famílias que hoje estão acampadas. (as

aspas são minhas e representam uma ironia à palavra comemoração, uma vez que não há como considerar uma comemoração algo marcado por massacres) – Matéria eletrônica da revista Caros Amigos de 17 de abril de 2013 – http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/politica/3193-mst-da-inicio-ao-abril-vermelho-e- comeca-sua-jornada-de-mobilizacoes-com-ocupacoes-e-atos-2 - último acesso em 19/09/2013.

55 Esse número de 195 famílias foi contabilizado pelo INCRA e retirado dos dados do texto de Taufic, (2013).

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empregado para o “lixão” que existe hoje na área, onde podem ser encontradas diversas espécies de animais atraídas pelo forte odor, pelo escorrimento de chorume nas áreas vizinhas e pelo uso de técnicas ilegais para diminuição do volume de lixo no local. Nessa imagem pode-se conhecer a ocupação atual da área do Horto — descrita na imagem como “área usada” — e o planeamento – descrito na imagem como “área destinada” – do novo plano diretor de Limeira. A região da imagem considerada como área 7 corresponde a praticamente todo o acampamento Elizabeth Teixeira — com 602 hectares — que, no plano diretor, corresponderia ao Distrito Industrial de Limeira.

Imagem 3: Horto Florestal Tatu: Fonte: Prefeitura Municipal de Limeira, Secretaria de Planejamento e Urbanismo apud Taufic, 2013.

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A União ajuíza ação contra a prefeitura de Limeira por instalação irregular de equipamentos públicos no imóvel, e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão cede ao INCRA a área do Horto, já ocupada pelas famílias, para realização de assentamento da reforma agrária. Com essa decisão judicial, o INCRA divide a área em lotes de 1 hectare por família. Porém, a prefeitura de Limeira recorre da decisão, e “ações judiciais seguem sem solução aparente” (TAUFIC, 2013, p.104).

Ainda hoje, a ocupação não está regularizada como um assentamento, pois a questão legal da terra não foi definida; também não pode ser considerada um pré- assentamento, pois, para ser reconhecida como um pré-assentamento, essa ocupação deveria estar em processo de assentamento, ou seja, deveria estar sendo assistida pelo INCRA e recebendo os mínimos benefícios dos programas da reforma agrária, que são um direito desse povo. Logo, resta à ocupação, após sete anos de resistência, ainda o título de

acampamento.

Hoje, 2014, a situação já se encontra um pouco diferente. Após novas eleições, a nova gestão da prefeitura, que, em campanha política, prometeu a regularização do acampamento, já emitiu um parecer favorável à implantação do Assentamento Elizabeth Teixeira e retirou o processo de interesse industrial pela área. O INCRA voltou a frequentar o acampamento, cadastrando novamente as famílias e redistribuindo os lotes com uma nova metragem — 2 hectares por família. Em meio a tensões de todos os lados, o processo, lentamente, está caminhando. As cenas dos próximos capítulos não caberão mais nessa nossa colcha de retalhos. A imagem 4, traz a dimensão da área do acampamento Elizabeth Teixeira e seus limites.

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Figura 4: Imagem aérea do acampamento Elizabeth Teixeira em 2008 – arquivo pessoal da personagem Dandara, que lhe foi cedida pelo Sindicato dos Metalúrgicos (grifos meus na imagem).

Legenda 1: Grifos

Pode-se observar os limites do acampamento, a linha ferroviária à esquerda e a rodovia Anhanguera à direita. Isso explica parte das questões estratégicas devido às quais a prefeitura de Limeira não abria mão dessa área como distrito industrial. Com um círculo amarelo, identificamos também as duas unidades da Fundação Casa, construídas no ano de 2013. Aqui, não conseguimos mostrar, mas o lixão também faz fronteira com o acampamento — estão separados apenas pela linha do trem. Dos dois lados do acampamento, os canaviais também são vizinhos próximos dos acampados. A distância do

 Grifo roxo: linha ferroviária

 Grifo vermelho: limites do acampamento com a monocultura de cana de açúcar

 Grifo azul: rodovia Anhanguera

 Grifo amarelo: duas unidades da Fundação Casa construídas no ano de 2013.

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acampamento Elizabeth Teixeira até o centro urbano de Limeira é de, mais ou menos, 13 km, pela rodovia Anhanguera. O bairro do Tatu se encontra mais perto — cerca de 9 km — , porém, a rota não é nada fácil de ser percorrida: seguindo de carro pelos canaviais, o motorista provavelmente será surpreendido por grandes buracos na pista e terá muita dificuldade para seguir o caminho; a pé, a rota é comum para os moradores do acampamento que se arriscam caminhando pela linha do trem; o detalhe neste caso é que há trechos de ponte sobre o rio Tatu, não havendo espaço por onde o pedestre seguir. Por isso, toda a rota deve ser bem calculada para que não haja a surpresa de cruzar com o trem.

4.2 CENA 2: Ser e se tornar Sem Terra: a ocupação do acampamento