• Nenhum resultado encontrado

As primeiras sementes de chá terão vindo do Brasil em 1820 e chegado aos Açores, nomeadamente à ilha de São Miguel, por intermédio de Jacinto Leite, comandante da guarda real, na corte de D. João VI, no Rio de Janeiro. O local escolhido para a sementeira foi a freguesia das Calhetas, concelho da Ribeira Grande, onde o comandante era possuidor de vários terrenos (Enciclopédia Açoriana, sd e Cabido, 1913). Há também quem sustente que, embora com a mesma proveniência, a semente fora trazida por um serviçal do morgado João Soares, que com ela pretendeu presentear o seu antigo amo, sendo semeada no lugar de Santo António, onde se desenvolveu bem, passando então para uma grande propriedade do lugar das Capelas, propriedade de Soares de Amorim, e onde se multiplicou como planta ornamental, sendo daí originária toda a semente das plantações que depois se fizeram nesta ilha (Cabido, 1913).

Tida como planta de ornamentação, o incremento da sua produção só veio a verificar-se na segunda metade do século XIX, quando o comércio da laranja entrou em declínio, e foi necessário pensar em outras opções para a sua substituição, nomeadamente no chá, no tabaco, no álcool da batata-doce (Oliveira, sd). A Sociedade Promotora de Agricultura Micaelense decidiu em 15 de Abril de 1874 começar ensaios de cultura e produção do chá (Cabido, 1913). Um grupo de 6 famílias, entre as quais a família Gorreana, iniciou a produção de chá entre 1875 e 1876 (Oliveira, sd). A Sociedade Promotora contratou dois chineses de Macau (Arquivo Digital, sd) que chegaram a S. Miguel a 5 de Março de 1878 e encontraram a folha de chá das culturas experimentais, tendo iniciado os trabalhos da sua preparação (Cabido, 1913). A planta do chá vingou na ilha, de modo particular nas encostas norte de S. Miguel, sob influência de uma série de elementos favoráveis ao seu cultivo, como o clima, o relevo e a qualidade do solo (Sousa, 2012). O aparecimento da cultura de chá nos Açores tornou-se

uma actividade importante quer para a região quer a nível europeu, tal facto foi noticiado no jornal “The New York Time”, a 27 de Julho de 1879, ( http://query.nytimes.com/mem/archive-ree/pdf?res=F70C12FD345B137B93C5AB178CD85F4D8784F9).

José do Canto, em 1891, montou na sua propriedade da Caldeira Velha, Concelho da Ribeira Grande, algumas máquinas para o fabrico do chá (Pacheco, 2005). Francisco Maria Supico em 1903 elencava, para além de outros cultivadores e preparadores de chá, dez produtores em grande escala: Herdeiros de José do Canto [Caldeira Velha, Conceição, Ribeira Grande]; Luís Ataíde Corte Real da Silveira Estrela [Fábrica Corte Real, depois Mafoma, Ribeira Seca, Ribeira Grande]; Francisco de Bettencourt [Fenais da Ajuda, Ribeira Grande]; Marquês de Jácome Correia [Ribeirinha, Ribeira Grande]; José Maria Raposo de Amaral [Sete Cidades, Ponta Delgada]; Dr. Manuel Maria da Rosa [Chá Flor da Rosa, Arrifes]; Frederico Augusto Serpa [Ribeira Seca, Ribeira Grande]; Augusto Ataíde Corte Real [Charco, Rabo de Peixe]; Visconde Faria e Maia [Cabouco, Lagoa]; José Bem Saúde [Ponta Delgada] (Supico, 1903). Nesta lista não aparece mencionada a Fábrica da Gorreana, ao que parece a laborar desde 1883 (CMRG, 2012).

No início do século XX, surgiram as Fábricas de Chá Barrosa na Ribeira Seca e a do Porto Formoso em Porto Formoso. Chegaram a existir em São Miguel algumas dezenas de pequenos produtores e seis fábricas de alguma dimensão: Chá Barrosa, Chá Bensaúde, Chá Canto, Chá Corte-Real (Mafoma), Chá Gorreana e Chá Porto Formoso (CMRG, 2012; Pacheco, 2005). O chá de Moçambique, na década de cinquenta, viria a perturbar a produção do chá micaelense (CMRG, 2012). O proteccionismo, oferecido pelo Estado Novo ao chá oriundo de África, sobrecarregava de taxas o chá micaelense, o que entre outros factores levou ao encerramento sucessivo das várias fábricas da ilha, acabando por só sobreviver o Chá Gorreana (Sousa, 2012). As plantações de chá foram progressivamente substituídas por pastagens. Mesmo no final do século XX, em 1998, assistiu-se ao relançamento do chá Porto Formoso, com a reabertura da fábrica a 30 de Março de 2001 e em actividade desde então (Pacheco, 2005).

A análise a uma amostra de chá preto, realizada por M. Schutzenberger, professor do Colégio de França revelou qualidades de um excelente chá, bem como um óptimo sabor. Segundo análises realizadas em 1879, este chá apresentava 4,2% de teína enquanto a maioria dos chás comercializados não tinham mais de 2 ou 3% deste composto (Arquivo Digital, sd). Num estudo mais recente foi feita a determinação quantitativa dos derivados de epicatequina total e de galato de epigalocatequina (EGCG) de diferentes chás verdes, incluindo o chá verde dos Açores. Verificou-se que as concentrações de EGCG e de cafeína do chá verde dos Açores eram altas por comparação com os outros chás analisados. O aroma de diferentes amostras de chá verde foi comparado através do método de microextracção em fase sólida (SPME) associado à cromatografia gasosa e espectrometria de massa. O chá verde dos Açores (Gorreana) apresentou a maior concentração de linalol, óxido de linalol I, óxido de linalol II, 1-penteno-3-one, (E)-2-pentenol, (E)-3-hexanol, (E, Z)-2-4-heptadienal e 3,7-dimetil-1 ,5,7-octatrieno-3-ol e a menor concentração de álcool benzílico, de entre os diversos chás testados, o que contribui certamente para o aroma floral e frutado intenso, típico deste chá dos Açores (Baptista et

al., 1999).

1.2.1 - Chá Gorreana

A plantação da Gorreana está situada perto da aldeia da Maia, entre a Ribeira Grande e as Furnas, na ilha de São Miguel e iniciou a sua produção em 1874. O solo argiloso e ácido dos terrenos açorianos permitem a obtenção de um chá perfumado e de travo agradável, isento de pesticidas, herbicidas e

fungicidas. O chá Gorreana é produzido segundo o método Hysson, através de vapor, sendo considerado um chá tradicional. As folhas são enroladas e depois secas. É produzido chá preto (totalmente fermentado), chá verde (não fermentado) e chá oolong (semi-fermentado). A produção e fabrico do chá Gorreana, plantação, colheita, secagem e tratamento, decorrem num único local. A área de plantação é de 23 hectares, suficientes para produzir cerca de 40 toneladas por ano.

Em 1883 foi produzido o primeiro quilo de chá Gorreana seco. Jaime Hintze é reconhecidamente o responsável pelo crescimento da plantação Gorreana sendo também o primeiro fabricante da ilha a conseguir ter a marca registada em pacotes. No início do século XX a produção anual de chá Gorreana atingia as 700 toneladas, mas as restrições às exportações, durante as duas guerras mundiais, levaram a que os investimentos fossem desviados para culturas mais úteis à subsistência, originando o declínio da produção de chá. No final dos anos 80 do século XX, a Gorreana era a única fábrica de chá europeia e até 1976 vendia cerca de 80 toneladas por ano. Quando a empresa que fazia a distribuição do produto fechou, o chá Gorreana deixou de estar presente de forma representativa no mercado continental. Com o surgimento das grandes superfícies comerciais as vendas baixaram bastante, mas depois recuperaram para os mesmos níveis, que hoje em dia rondam as 33 toneladas por ano. A maior parte da produção é para consumo nos Açores, mas são de destacar as 4 toneladas que por ano são exportadas para a Alemanha. Para Portugal continental são vendidas cerca de 2 toneladas e cerca de cinco por cento das vendas são efectuadas na própria fábrica.

(http://www.geocaching.com/seek/cache_details.aspx?guid=eaec6e11-8408-42fb-86f3-5397b12faa62).

A Gorreana produz três tipos de chá preto: o Orange Pekoe, proveniente da primeira e por vezes da segunda folha de dentro do rebento, que é muito leve e aromático, o Pekoe, obtido a partir das folhas do meio, mais forte e menos aromático e, ainda o Broken Leaf que, por ser feito com as folhas exteriores, mais velhas, partidas em vez de enroladas, é mais fraco, menos aromático e mais barato do que os outros. Os habitantes da ilha preferem a Moinha, nome que se dá ao chá proveniente das pontas das folhas melhores, que se vão partindo durante o processo de tratamento, e que produz uma infusão com um sabor muito forte. Já a preparação do chá verde Hysson é diferente, pois utiliza vapor de água na etapa de secagem e não é fermentado como qualquer chá verde.

1.2.2 - Chá Barrosa

A empresa Chá da Barrosa Limitada tem a sua produção localizada na Mafoma, freguesia da Ribeira Seca, concelho da Ribeira Grande. O chá preto, que produziu em 1932, apresentava a seguinte composição: água 8,98%; matérias minerais (cinzas) 5,94%; cinzas insolúveis 2,52%; extracto aquoso, 29,40%; cafeína, 2,96%; azoto total 2,80%; celulose 8,20%; tanino 6,34 % (IST, 1932). Nesse mesmo ano, a empresa registou as marcas Chá Família e Chá Barrosa. Esta última marca recebeu a medalha de ouro na Exposição de Sevilha em 1929/1930 e o Grand Prix na Exposição de Lisboa em 1932. Em 15 de Fevereiro de 1981 ainda se publicitavam as qualidades do chá da Barrosa – Moinha Preta,

Popular, Família, Barrosa, Lata Barrosa Extra, Carão Barrosa Extra, Verde, com os preços para o

comércio e para o público. Produziam-se, então, chá preto, verde e branco (Dias, sd).

Dificuldades crescentes, como a falta de mercados e a subida acelerada das taxas de juro (6% em 1969 e mais de 32% em 1982) dificultaram a vida ao proprietário. O decreto regional nº 27/82/A de 3 de Setembro, com vista ao saneamento económico-financeiro de empresas de interesse regional, não foi suficiente para manter em funcionamento esta estrutura industrial. Aliás, no programa do Segundo Governo Regional o interesse pelo chá desaparecera. A antiga fábrica de chá da Mafoma, que havia laborado até 1974, recebia um subsídio para se transformar em espaço museológico em 1983. A firma

Amâncio Faria e Maia e Herdeiros encerrava em 1984, a Barrosa mudava de proprietário, mas a Gorreana mantinha-se apesar dos graves problemas financeiros. Em 1988, um incêndio consumiu a fábrica Barrosa, e o seu proprietário transformou os terrenos de cultura em pastos (Dias, sd).

1.2.3 - Chá Porto Formoso

A fábrica de Chá Porto Formoso tem a sua plantação na costa norte da ilha de São Miguel. Esta fábrica foi fundada por Amâncio Machado Faria e Maia e laborou entre os anos vinte e os anos oitenta do século XX. Em 1998 os actuais proprietários iniciaram as obras de recuperação da fábrica, Património Industrial da Região. A fábrica foi reaberta em 30 de Março de 2001 e reinicia a produção de chá preto do tipo Orange Pekoe, Pekoe e Broken Leaf (Pacheco, 2005).