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Nesta narrativa tento conciliar os papéis de actora social, que é de «practitioner» no «trabalho de formação» e o de investigadora. Se o sujeito apenas se conhece no trabalho que realiza como actor/a, então importa investigar este trabalho, o que apresenta uma dificuldade metodológica específica, no sentido de:

"(...) aucun acteur n'est transparent à lui-même et le sociologue ne peut jouer ni la carte de la rupture épistémologique radicale, ni celle de la fusion comprehensive. Le problème méthodologique est alors celui de la vraisemblance, de la connaissance partagée entre les acteurs et les chercheurs" (Dubet 1995: 119).

"A recusa de uma concepção radical da ruptura epistemológica leva a conceber a pesquisa sociológica como uma forma de debate entre actores e investigadores que reconhecem ao mesmo tempo o que têm de comum e o que os separa" (Dubet 1996: 263).

É este o debate que tenho de realizar entre as minhas duas formas de «estar» nesta narrativa, como já referi acima, em que o «eu» que diz e escreve, se reduz parcialmente ao estatuto de «texto», permitindo-se observar a sua própria fala, transformando-se em sujeito-objecto. Segundo Dubet (1996) "a teoria mais convincente, ao mesmo tempo que

responde a critérios de cientijicidade, será aquela que está mais perto da experiência dos

actores (...)" (p.239). Mais perto da experiência não posso estar. Tentarei garantir a cientificidade utilizando a metodologia da análise de conteúdo, identificando-me com a lógica da sociologia da experiência:

"Ela estuda representações, emoções, condutas e maneiras como os actores as explicam. Ela é uma sociologia da subjectividade (...)" (p. 262).

O problema maior neste trabalho é evitar a «fusão compreensiva» e conseguir o distanciamento necessário entre "o sentido endógeno da acção tal como é enunciado pelo actor, e o que é reconstruído pelo sociólogo" (p. 242). Normalmente isto realiza-se numa dinâmica de intersujectividade, no diálogo entre actor e investigador. Não sendo isto possível no meu trabalho, tentarei «reforçar» a intertextualidade e «explorar» ao máximo o diálogo entre o meu «eu», actora social - com a experiência de uma história pessoal e colectiva registada em textos - e o meu «eu» investigadora.

Segundo Dubet, a «verosimilhança» na minha pesquisa será mais forte: a) se houver uma "regularidade" nos "processos observados",

b) se for possível controlar a minha «subjectividade»,

c) se as minhas análises não estiverem em contradição com outros dados registados, d) se as minhas análises forem "capazes de explicar 'acontecimentos' que se desenrolam

fora da pesquisa" (p.256-257), isto é, se conseguir fazer inferências que transcendem o contexto investigado.

Em relação à regularidade, e em termos de análise de conteúdo, é mais importante que a amostra de textos possa dar conta da singularidade, do que da regularidade.

Assim, a análise será mais densa de ponto de vista informativo.

7. Para/ uma/ metodologia/ de/ ívwe4faga<çã<o~ centrada/

na/ lógica/ da/ <<Con^ci&v\tX^açãcr>>

A conscientização é o processo que leva o indivíduo a passar de um estado de consciência «ingénua» a um estado cada vez mais avançado de consciência crítica activa.

"Ce passage est toujours en train de se faire, car la realité ou l'être humain vit est toujours en train de l'encercler, de l'engloutir" (Pintasilgo 1970: 15).

Como conseguir manter-me nesta constante «passagem» durante o trabalho de investigação? Como não me deixar engolir por uma dinâmica que apenas favoreça o monólogo e a sobreposição do(s) texto(s)? Numa lógica de conscientização, os textos têm de funcionar como «desafios» que provocam o diálogo. O diálogo permite um envolvimento e um distanciamento constantes. É nesta busca permanente, de que fala Freire, que o Sujeito pode emergir. Tanto o Sujeitos-leitor/a como o Sujeito-autor/a:

"(...) num permanente movimento de busca (...) para mulheres e homens, estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e os outros" (Freirel997:64).

Estar numa dinâmica de conscientização implica estar não só no texto que descreve (uma parte d)o mundo e que me absorve no acto da criação, mas, e simultaneamente, com o texto, o que exige, durante a escrita, distanciamento crítico constante. Estar com o texto, e portanto fora dele, permite continuar a estar dentro do mundo descrito e analisado no texto. Permite «não perder o pé» que se quer enraizado no real. Permite não perder de vista que acção e reflexão (palavra) devem estar indissociavelmente ligadas, para que se realize a praxis, não apenas no «tempo de acção», mas também no «tempo de palavra». Na nossa cultura ocidental fomo-nos imunizando em relação à ideia de que a palavra tem uma dimensão «acção». Frantz Fanon, inspirador de Paulo Freire, designa a nossa civilização como uma «bancarrota», que "reduziu a realidade a palavras". Hans Achterhuis demonstra no seu livro Filósofos do Terceiro Mundo (1975), que para pensadores como Fanon e Freire, uma posição puramente teórica não existe. Para eles filosofar não é "compor conjuntos de palavras (Fanon)", mas é "comprometermo-nos com aquilo que defendemos em teoria" (Achterhuis 1975:18-19).

Para eu poder estar com o meu texto, tenho de estar com os diferentes textos que o compõem: os textos teóricos, os textos empíricos («ditos e feitos» de pessoas e grupos) e o texto da minha/nossa história, em que o «eu-sujeito» dessa narrativa se

transforma parcialmente em objecto e enquadra o texto da sua história de aprendizagem e formação, na história de uma instituição. Para isso poder acontecer, é preciso ter os (excertos d)os textos presentes, o que implica citações e transcrições, tanto dos textos dos outros, como do meu próprio texto (do «eu-objecto» de investigação). Segundo Fanon, nesta nossa realidade, reduzida a palavras, "também nos habituámos a encontrar, cada vez menos, o ser humano vivo" (Fanon, citado em Achterhuis 1975:18).

Para que possa ser encontrado, o mais possível, o «ser humano vivo» no meu texto, (isto é: para que os Sujeitos possam emergir, tanto os/as outros/as como eu própria) e para que não seja posicionamento puramente teórico meu, quando digo querer estar com esses outros, tenho de optar por ter as suas vozes presentes no texto, como também a voz do meu próprio «texto».

Tenho atravessado de uma forma nómada os diversos textos que informam esta narrativa, tendo o primeiro levado ao segundo, o segundo ao terceiro, etc.. Cada vez que refiz o percurso, tanto os textos teóricos como os empíricos, tornaram-se mais insistentes na sua função de desafio mútuo. Esta função de texto-desafio mútuo dos textos pode talvez contribuir para que mantenha melhor a unidade entre a prática e a teoria, entre a acção e a reflexão.

A dinâmica da conscientização exige ainda partir do ser humano concreto e do contexto em que vive, porque cada pessoa

"Situa-se na rede complexa de uma realidade que é espacial (embora em órbitas e trajectórias diversificadas), que é temporal (sem que nem o passado nem o futuro sejam escamoteadas, mas onde o presente é o real concreto) e que é relacional (desde as relações de proximidade afectiva até à opressão do sistema sem fisionomia e sem nome" (Pintasilgo

1998b: 13).

Para que no capítulo V, as vozes nos textos empíricos sejam situadas no tempo e no espaço de onde emergiram, recorri, à transcrição de textos-contexto para enquadrar, durante o trabalho de análise, os resultados da investigação. Em relação ao texto do «eu-

objecto», que emerge na minha/nossa história, optei por descrever em pinceladas o meio onde passou a infância e a adolescência.

Sendo o ciclo do processo de conscientização descrever e reflectir sobre uma experiência, teorizar e formular novas pistas de intervenção, espero no fim do meu trabalho poder formular algumas pistas, sabendo que

"as respostas da pessoa fazem a pessoa (...) a resposta na filosofia de Paulo Freire não é uma opinião: é reflexão, crítica, invenção, decisão, organização, acção (Pintasilgo 1998b:

13).

A partir da reflexão e teorização realizadas haverá novas questões acerca da acção, que podem abrir novos ciclos de conscientização e de investigação.

8. Sobre/a/Análí&e/de/Conteúdo: puproourou de/ «dítoye/fe<CCoy>>

que/ de^non&tram/ a/ emergência/ do-SujeíZo- M uZher

"Enquanto técnica de pesquisa, a análise de conteúdo exige a maior explicitação de todos os procedimentos utilizados" (Vala 1989: 103).

"Não há questões de validade específicas da análise de conteúdo. Como em qualquer outro procedimento de investigação, também neste o investigador deve assegura-se e deve assegurar os seus leitores de que mediu o que pretendia medir" (p. 116).

"Não há modelos ideais em análise de conteúdo. As regras do processo inferencial que subjaz à análise de conteúdo devem ser ditadas pelos referentes teóricos e pelos objectivos do investigador" (p. 126).

A memória que me ficou daquilo que aprendi sobre a análise de conteúdo num seminário orientado pelo professor José Alberto Correia é, em primeiro lugar, a necessidade de combinar um rigor extremo com uma criatividade extrema. Rigor, porém, não à custa do valor hermenêutico, mas um rigor sabendo-se implicado num trabalho de "bricolage" (do tipo to retrieve (recuperar) sublinhar, cortar, copiar, colar, etc.), um trabalho de diálogo entre os textos, o que implica realizar uma «análise flutuante». Rigor que permite ver o novo no meio da "massa fluída", em que as categorias ainda estão escondidas nos "momentos produtivos da fundação de novas

instituições" (Habermas 1998: 302). Parece-me ser a única postura que permite, durante a análise de conteúdo, como o lembra Habermas, citando Castoriadis, dirigir o olhar para:

"(..) aqueles raros momentos históricos em que a massa da qual se formam instituições ainda está fluida (...): «em que a sociedade instituinte assalta a sociedade instituída, os momentos em que a sociedade instituída se autodestrói com a ajuda da sociedade como instituinte, isto é, se cria como outra sociedade instituinte... Também uma sociedade que apenas parece interessada na sua conservação só existe na medida em que se modifica ininterruptamente»" (Habermas 1998: 302).

Após esta citação, que sublinha a ideia de MUDAR A VIDA, que é uma expressão-

chave nos textos do GRAAL analisados nos capítulos IV e V, e a partir dos textos teóricos sobre uma educação para a EMERGÊNCIA DO SUJEITO, analisados no Capitulo III, é

possível formular, duas categorias emergentes, que vão ser as categorias gerais na investigação a realizar:

1. a Emergência do Sujeito-Mulher, através do falar e agir que permite a auto- revelação, em que o «eu» aparece aos outros para poder ser (re-)conhecida.

2. Intervir para mudar ... o meio social em que se está inserido (a vida, o trabalho, as relações entre as pessoas, as ideias e opiniões, a relação com o tempo, a conciliação entre o trabalho e a família, a participação das mulheres nas instituições e nos lugares de poder, a participação na vida social e cívica, etc., permitindo a Emergência da Actora Social).

Nos documentos a analisar, tentarei encontrar registos, tanto «ditos» de mulheres que apontam para versões críticas das histórias dominantes disponíveis nos contextos onde vivem e trabalham, como «feitos» de mulheres, acções pessoais e colectivas que abriram brechas para a mudança. Pretendo portanto «medir» efeitos crítico-analíticos («ditos») e pragmáticos («feitos») do trabalho deformação realizado.

Para "medir o que pretendo medir", e numa perspectiva de verosimilhança, será preciso encontrar, nos textos «empíricos» ou «profanos», outras categorias emergentes que irão enquadrar e sublinhar as categorias centrais e reforçar o seu sentido.

É possível desde já, desdobrar a categoria emergência do Sujeito Mulher em quatro subcategorias, que apontam para a fase da consciência crítica do sujeito mulher no seu trabalho de tornar-se actora social. As primeiras três baseiam-se num trabalho de Martine Chaponnière (1988) enquanto o «projecto da diferença» é uma expressão-chave

na obra da Rosiska Darcy de Oliveira (1991):

1) o «trabalho contra», um processo de «des-identificação» em que a pessoa mulher toma consciência do mecanismo e das situações de opressão em geral e das mulheres em especial. Trata-se da dinâmica Ser. (O que (não) quero (mais) ser).

2) o «trabalho a favor», em que são construídas novas representações acerca do que é «ser mulher numa sociedade mais justa», e, em que a identidade é «reconstruída». Trata-se da dinâmica Devir. (O que está a mudar em mim e na sociedade?).

3) o «trabalho de integração», em que a mulher passa «da palavra à acção», «conquistando» um lugar desejado na vida social, cívica e política. Trata-se da dinâmica Pertencer. (O que consegui realizar; onde consegui chegar).

4) o «projecto da diferença», em que a situação de «integração» é questionada e em que o conceito igualdade é reposto num continuum, e re-ligado ao outro pólo com que forma um par: o conceito diferença. Trata-se da dinâmica Problematizar a nova experiência, num novo ciclo de conscientização. {Estou a falar e a agir de uma

forma crítica? Qual a diferença que introduzo pelo facto de ser mulher? As mulheres dão um contributo diferente no funcionamento das instituições? As mulheres participam na transformação das mentalidades e da sociedade? Que valores

defendem? Etc.)

Sendo a análise de conteúdo um trabalho de produção de diálogo intertextual, em que a intertextualidade leva à produção de um outro texto, sendo também o meu trabalho uma aventura solitária, em que converso com os textos e comigo própria,

resolvi perder o pudor de reproduzir bastantes excertos de textos (teóricos) dos autores e das autoras estudados. Assim, podem falar directamente, em vez de o «je que parle» ter de fazer um texto sobre o texto, diminuindo aos leitores, a possibilidade de acompanhar, de uma forma transparente o diálogo intertextual.

Tentarei igualmente manter o mesmo princípio em relação aos textos empíricos a analisar nesta investigação. Princípio esse que se inspira nos Women's Studies e que pretendo aprofundar no próximo parágrafo.

9. Va/ metodologia/ (noy "tstudoy lobre/ ay M uZhere^') :

«t&-retrieves dXtoye/feítoy»

para/ permitir c\u£/ leÁtora^ & leitores ye/ powww evwoh/er