• Nenhum resultado encontrado

1. AS MONTANHAS DO SUDESTE MEXICANO

1.1. CHIAPAS

O estado de Chiapas abriga a segunda maior população indígena do México, equivalente a 1.330.981 pessoas, do total de 4,3 milhões de habitantes do estado, de acordo com dados de 2005 da Comisión Nacional para el Desarrollo de los Pueblos Indígenas (CDI). As comunidades indígenas de Chiapas são descendentes dos povos maias que há milênios têm habitado a região correspondente ao sul do México e alguns países centro-americanos, como Guatemala e Belize (ver mapa 01), apresentando atualmente uma grande variedade étnica. De acordo com dados de 2000 do Instituto Nacional de Estadística e Geografía (INEGI), 36% da população indígena maior de cinco anos de Chiapas é falante da língua tzotzil; 34,4% tzeltal; 17,4% chol; 5,1% zoque; 4,8% tojolabal; 1,7% kanjobal e 0,7% mame. Mais que dados demográficos, os povos indígenas de Chiapas consistem no que o antropólogo Guillermo Bonfil Batalla chamou de “México profundo”, ou seja, maneiras de entender o mundo e organizar a vida, originadas na civilização mesoamericana, que exercem uma influência cultural fundamental em todos os âmbitos da sociedade chiapaneca e mexicana.

Chiapas é uma terra muito rica com um povo muito pobre3, parafraseando o título da obra de Thomas Benjamin (BENJAMIN, 1995). O estado ocupa a última posição entre todas as entidades federativas mexicanas na lista de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) (PNUD, 2010) (ver mapa 02). De acordo com dados

3

Em um comunicado de janeiro de 1994, intitulado “Chiapas: el Sureste entre dos vientos, una tempestad y una profecía”, o EZLN apresenta Chiapas ao mundo, afirmando sua gritante desigualdade: no seu território estão cerca de 82% de toda a indústria petroquímica do país e 20% da energia produzida pelas hidroelétricas mexicanas, apesar de apenas um terço das casas do estado terem luz elétrica, sendo que a grande maioria não possui sequer um lampião de gás. É o maior produtor de milho, detêm 35% da produção mexicana de café, os latifúndios pecuaristas ostentam três milhões de cabeças de gado, possui uma enorme biodiversidade, provê madeiras nobres e fontes de matérias-primas para indústrias de biotecnologia; mas apesar da fundamental contribuição ao produto nacional, 54 em cada 100 moradores estão desnutridos e, nas regiões de montanha (Altos) e selva, a desnutrição chega a atingir 80% da população. Morre um indígena e camponês a cada 35 minutos. Apesar da enorme atenção internacional na antiga cultura maia e dos incentivos do governo mexicano ao forte turismo que gira em torno dela, os atuais herdeiros maias conformam a camada mais excluída da população chiapaneca, de forma que o estado conta com uma média de sete quartos de hotel para cada 100 turistas, enquanto oferece só 0,3 leitos de hospital para cada 1000 de seus habitantes. A educação também é a pior do país, que, expressa em números, significa que de cada 100 crianças que frequentam o ensino primário, 72 não terminam a primeira série e mais da metade das escolas não oferece nada além da terceira série do primeiro grau. A deserção escolar nas áreas indígenas é altíssima, devido ao descaso das autoridades e à necessidade das famílias de contar com o trabalho das crianças para sua sobrevivência (Comunicado do CCRI, 27/01/1994).

de 2010 do próprio governo estadual4, de seus 118 municípios, 46 possuem um grau de marginação alto ou muito alto, sendo a maioria deles situados nas regiões com maior incidência de população indígena (e de influência do EZLN). Segundo dados do INEGI de 2000, cerca de 25% da população fala uma língua indígena, sendo que 61,2% não falam castelhano e na maioria dos casos não leem e nem escrevem a língua oficial. Chiapas é um estado predominantemente rural, no qual 42,8% da população economicamente ativa dedicam-se a atividades relacionadas com o setor agropecuário, enquanto no resto do país esta proporção é somente de 11,9%5. Ainda de acordo com o INEGI, em comparação a população indígena recebe salários muito menores: cerca de 80% possui renda menor que um salário mínimo, contra aproximadamente 55% da população não-indígena de Chiapas. De acordo com o Centro de Derechos Humanos Fray Bartolomé de las Casas (Frayba), Chiapas ocupa o segundo lugar nacional em desnutrição e o terceiro em mortalidade materna; entretanto, nas políticas governamentais dirigidas aos povos indígenas persiste uma visão assistencialista de beneficiárias passivas e não como sociedades que exigem o pleno reconhecimento e respeito ao exercício de seus direitos (FRAYBA, 2012c, p. 7).

Quando se observa o estado de Chiapas, um dos elementos mais evidentes é o seu caráter fronteiriço, fator que contribuiu para um contexto de abandono e enfraquecimento dos seus vínculos com os centros políticos (GUILLÉN, 2005, p. 7). Em 1531, a província de Chiapas foi outorgada à capitania geral de Guatemala pela coroa espanhola, sendo integrada no território do estado mexicano apenas em 16 de janeiro de 1822. Até a década de 1970, a única fronteira que parecia importar ao governo central era a que separava o país dos Estados Unidos, quando então se descobriu um grande volume de recursos energéticos na fronteira sul (Idem). Entretanto, esta mudança de postura, do esquecimento crônico ao interesse estratégico, não se traduziu em melhorias substanciais para a maioria dos chiapanecos. Para o centro de direitos humanos Frayba, as últimas décadas foram marcadas por projetos neoliberais dos governos federal e estatal, com interesses voltados à desapropriação territorial e combate aos processos de resistência em Chiapas.

4

Disponível em: http://www.dgp.chiapas.gob.mx/odm/, acesso em 20/03/2014. 5

Mapa 01 – Distribuição geográfica da civilização maia.

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mayas.png, acesso em 14/03/2014.

Mapa 02 – Unidades federativas do México por IDH (PNUD, 2010).