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Práticas de Educação Popular no Acampamento Elizabeth Teixeira: O Coletivo Universidade

Capítulo 1: Arando os campos da pesquisa

1.3 Práticas de Educação Popular no Acampamento Elizabeth Teixeira: O Coletivo Universidade

Nesta seção, gostaríamos de dar ênfase às ações educativas desenvolvidas no Acampamento Elizabeth Teixeira, por compreender o contexto do nosso trabalho de campo.

Para isso, será necessário analisarmos um pouco o cenário histórico das práticas pedagógicas realizadas no acampamento e como, onde e por que elas surgiram.

Em meio à greve na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no ano de 2007, um grupo de cerca de vinte pessoas, entre elas, estudantes de graduação, de pós- graduação e funcionários, sentiu a necessidade de extravasar os limites do movimento estudantil, que tem sua base de luta centrada, estritamente, na Educação pública e pouco se atém aos reais problemas sociais e a questionamentos. A quem é destinada a universidade pública?

Entre assembleias mobilizadas pela greve e em outros espaços além dos mobilizados pela greve, essas novas discussões tomavam a cena, e a ideia de um trabalho coletivo, autogestionário, que ultrapassasse os muros da universidade se tornava a cada dia mais necessário. Foi nesse contexto que o grupo resolveu fundar o Coletivo Universidade

42 O histórico do coletivo Universidade Popular, na íntegra, assim como maiores detalhes das frentes de

trabalhos e ações estarão no livro que o coletivo publicará em breve. A publicação já está na gráfica, aguardando liberação. Título da obra: “Na autonomia do povo, o poder popular: experiências com Educação popular no acampamento Elizabeth Teixeira”.

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Popular (U.P), mesmo tendo essa fundação ocorrido — e ainda permaneça — fora dos padrões burocráticos de fundação, tornando-se, assim, um trabalho informal.

Os membros do coletivo seguiram em busca de uma construção de identidade coletiva por meio de estudos conjuntos, descobrindo, desse modo, os caminhos e o sentido da Educação Popular, da autogestão e da autonomia.

Porém, era preciso ir além dos livros e começar a agir. Os caminhos encontrados para articulação de diálogos foram conversas com movimentos sociais, participação em atividades mobilizadas por ações populares que seguiam além dos muros da Unicamp. Foram descobrindo o sentido da palavra luta.

Muitos erros foram cometidos devido à imaturidade do grupo e à vontade de fazer algo rápido. Porém, aprendendo com os erros, e ainda com a vontade de fazer algo, eles se apoiaram mais fortemente na Educação Popular, entendendo que cada comunidade, cada grupo e cada indivíduo tem seu tempo e seu espaço.

Foi nesses caminhos que, em 11 de dezembro de 2007, o coletivo conheceu o então Acampamento Elizabeth Teixeira na cidade de Limeira – SP, onde cerca de 250 famílias haviam sofrido um violento despejo no mês anterior. Em meio à reorganização de um novo ato de reocupação da área, os integrantes do U.P se articularam e participaram desse grande ato. No mesmo dia, participaram de uma reunião com as lideranças do MST dali e ofereceram ajuda para reconstruir a área, destruída durante a reintegração de posse. O local destruído não recusou a ajuda, tanto física quanto social.

Nesses momentos de integração com a comunidade, foi possível conhecer cada morador, conversar com eles sobre suas lutas cotidianas, histórias de vida e sonhos. Dentro desses tantos sonhos, um ecoava em diversas vozes e chamou muito a atenção do coletivo: aprender a ler e escrever.

O coletivo assumiu então esse compromisso, mesmo que de maneira informal e em espaços precários de trabalho; alfabetizar os acampados passou a ser uma tarefa dura e de sua responsabilidade.

Dessa forma, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) passou a acontecer num sistema de revezamento de casas e aos domingos de manhã, por sugestão dos próprios acampados. Os custos de viagens eram arcados pelos próprios membros do coletivo ou com arrecadação de dinheiro por meio de eventos culturais, vendas de produtos na universidade.

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Todas as possíveis formas que encontravam de adquirir recursos ajudavam a subsidiar as viagens (combustível e pedágio), os materiais de estudo e um lanche oferecido aos educandos e educandas antes do início da aula.

Atividades de Ciranda Infantil43 também foram retomadas com a ajuda do

coletivo U.P, pois anteriormente ao despejo, a ciranda já era realizada dentro do acampamento e, nesse caso, apenas retomaram-se as atividades com apoiadores.

Pelo fato de que todos contribuíam para facilitar os espaços da EJA, as atividades sempre foram desenvolvidas em espaços bastante improvisados e em horários definidos conjuntamente por educandos e educandas e educadores e educadoras. Nesse momento, o projeto EJA tornou-se mais robusto, conquistando recursos financeiros por meio de projetos de extensão comunitária, auferindo mais autonomia para todo o grupo, pois era possível conquistar mais um dia de aula na semana.

Essa autonomia foi se gestando no grupo44 e permitiu que um terceiro dia da

semana fosse então conquistado — com aulas de português, matemática e ciências naturais, trabalhadas de forma interdisciplinar. As aulas, hoje, acontecem em três dias da semana e em um espaço próprio da escola, construído coletivamente pela comunidade, pelo coletivo U.P e demais apoiadores, num sistema de mutirões. As aulas ocorrem no período da noite, e cada vez mais educandos e educandas se juntam aos Círculos de Cultura45 promovidos pelo

EJA.

43 “A Ciranda Infantil é o espaço da criança. Criança que brinca, conversa, se organiza, desenha, pinta, cuida

do irmãozinho mais novo, que ajuda os pais a plantar, a colher, a buscar água e um monte de outras coisas. Esse espaço pode ser qualquer lugar: embaixo do barracão, em uma lona estendida embaixo de uma árvore, em uma kombi, no barraco de alguém” (COLETIVO UNIVERSIDADE POPULAR, p. 54). As cirandas infantis são espaços pedagógicos das crianças e facilitadores dos espaços de aprendizado do adulto. A ciranda infantil é uma prática educativa muito comum do MST, pois permite que os e as militantes estejam liberados e liberadas da tarefa de cuidar de seus filhos e possam assumir funções dentro das demandas do movimento. (Caldart, 2010)

44 Com a palavra grupo, daqui para frente, refiro- me aos educadores do EJA, da Ciranda e aos educandos do

acampamento Elizabeth Teixeira. Todos eles juntos construíram a identidade grupo do EJA.

45 Círculo de Cultura é uma ideia que substitui a de turma de alunos ou a de sala de aula. Teve grande

aplicabilidade e ênfase, a partir de práticas de alfabetização de adultos, no exercício pedagógico de Paulo Freire iniciado na década de 60. Círculo, porque todos inseridos nesse processo educativo formam a figura geométrica do círculo, acompanhados por uma equipe de trabalho que ajuda a discussão de um tema da cultura, da sociedade. Na figura do círculo, todos se olham e se veem. Nesse círculo, não há um professor, mas um animador das discussões que, como um companheiro alfabetizado, participa de uma atividade comum em que todos se ensinam e aprendem. O animador coordena um grupo que ele mesmo não dirige. Em todo momento, promove um trabalho, orienta uma equipe cuja maior qualidade pedagógica é o permanente incentivo a momentos de diálogo. (MARINHO, 2009).

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Em relação aos recursos, atualmente, o coletivo U.P conta com recursos advindos de projetos de extensão comunitária, submetidos anualmente para a Pró-Reitoria de Extensão Comunitária da Unicamp (PREAC). Esses recursos são responsáveis pela viabilização das aulas de EJA, pelas atividades de Ciranda Infantil e atividades de Agroecologia no acampamento.

A metodologia de trabalho das três frentes do coletivo U.P46 tem como base a

Educação Popular fundamentada no método Paulo Freire. É importante os educadores e as educadoras conhecerem a comunidade, suas famílias, suas casas e participarem de ações coletivas como mutirões — faz parte dos processos de aprendizagem tanto dos educandos e educandas quanto dos educadores e educadoras.

Nessa proposta, o currículo pensado para as atividades das frentes de trabalho, com a base na Educação Popular e no pensamento vivo de Paulo Freire, nos parece convergir para a proposta de currículo narrativo, apresentada por Goodson (2007) e já discutida neste texto. Paulo Freire, em suas propostas de Educação Popular, não denomina o currículo com um nome específico como faz Goodson – prescritivo, narrativo etc - mas a ideia nos parece bastante compatível, mesmo que pensada em contextos e momentos históricos diferentes. Isso fica evidente em excertos como os que se seguem::

[...] um grande número de planejamentos curriculares fracassa, porque o aluno simplesmente não se sente atraído ou engajado. Dessa forma, ver a aprendizagem como algo ligado à história de vida é entender que ela está situada em um contexto, e que também tem história – tanto em termos de histórias de vida dos indivíduos e histórias e trajetórias das instituições que oferecem oportunidades formais de aprendizagem, como de histórias de comunidades e situações em que a aprendizagem informal se desenvolve. Em termos de espaços de transição, podemos ver a aprendizagem como uma resposta a transições eventuais, como doenças, desemprego e problemas domésticos, assim como, transições mais estruturadas, relacionadas a credenciamentos e aposentadorias. (GOODSON, 2007, p.10)

46 Ao longo da história do coletivo U.P, a demanda de trabalho foi aumentando, assim como suas

especificidades. Dessa forma, a divisão do grupo em frentes de trabalho (frente de EJA, frente de Ciranda Infantil e frente de Agroecologia) foi discutida e decidida como necessárias para viabilização dos trabalhos específicos, porém a autogestão do grupo como um todo sempre foi mantida.

55 E questiona Freire:

Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso? “Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada a ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.” (FREIRE, 2011a, p.32)

Em capítulos posteriores, faremos uma discussão mais aprofundada nas ações do Coletivo U.P, na questão do currículo narrativo e nas propostas de Educação Popular para uma Educação do Campo, no contexto do acampamento Elizabeth Teixeira e em contextos universais de Educação do Campo. As mônadas apresentadas, também mais à frente no texto, darão uma dimensão maior do contexto que estamos tratando, assim como das artes de fazer cotidianas e das táticas dos sujeitos praticantes do cotidiano do acampamento.

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Capítulo 2. Solo arado, solo fértil: as contribuições de Michel de