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3 TERAPIAS INTEGRATIVAS EM JACOBINA: RECEPTIVIDADE E

3.2 O ESPAÇO YOGA

3.2.3 Terapeutas parceiros do Espaço Yoga

A primeira parceria no trabalho terapêutico lograda por Carlos foi declaradamente um fruto do seu trabalho de formação difuso e pulverizado nas sessões de yoga e outras práticas inspiradas nas medicinas tradicionais chinesa e indiana. Morgana, cliente de Carlos desde o início de sua atuação, depois de círculos de formação em yoga e massagens terapêuticas, iniciou-se como terapeuta, ocupando umas das salas do Casarão, como também era conhecido o novo Espaço Yoga.

Semelhante a outros relatos em que os terapeutas falaram de sua iniciação profissional, Morgana nos narrou o seu encontro com as terapias naturais como um “divisor de águas”. As mudanças de perspectiva de vida proporcionadas por aqueles momentos formativos das sessões de Yoga e o próprio contato com Carlos, em um momento em que ele estava totalmente empenhado em facilitar a assimilação daqueles “novos saberes”, a fez considerar fortemente a possibilidade de não apenas trazer estas práticas para sua vida pessoal, mas, também atuar como terapeuta.

Refletindo esta possibilidade de mudança através do encontro terapêutico, Morgana descreve seu caminho profissional, entrelaçado ao drama pessoal, como uma cadência alteridadeindividualidadealteridade, marcando o encontro com Carlos como disparador de suas mudanças internas, por sua vez propulsoras de um movimento “rumo ao outro”.

Relata-nos que chegou ao espaço de Carlos com um grau insustentável de confusão, que progredia para um quadro depressivo. No contato com Carlos, os sintomas, tratados a partir de desequilíbrios, eram atenuados. Em sua análise, a abordagem que Carlos fez da sua doença a trazia para o centro, “para a presença e não para ausência”, recobrando a sua força física e emocional. “Este caminho de autorrecuperação mediada por Carlos não só me curou como produziu em mim um desejo grande de atuar, de desenvolver um trabalho”. E assim se formou uma ponte

155 entre o trabalho pessoal e profissional, que permitiu o acesso de Morgana ao novo Espaço Yoga na condição de terapeuta. Do “chamado atendido” para conhecer mais a fundo o que se passava consigo e, ao mesmo tempo, também, o que se passava com o mundo, materializado graças ao “clima do Espaço”, de co-laboração, de co- atuação, resulta a sua formação como instrutora de Yoga e massoterapeuta.

Embora eventualmente substituísse Carlos, facilitando as sessões de Yoga, Morgana aprofundou o seu trabalho com massagens terapêuticas, explorando uma diversidade de técnicas. Ela esboçava alguma preocupação com o crescimento do seu trabalho, atenta aos impactos da sua atividade profissional sobre a saúde. Temia, de certa forma, que alguma desconexão se fizesse em relação às bases iniciais do autocuidado, relembrando a própria trajetória pessoal/profissional que se originou de uma “graça” recebida: aquela que a colocou como responsável pelo seu próprio corpo e sua saúde, sinalizando o caminho do autocuidado.

Vigilante, Morgana mantinha a sua sala no Espaço Yoga, mesmo recebendo muitos convites para atuar em clínicas que ofereciam serviços convencionalmente classificados como “estéticos”. Ela rejeitava esta definição. Foi durante a conversa com Morgana que descobri que as trocas entre os terapeutas em Jacobina se davam também através de trabalhos terapêuticos de um para o outro. Destarte, era possível trocar sessões de yoga por massagens, ou sessões de acupuntura por atendimentos com bioenergia e assim por diante.

“Que teu alimento seja teu remédio, que teu remédio seja teu alimento”: esta frase de Hipócrates é utilizada de maneira recorrente nos espaços terapêuticos de Jacobina para destacar a correção dietética como um dos pontos centrais dos tratamentos realizados. O trabalho com a trofoterapia62, que chegou ao espaço em 2012, embora recente, imprimiu rapidamente uma nova dinâmica. A rapidez com que se estabeleceu foi explicada como uma resposta à demanda já existente no espaço, desde a sua inauguração: a da criação de uma cantina que oferecesse alimentação natural.

A chegada de uma nutricionista com esta orientação na cidade foi a oportunidade de materialização deste projeto. Neide, responsável por trazer este trabalho para o Espaço Yoga, recém-chegada, relatou-nos que a aproximação com

62 Conforme Azevedo (2007), a Trofoterapia deriva da junção das palavras gregas

“trophos”, que significa “alimento”, e “therapeia”, que indica tratamento de doenças, ou seja, corresponde, literalmente, ao tratamento de doenças através do alimento.

156 o lugar se deu, a princípio, por afinidade. Com a frequentação das aulas de Yoga, a presença em eventos organizados no espaço e a aproximação com Carlos e com o grupo de pessoas que ali transitavam, reconheceu a demanda e foi provocada a corresponder. Propostas e contrapropostas foram feitas no sentido de atender a esta demanda e, em pouco tempo, a orientação nutricional instruída pelos princípios da trofoterapia integrou o quadro de trabalhos terapêuticos do espaço.

Baseada nestes princípios, Neide propunha uma revisão nas práticas dietéticas observando dois pontos fundamentais: 1. havia um alto índice de desnutrição na cidade, muitas vezes associado a um quadro de obesidade, relação que era avaliada como desequilíbrio na distribuição dos alimentos; e 2. a necessidade de reconhecimento das classes de alimentos e do aproveitamento do bioma local para o provimento das necessidades dietéticas. Com isto, Neide propunha a utilização de alimentos, tais como o licuri, a palma-nativa, a batata-doce e outras culturas nativas, em substituição aos alimentos industrializados e/ou produtos trazidos de outras regiões, em sua maioria, prejudicados pelo uso de produtos químicos para cultivo e conservação.

A exploração do ambiente, o “olhar ao redor” e o reconhecer o seu próprio alimento era também utilizado como metáfora para indicar o caminho das relações como fonte de vitalidade e cuidado diário. Neide afirmava que, com muita tranquilidade, reconhecia a orientação nutricional como cerca de 20% do trabalho do indivíduo no cuidado com a saúde. Os 80% restantes, dizia: “é buscar a própria felicidade”.

Sua contribuição recém-chegada parecia se alinhar perfeitamente à forma como os frequentadores veteranos percebiam o Espaço Yoga: um lugar aberto a proposições em que se combinavam cuidados corporais, relaxamento, cura, arte, festa. Se, por um lado, terapeutas e clientes enfatizam que os tratamentos naturais exigiam de seus clientes uma participação mais intensa e um envolvimento maior com sua cura, o Espaço Yoga parecia sintetizar este espírito como um convite aberto para a materialização de desejos pessoais e coletivos.

Neste sentido, Neide se referia ao lugar como a proposta de um “ambiente saudável” dada a amplitude de possibilidades de realizações. Ela própria cita, como uma experiência de realização pessoal, a sua participação na proposição e organização de um bazar artístico que durou um final de semana, em que o Espaço Yoga abrigou uma série de atividades, tais como exposição do trabalho de

157 diversos artistas e artesãos da cidade e região próxima, apresentações musicais, vendas e trocas de roupas, livros, peças de decoração, alimentos, práticas integradas de yoga, alimentação natural, palestras e exibição de filmes. Todas estas atividades organizadas através de uma parceria entre os terapeutas, clientes e frequentadores do espaço, com entrada gratuita e convite aberto para contribuição e co-realização.

Para Neide, a sua atuação profissional tem de abarcar esta movimentação, pois isto faz parte da sua vida. Em frente a sua sala de atendimento, estava o ateliê de Francisco e Carla63, artistas plásticos com quem efetuou muitas trocas, incluindo a de serviços por peças de arte. Sua sala de atendimento, apesar da disposição de móveis semelhante à de um consultório médico convencional, exibia uma decoração e ambientação peculiares. Na porta da sala, um tapete de retalhos e sobre ele um vaso de plantas ornamentais coloriam a entrada. No interior, pinturas e painéis esculpidos quase ofuscavam a pequena balança, item básico em um consultório de nutricionista. Na tentativa de reduzir os problemas enfrentados pelos seus clientes em colocar em prática a dieta sugerida, Neide montou uma pequena cantina natural nas instalações da cozinha do Espaço Yoga. Além do serviço de almoço, também passou a fornecer alimentação natural para os eventos que ali ocorriam.

A solicitação para ampliação do espaço destinado à refeição levou a uma ocupação da sala principal do espaço Yoga, no intervalo de 11:30h às 14:30h. Uma grande e única mesa no centro da sala era o local em que conhecidos e/ou desconhecidos se encontravam e dividiam o momento do almoço. Frequentemente, Neide aproveitava a ocasião da “mesa cheia” para explicar a função de cada classe de alimentos, sinalizando para uma mudança de perspectiva com a proposição de uma nova pirâmide alimentar64. Como o restaurante era aberto ao público, os frequentadores, fossem clientes seus ou não, usufruíam do benefício desta “instrução nutricional” prestada. Os almoços tinham, assim, uma atmosfera de encontro e celebração.

A intensificação do fluxo de pessoas no Espaço Yoga proporcionada pelas novas alianças que confluíram naquele momento de efervescências,

63

Pseudônimos

64 A pirâmide alimentar, criada em 1992 pelo Departamento de Agricultura dos Estados

Unidos, é um instrumento, sob a forma gráfica, de orientação da população para uma alimentação mais saudável (PHILIPPI et al., 1999)

158 especialmente vivenciados entre os anos de 2011 e 2012, reforçava algumas das considerações já elaboradas a respeito da relação entre a construção do cuidado e o desenvolvimento de um “espírito comunitário”, não só aberto à composição, como também “provocador” de alianças. A solicitação da co-atuação terapêutica, caminho incontornável na prática das terapias integrativas, parecia atingir ali uma plenitude indescritível, embora não houvesse garantias de sustentação ou permanência, sobretudo material. O Casarão enfrentava problemas em sua estrutura física já ao final do ano de 2012 e a aversão à formalização ou institucionalização do espaço se tornava um verdadeiro impedimento não só para garantir aquela estrutura como também para ampliar o espectro de socialização da experiência enquanto dinâmica de “construção do cuidado”.