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REPRESSÃO DO GOVERNO, VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS EM CHIAPAS

1. AS MONTANHAS DO SUDESTE MEXICANO

1.6. REPRESSÃO DO GOVERNO, VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS EM CHIAPAS

Paralelamente ao que os zapatistas caracterizaram como traições dos três poderes federais, um cenário de crescente violência e violações de direitos humanos por parte do governo mexicano instaurou-se no território de Chiapas a partir de 1994, em sua maioria contra simpatizantes e bases de apoio zapatistas. De acordo com relatórios do Centro de Direitos Humanos Fray Bartolomé de las Casas (Frayba), nas últimas décadas em Chiapas, observou-se um acelerado incremento de forças policiais, militares10 e paramilitares11, prisões sem a aplicação devida do processo jurídico, impunidade dos crimes de lesa-humanidade, violações ao direito da terra e território, tráfico de pessoas, aumento dos feminicídios, implementação de programas governamentais que geram dependência econômica, criminalização dos movimentos sociais, obstaculização e perseguição a organizações de direitos humanos mexicanas e internacionais (FRAYBA, 2012a, 2012b e 2012c). O auge de violência, impunidade e violação de direitos humanos em Chiapas deu-se na matança ocorrida em 22 de dezembro de 1997, na comunidade de Acteal, município de Chenalhó. 45 indígenas que estavam em uma celebração religiosa, a maioria crianças e mulheres do grupo civil “Las Abejas” (simpatizante do movimento zapatista, mas não pertencente) foram massacrados com armas de fogo e golpes de facas por 60 homens de grupos paramilitares. Até hoje o crime permanece impune e os responsáveis em liberdade.

Desde 1994 até os dias atuais, grande parte do esforço público do EZLN junto a

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“Según la cifra oficial, son 30 mil los elementos del Ejército Mexicano destacamentados en Chiapas. Cálculos no oficiales aseguran que son cerca de 70 mil. Por la irrupción del Ejército Zapatista de Liberación Nacional el 1o. de enero de 1994, el gobierno federal envió, en la primera semana de enero, a la zona de conflicto a cerca de diez mil soldados del Ejército Mexicano; 200 vehículos (jeeps artillados y tanquetas, entre otros) y 40 helicópteros. Pero en diez días de conflicto el número de efectivos se incrementó a 17 mil. En ese mismo año, el gobierno federal restringió el conflicto armado a cuatro municipios: San Cristóbal de las Casas, las Margaritas, Ocosingo y Altamirano. Y luego se extendió, en 1999 el Ejército Mexicano amplió su radio de acción a 66 de los 111 municipios de Chiapas. Sí más de la mitad de los municipios chiapanecos viven en situación de guerra” (Comunicado do CCRI, intitulado “Chiapas: la guerra, II. La máquina de etnocidio”, 20/11/1999).

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Em 1999 existiam, pelo menos, sete grupos de paramilitares: Máscara Roja, Paz y Justicia, Mira, Chinchulines, Degolladores, Puñales, Albores de Chiapas (Idem).

organizações de direitos humanos consiste em denunciar os constantes ataques e perseguições que sofrem as comunidades indígenas de Chiapas, em especial as bases de apoio zapatistas. Como exemplo dos inúmeros relatos de violência, está o de um membro do Caracol Oventik, na “Escuelita Zapatista”:

“Cuando hubo ese ataque de los paramilitares con seguridad pública y con policía que venía uniformada, con gente pagada por el mal gobierno, gente que venía de otros municipios, los compañeros abandonaron sus casas, se fueron a otra comunidad (…). Hay bases de apoyo que estuvieron no sé cuántos días en las montañas, en el río, hay compas que desaparecieron, que abandonaron a la fuerza sus casas, sus animales, todo lo que tenían. Los paramilitares robaron todo lo que tenían los bases de apoyo y hasta quemaron casas. (…) Miles de bases de apoyo están sufriendo ahorita, desde 97 hasta a la fecha siguen desplazados, no tienen nada. Hay comunidades donde ya pueden trabajar un poco pero no todos. Pero sí resistieron los ataques, fueron muy fuertes los ataques porque había gente bien entrenada. (...) Los bases de apoyo aguantaron esos sufrimientos, esos ataques, pero también hubo bases de apoyo que no aguantaron (…), regresaron a su comunidad, a sus casas, admitieron en su mano del enemigo, pero la mayor parte ahí están todavía, siguen firmes en la lucha. Gracias a los hermanos y hermanas solidarias que apoyaron a los desplazados por eso aguantaron. Ahí vieron los bases de apoyo que en la lucha no están solos, vieron que hay muchos hermanos en otros países del mundo que están apoyando nuestra lucha. (…) Hubo bases de apoyo que se olvidaron de ese sufrimiento, aunque murió su esposo, su esposa, sus hijos. Algunos ya están en otro partido, hay otros que buscaron otras organizaciones, otros se fueron a otro lado porque la resistencia estaba muy dura, pero sólo fueron algunos” (Emiliano, integrante da Junta de Bom Governo, Caracol II Oventik, MAREZ San Pedro Polhó. Livro Escuelita “Resistencia Autónoma”, p.24-25).

De acordo com o centro de direitos humanos Frayba, as estratégias contra- insurgentes transcendem características militares e se modificam de acordo com a conjuntura. Este centro de direitos humanos caracteriza o processo como uma “guerra integral de desgastes”, no qual o governo utiliza-se de recursos econômicos, políticos e militares, tais como proteção e privilégios fornecidos a grupos comunitários e paramilitares opositores aos zapatistas; aplicação de recursos financeiros para aprofundar a fragmentação nas comunidades e cooptar as famílias rebeldes; implementação de programas assistencialistas; censura dos meios de comunicação; manutenção de um discurso ambíguo e vago em relação ao conflito. A esta postura do governo, deve-se agregar ainda os interesses explícitos de empresas transnacionais nas riquezas naturais do estado de Chiapas, os quais se encontram majoritariamente em territórios indígenas (Frayba, 2012a).

Entretanto, os discursos e testemunhos dos membros do movimento zapatista deixam claro que as agressões paramilitares e as ameaças militares e policiais não

impediram que a organização autônoma continuasse. Muito pelo contrário, milhares de bases de apoio zapatistas seguiram construindo um processo reivindicativo de suas formas de governo e avançando nos projetos comunitários autônomos de saúde, educação, produção, comércio, comunicação, etc. A estrutura das instituições autônomas zapatistas criadas para lutar por democracia, justiça e liberdade em seus territórios, será desenvolvida e explicada mais detalhadamente no próximo capítulo.