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3 TERAPIAS INTEGRATIVAS EM JACOBINA: RECEPTIVIDADE E

3.3 O CENTRO DE TERAPIAS HOLÍSTICAS

Ao se definir como terapeuta holística, Bernadete65, responsável por um Centro de Terapias Holísticas na cidade, se dedicou ao trabalho de reunião e popularização das terapias naturais. Em sua trajetória, defendeu, firmemente, a possibilidade de integração de múltiplos recursos terapêuticos. O entendimento do holismo fornecia subsídios, de acordo com Bernadete, para que o ser fosse “compreendido como uma totalidade”; “Assim, não há fragmentação”, reitera. “É um trabalho rumo à totalidade e não a um órgão isolado desta totalidade”, sublinha em referência à prática médica ordinária. Situando a sua narrativa a partir desta compreensão de totalidade e holismo que, como vimos, precedeu e contribuiu na construção de significados em torno do “integrativo”, Bernadete salientou que o trabalho do terapeuta holístico não precisa estar restrito a uma só modalidade de tratamento, pode explorar livremente todos os recursos existentes conquanto esteja comprometido com o ideal holístico de perceber o ser como uma totalidade integrada. O seu trabalho, como em outros casos, teve início em uma experiência pessoal, em que a cura de um problema de saúde significou um “mergulho intenso” no conhecimento das terapias alternativas.

A “inteireza e entendimento do cliente” durante o processo de seu tratamento é extremamente favorável à cura, ressalta: “Muitas pessoas que chegam

159 pra se tratar, vêm de uma experiência médica na qual estavam totalmente desinformados”. Então, uma compreensão mínima do que ocorre com seu corpo e de como o tratamento será conduzido é uma das chaves importantes para a adesão deste cliente ao tratamento, explica Bernadete.

Quando esta experiência do cliente avança, ganha uma intensidade e interesse maior na vida da pessoa que buscou o tratamento, o envolvimento com as terapias ultrapassa o drama pessoal e é neste ponto que, em alguns casos, se constrói uma trajetória profissional e/ou um processo de engajamento, participação e até proposição de atividades terapêuticas: “Este foi o meu caso”, conclui. Nossa interlocutora se referia a esta experiência como o seu “ponto de mutação”, um momento em que sua jornada pessoal a incitou a “trilhar o caminho de terapeuta”.

Conforme Bernadete, nos quadros mais graves66, casos em que não existia cura pelos métodos convencionais ou quando isto envolvia procedimentos muito dolorosos e arriscados (cirurgia e quimioterapia, por exemplo), a entrega do cliente ao tratamento natural “é total”. Relata:

A gente tem essa característica enquanto terapeuta, a gente já está no fim da fila... então todo mundo vai buscar antes a medicalização... Quando estão cansados desta busca eles vêm buscar um terapeuta, mas aí eles já buscam um terapeuta não mais buscando essa cura, eles querem bem mais do que apenas a cura física. Por isso eles aceitam. Quando alguém vem ao terapeuta buscando apenas a cura física, dificilmente aceita, dificilmente termina o tratamento... porque o tratamento natural é mais do que um tratamento, é um resgate de si, vamos dizer assim, vai resgatar a apropriação de si mesmo. Porque você vai aprender a se conhecer e a cuidar de você.

Então, para Bernadete, essa entrega era ao mesmo tempo a chave da cura e a aceitação de uma experiência inteiramente nova. Sem muitas certezas, envolvia “risco e aposta” (CAILLÉ, 2002a ou b?, p.58). Interpretada como um “ato de amor a si próprio”, a entrega era também o ponto inicial e incontornável para o estabelecimento do vínculo, que modularia, então, a relação entre as partes envolvidas no processo (terapeutas, clientes, familiares, etc.). Para a terapeuta,

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Evidenciamos aqui o caráter autorreflexivo de seu relato, em que busca generalizar a experiência terapeuta-cliente a partir de suas próprias experiências como cliente e, posteriormente, como terapeuta: Bernadete foi acometida de um raro câncer de pulmão, experiência que a levou ao contato com as terapias naturais.

160 apenas a partir deste ponto (desta primeira doação), o terapeuta poderia agir (seria capaz, então, de retribuir).

Do conjunto de “terapias integradas”, como Bernadete definia o seu trabalho, faziam parte massagens, aromaterapia, cromoterapia, acupuntura e alguns dos recursos terapêuticos do método da bioenergia (mudanças na dieta, aplicação do barro), embora ela não realizasse o O-Ring Teste. O seu espaço terapêutico era composto por duas salas, uma para atendimento individual e outra, mais ampla, para práticas coletivas, uma cozinha e um banheiro. A sala de atendimento tem um espaço diminuto mas bem aproveitado. A maca com os dispositivos elétricos para massagens fica ao centro e alguns assentos ao redor. É bastante iluminada e ventilada. As cores brancas e azul-clara predominam e conforme Bernadete, o espaço é harmonizado com a intenção de ajudar no equilíbrio das emoções. Símbolos cristãos e não cristãos se revezam nas paredes. A sala principal, na entrada, é circular e, da mesma forma, o ambiente é harmonizado revezando as cores branca e azul-claro.

Figura 41  Sala de atendimento  Centro de Terapias Holísticas  Jacobina, Bahia, 2011-2012

Figura 42  Sala de Atendimento em preparação para Sessão de Cromoterapia  Centro de Terapias Holísticas  Jacobina, Bahia, 2011-2012

Fonte: Acervo da autora

Bernadete ainda ressalta em sua narrativa a necessidade de ampliar o cuidado, abordando as emoções envolvidas em todo o processo. Foi também a partir da própria experiência que ela conseguiu dar os primeiros passos nesta direção:

161  Então eu me curei de um câncer o pulmão, fisicamente eu não tinha mais os tumores, mas eu tinha um mal estar terrível, eu não conseguia voltar ao normal, tinha muito medo, eu não dormia ainda, fiquei mais de 40 dias sem dormir, quase 4 meses sem dormir direito, eu fiquei muito angustiada, a doença não tinha passado, fui fazer terapia com um terapeuta mesmo, porque eu já tinha pesquisado muito sobre energia e preferi este profissional. Assim, ele cuidava de mim, e ao mesmo tempo em que eu estava fazendo o tratamento eu estava fazendo a formação com ele. Aí pronto, depois que eu terminei de fazer o curso eu comecei a deixar o estado e trabalhar como terapeuta, porque nesse período, pelo fato de eu ter me curado de um câncer, um monte de gente já me procurava para pedir orientação, saber como era, todas essas coisas, pessoas que me conheciam e outras não. Então eu resolvi começar a atender... Inicialmente eu fazia enquanto eu ainda tava no estado, um trabalho voluntário, só atendia algumas pessoas, como se fosse um estágio, e depois eu resolvi sair do estado e assumir essa profissão de terapeuta. Depois eu comecei a achar muito pouco só o trabalho holístico porque eu tinha sentido na pele, que havia tantas outras razões para o adoecimento, e aí eu fui fazer o curso de psicologia transpessoal... Fui fazendo vários cursos, em Salvador e São Paulo, eneagrama e constelações familiares, e aí eu assumi o meu lugar como terapeuta, resgatei a minha identidade. (relato verbal. Grifos meus).

Observamos na fala acima uma distinção entre “trabalho holístico” e um “trabalho com as emoções”, que guardaria uma maior identificação com o apoio psicoterápico, mas que não se restringiria ao domínio da psicologia. Nossa interlocutora, neste caso, contrariamente ao que propõe os adjetivos “integrativos” e “holístico”, reforçava ali as dicotomias entre tratamento médico ou psicoterápico e “terapias alternativas”; entre domínios técnicos e práticos; entre “energia” e biologia e assim por diante.

Esta motivação extra pelo trabalho rumo ao “equilíbrio emocional” também a impeliu à realização de trabalhos complementares, com formatos e desdobramentos bem distintos:

 Cursos de formação, workshop e palestras – em parceria com o Espaço Yoga.

162  Vivências com Eneagrama67 e Constelações Familiares68 – eventos realizados no Mosteiro de Jequitibá69, povoado pertencente ao município de Mundo Novo-BA, que fica a 105 km de Jacobina;

Grupo de estudo Um Curso em Milagres – identificamos esta experiência como integrante dos círculos de práticas cuidadoras (CPC)70 observados em Jacobina.

Figura 43  Estudo “Um Curso em Milagres”

Fonte: Acervo da autora

Bernadete definia o seu trabalho com os grupos como recursos que exploravam as bases psíquicas e emocionais da doença. Enquanto os cursos, workshops, palestras e vivências aconteciam de forma pontual, a partir de uma

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O eneagrama é um sistema de estudo da personalidade que descreve as manifestações da consciência conforme nove padrões ou tipos, representados em uma figura geométrica (HORSLEY, 2009).

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Hellinger e Hövel (2001) propõem as constelações familiares como uma técnica psicoterápica capaz de tornar visível uma dinâmica habitualmente oculta dos sistemas de relacionamento familiar.

69 Como já mencionado, o Pe. Gonçalves, atualmente abade do Mosteiro de Jequitibá, foi

um dos principais incentivadores das terapias naturais em Jacobina.

163 logística que envolvia pagamentos de taxas, certificados e uma exigência técnica de facilitadora dos processos terapêuticos por parte de Bernadete, o grupo de estudo estaria mais alinhado às propostas que definimos como Círculos de Práticas Cuidadoras (CPC).