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PARTE II – NO CAMINHAR A BUSCA DE ABORDAGENS TEÓRICAS:

2 CONSCIÊNCIA ESPIRITUAL: UMA NECESSIDADE DE FORMAÇÃO

2.2 CIÊNCIA E TRANSDISCIPLINARIDADE

Os questionamentos feitos à ciência têm proporcionado novas possibilidades de compreensão do processo de constituição do conhecimento. Com a física quântica passamos a compreender o mundo a partir do princípio da incerteza e a reconhecer que o tempo não é linear.

Na nova Ciência, somos instigados a libertarmo-nos dos hábitos, dos condicionamentos, dos preconceitos e dos costumes e, levarmos mais a sério o mundo interno, da intersubjetividade.

A lógica da descoberta, na ciência, segundo Bachelard (1994), inclui desvendar o impensado, o inconsciente, o que se mostra nas realidades e que é eliminado nas ciências ditas

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O pensamento em destaque foi retirado da entrevista concedida pelo físico Goswami ao programa “Roda Viva” da Tv Cultura, em abril de 2006, sobre a discussão do tema “A Ponte ente Ciência e Religião.

exatas. Essa lógica conduz à percepção de que a ciência não se constitui em um pensar acabado, que apresenta um resultado ou uma explicação e, consequentemente, dá sua sentença de veracidade. Então, podemos afirmar que o ser humano ao pensar e agir na produção da ciência, conforme Japiassu (1982, p. 143), precisa “destruir o espírito científico, provocando relações entre as experiências vivenciadas por ele, indagando e repensando os conceitos e saberes e, conseqüentemente, pensando o progresso científico em termos de ruptura e consciência de retificação”.

O conhecimento científico constitui-se da interação dos sujeitos e do objeto a partir da qual entram em jogo as interpretações que causam o ato de ver, pensar, sentir, ser e estar num determinado contexto sócio-cultural. O conhecimento é constituído das percepções que somos capazes de realizar, do questionamento e articulação do que consideramos conhecer e do que desejamos conhecer.

Assim, a plausibilidade do conhecimento ocorre a partir da explicitação da diversidade de percepções do sujeito com relação ao objeto. Bachelard (1996, p. 14), sentencia, “para confirmar cientificamente a verdade é preciso confrontá-la com vários e diferentes pontos de vista. A veracidade do conhecimento e a plausibilidade da ciência encontram-se na ação dialética e não no processo linear que advoga uma duração particular e irrefutável.

Para Bachelard (1996, p. 10), o ato de conhecer somente ocorre se formos capazes de superar os obstáculos epistemológicos. Dessa forma, os obstáculos podem ser interpretados como resíduos de conceitos que tendem a impossibilitar as transformações e as ampliações das consciências e/ou das realidades. O senso comum é um dos obstáculos, o pensamento generalizante, o conhecimento unitário e pragmático, a impossibilidade de negação e contradição, o matematismo, a dogmatização e o próprio cérebro são elementos que podem impedir e/ou impossibilitar a articulação, a ruptura e a conexão entre o conhecimento sensível e o conhecimento racional. Por isso, de acordo com o mesmo autor (1996, p. 304) é preciso “inquietar a razão e desfazer os hábitos do conhecimento científico”.

Nessa perspectiva, fazer ciência e produzir conhecimento significa “colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão para evoluir” (BACHELARD, 1996, p.24).

Sendo assim, a ciência precisa ser constituída a partir da abordagem que concebe a realidade como multidimensional, com uma estrutura de múltiplos níveis. Como não há uma única realidade, não podemos conceber a realidade em um único nível; as realidades

apresentam-se em diferentes níveis. Por isso, quando fizermos ciência precisaremos saber dialogar com as realidades e seus níveis. As realidades se interconectam porque estão em diferentes níveis, ou seja, é na diversidade que ocorre a complementaridade.

Para Nicolescu (2000, p. 61), na visão transdisciplinar “um nível de realidade é aquilo que é porque todos os outros níveis existem ao mesmo tempo”. Por isso, nessa visão é proposto a verticalidade consciente e cósmica da passagem através de diferentes níveis de realidade. A finitude da fragmentação na ciência encontra-se, então, na capacidade humana de transcender e ampliar os diferentes níveis de realidade.

Segundo as concepções científicas atuais, a matéria está longe de se identificar com a substância. Assistimos, no mundo quântico, a uma perpétua transformação energia/substância/informação, o conceito de energia aparecendo como o conceito unificador: a informação é uma energia codificada, enquanto a substância é uma energia concretizada (NICOLESCU, 2000, p. 70)

É possível depreender, então, que os níveis de realidade estão ligados aos níveis de percepção. Ou seja, não possuímos na ciência verdades acabadas, mas possibilidades de compreensão e/ou passíveis probabilidades nos resultados das produções quantificáveis.

Uma metodologia transdisciplinar requer do pesquisador a capacidade de investigar os diferentes níveis de realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade. Para melhor compreendermos, o significado de cada um desses elementos da metodologia, explicitamos que: quando estamos falando em níveis de realidade estamos designando diferentes capacidades perceptivas que possuímos frente a um objeto ou fenômeno; a lógica do terceiro incluído significa a energia emanada entre as diferentes percepções; e a complexidade, terminologia que vem do latim, “complexus”, significa ‘aquilo que é tecido junto’, é a conexão e a diversidade das diferentes percepções e da energia. Vejamos a explicitação a seguir.

NÍVEL DE REALIDADE

Complexidade Complexidade

NÍVEL DE REALIDADE NÍVEL DE REALIDADE

ENERGIA

Figura 5 - Relação transdisciplinar

Inferimos, pois, que o todo, representado nesse quadro como ENERGIA, está nas partes, que são apresentadas pelo NÍVEL DE REALIDADE, bem como as partes (NÍVEL DE REALIDADE E COMPLEXIDADE) estão no TODO (ENERGIA).

A energia aqui, pode ser entendida como a “força” mobilizadora dos níveis de realidade. Por isso, ciência e conhecimento são processos ininterruptos de novas possibilidades de redescobertas.

Quando trazemos presente a energia como o terceiro incluído, estamos querendo dizer que na ciência, na ontologia, na epistemologia e na espiritualidade há o desconhecido que quer ser desvelado. De acordo com a afirmativa de Nicolescu (2000, p. 79), “[...] existe mesmo uma imaginatio vera, um imaginário fundador, verdadeiro, criador, visionário” a partir do qual, emerge a integração e a interconectividade entre níveis de realidade e níveis de percepção.

Assim, o desenvolvimento do homem, da ciência e das sociedades encontram-se na tríade relação entre sujeito-objeto-sagrado. O “sagrado” é a energia a ser desvendada em cada ser e através da qual asseguramos a harmonia entre sujeito e objeto. Também, podemos explicitar que o sagrado é a consciência que está em nossa consciência e, que quando conectadas nos fazem transcender, nos fazem sair da centralidade, do egocentrismo e da pura racionalização.

A realidade engloba o sujeito, o objeto e o sagrado, que são as três facetas de uma única e mesma realidade [...] A realidade reduzida ao sujeito gerou as sociedades tradicionais, que foram varridas pela modernidade. A realidade reduzida ao objeto leva aos sistemas totalitários. A realidade reduzida ao Sagrado leva aos fanatismos e integralismos religiosos. Uma sociedade viável só pode ser aquela onde as três facetas da realidade estejam reunidas de maneira equilibrada (NICOLESCU, 2000, p. 80).

Não podemos mais negar, em pleno século XXI, de que é necessário resgatarmos à ciência, a dimensão da espiritualidade para a dialetização entre o sujeito e o objeto de nossas investigações. É a espiritualidade que acena possibilidades ao conhecimento para constituir-se como processo capaz de dar sentido à existência humana.

A espiritualidade na ciência contribui para a construção de percepções que interconectam os níveis de consciência (racional, emocional e espiritual). Essa interconectividade é a possibilidade da ampliação em profundeza (do ser, do pensar, do sentir e do agir), na motivação e na proximidade com o centro (com as energias e com a Energia Cósmica).

Na interconexão, a profundeza do ser, pensar e agir, constitui-se da mobilização ao questionamento, da reflexão ao ato criador. Quando ampliamos a profundeza do Eu interior, avançamos nos níveis de percepção da relação inter e intrapessoal. Iremos redescobrindo-nos em nossos relacionamentos com o EU, com o OUTRO e com o INFINITO (o cósmico). As relações proporcionam ao sujeito entrar em contato com suas dimensões “luz e sombra”, com suas qualidades, potencialidades e com suas limitações (neuroses, medos,...). É no contato com essas dimensões que o sujeito se mobiliza para a transformação e para a transcendência.

A transformação, a ampliação das percepções e, consequentemente, a criação de novas realidades parecem ser possíveis quando o sujeito dispõe-se a estar aberto para o diálogo. Diálogo é o caminho para a constituição da compreensão e do conhecimento. Nessa perspectiva, nos permitimos “olhar para o EU, para o OUTRO e para o CÓSMICO sem julgamentos, preconceitos e egocentrismos. Para dialogar, precisamos seguir um princípio básico: a escuta. Quem sabe escutar raramente tem atitudes, ações e pensamentos agressivos ao eu, ao outro, com relação ao cósmico e ao ecológico.

Já, a profundeza do pensar, requer que possamos tanto aprender quando desaprender, conservar e inovar. Esse processo somente é possível se nos predispusermos a questionar nossos pensamentos, idéias, crenças, hábitos, costumes. Questionando, mobilizamos a construção e a desconstrução. Para tal, na profundeza do agir estarão as experiências da profundeza do ser e do pensar, ambas como mobilizadoras à tomada de decisões e à concretização de ações.

A motivação da atividade é uma necessidade humana, de modo que somente nos mobilizamos em direção a algo quando possuímos motivos. Os motivos acionam nosso querer, a partir do qual constituímos ações, idéias e pensamentos. Visto dessa perspectiva, de que o movimento constante da criação emerge da nossa motivação, necessitamos renová-la sempre.

Na proximidade com o centro (com as energias e com a Energia Cósmica), nós humanos encontramo-nos na transfiguração. Quanto mais procurarmos sentir as vibrações, a emanação energética dos encontros com o outro, do contato com a natureza, do toque, tanto mais haverá proximidade com a Energia Cósmica. Para a efetivação dessa proximidade não há caminho estabelecido e nem religião, cada sujeito constitui a sua experiência de forma diferenciada dos outros de sua relação. Com essa proximidade, o ser humano entra no processo de transfiguração, que é o deparar-se com sua personalidade para a retirada das “máscaras” (retirada das superficialidades, masoquismos, egocentrismos, dos apegos exagerados ao mundo material). Transfigurados nos tornamos seres de possibilidades!

Esses três pontos, profundeza (do ser, pensar e agir), motivação da atividade e proximidade com o centro, constituem a interconectividade dos níveis de consciência e permitem a ampliação da inteligência espiritual.

Nessa perspectiva, Zohar e Marshall (2002, p. 293), apresentam etapas concretas para a obtenção de uma maior inteligência espiritual, são elas:

• Tornar-me consciente de onde estou agora; • Sentir fortemente que quero mudar;

• Refletir sobre onde está o meu centro e sobre as minhas mais profundas motivações;

• Identificar e eliminar obstáculos;

• Examinar numerosas possibilidades de progredir; • Comprometer-me com um caminho;

• Permanecer consciente de que são muitos os caminhos.

Ao experienciarmos essas etapas concretas do desenvolvimento da consciência espiritual, estaremos permitindo o processo de transdisciplinaridade e, consequentemente, a unicidade entre ciência e espiritualidade.

Ao refletirmos acima sobre os elementos teóricos que fundamentam ciência e espiritualidade, consideramos necessário apresentar a Pedagogia como ciência da educação, numa abordagem paradigmática do método dialógico e hologramático.