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PARTE II – NO CAMINHAR A BUSCA DE ABORDAGENS TEÓRICAS:

1 CONSCIÊNCIA SOCIAL: UMA NECESSIDADE DE FORMAÇÃO

1.1 LINGUAGEM E PENSAMENTO: A AÇÃO COMUNICATIVA

A existência humana configura-se a partir da linguagem, dos desejos e das necessidades. Através de sua ação comunicativa e em resposta às suas necessidades o ser humano produz os bens materiais e os não-materiais. Tanto o mundo material quanto o não-material são constituídos como processos dependentes, pois as necessidades dos seres humanos assim as gestam. É possível inferir, então, que os sujeitos, na busca constante pela sobrevivência, constituem o mundo da linguagem e o mundo cultural, sendo ambos oriundos de sua ação, de sua maneira de pensar, agir, produzir e viver.

Nessa dinâmica, o cultural e a linguagem presentificam-se na história da humanidade porque são comunicadas às gerações vindouras. Dessa comunicação ocorre o elo dialético entre passado, presente e futuro: ou seja, a partir das ações educativas as concepções gestadas na e pela humanidade, são comunicadas de um ser ao outro. Pela educação é possibilitado aos sujeitos o diálogo entre as experiências do mundo interior e do mundo exterior, tornando-os seres dialéticos. Conforme Freire (1997, p. 28), “[...] o homem não é uma ilha, é comunicação”.

A capacidade comunicativa da espécie humana possibilita a construção e a reconstrução constante do saber, do pensar, do modo de reproduzir, de viver e de organizar a sociedade. A ação humana frente ao mundo da linguagem, possibilita-lhe a constituição de diversificados conhecimentos, experiências e saberes. Por isso, é possível afirmar que a linguagem e a educação de cada época marcaram e marcam profundamente a cultura e a estrutura organizacional das sociedades, bem como, o desenvolvimento dos sujeitos.

Sabemos, também, que ao desenvolver o conhecimento os sujeitos históricos construíram os “meios” para a aquisição de saberes, de tal forma, que as experiências, a linguagem e a cultura dos sujeitos acabaram “enquadrando-se” a um único modelo de produção do conhecimento. Sendo assim, a partir do momento em que os saberes da espécie humana precisaram passar pelo processo de instrumentalização para constituírem-se como conhecimento plausível, a subjetividade e a intersubjetividade humana foram deixadas à margem do processo. Nessa perspectiva, a educação institucional promoveu o ensino-

aprendizagem através da concepção da racionalidade instrumental, tornando-se o espaço transmissor de informações e de conhecimentos estabelecidos.

Vygotsky (1998, p. 62) sublinha que “[...] o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural [...]”. Isso significa que a linguagem expressa o pensamento dos sujeitos da relação, como também possibilita a organização desse pensamento. Para tanto, as instituições educacionais formais precisam proporcionar o conhecimento que é constituído a partir das relações que o ser humano estabelece com o seu entorno, bem como, através das experiências que vivencia. Na troca entre os sujeitos, as interpretações emergem e delineiam os diferentes modos de ver, pensar, sentir, conceder, ser e estar no mundo.

Nesta dimensão, de que somos uma consciência e vivemos com o outro, somos, então, o outro, o mundo, as experiências e a linguagem. Enfim, “Eu” sou o outro e o “Outro” sou eu, manifestando-se dialeticamente através da fala, dos gestos, dos movimentos, da comunicação, da compreensão, do pensamento e da ação. Cabe à escola, então, recuperar a riqueza da palavra, do gesto e da ação vivida.

De acordo com Gadamer (2000, p. 124), “o falar não pertence à esfera do eu, mas à esfera do nós”. Por isso, o diálogo passa a revelar-se como um jogo, através do qual os sujeitos descobrem e criam os sentidos e as estratégias, para saber compreender e comunicar-se com o mundo, com o outro e com o pensamento. É disso que surge a diversidade de interpretações, de compreensões e de pensamentos.

Neste sentido, precisamos, enquanto espaços educativos, promover a mobilização do pensamento, o contato com o estranho a partir da linguagem e de experiências dialógicas capazes de gestarem a comunicação vivencial, ontológica e epistemológica. Dessa forma, é proporcionada a consolidação da linguagem e, consequentemente, a sua transformação. Por isso, a linguagem é diálogo, processo que conecta a subjetividade e a objetividade e, constitui a compreensão do conceito, da palavra, do pensamento e da ação.

McLaren (2000), ao caracterizar a linguagem como uma prática humana e culturalmente organizada, explicita que ela nunca age por conta própria. A linguagem, como ato coletivo, determina como o sujeito deve pensar sobre suas experiências e o tipo de ação social que deve escolher. Do mesmo modo, a instituição educacional deve levar a sério a constituição do conhecimento por meio da linguagem e da experiência.

A linguagem constitui-se com sentido e passível de ser compreendida quando possui junto de si as experiências sócio-culturais. Para tanto, nossos espaços educacionais precisam estar

atentos às diferentes expressões humanas para investigá-las e, assim, constituir a compreensão de como se processa o pensar do sujeito sobre os objetos, sobre os sujeitos e outros elementos contextuais de seu cotidiano. Isso tudo para que se possa permitir a comunicação entre os sujeitos e o desenvolvimento ontológico, epistemológico, social e cultural dos mesmos.

É importante pontuarmos que nestes últimos tempos, de acordo com Habermas (2000), o pragmatismo, a fenomenologia e a filosofia hermenêutica levaram as categorias da ação, da fala e da convivência cotidiana a um nível epistemológico. De tal modo que, passamos a compreender a racionalidade como um processo da descentração do sujeito e do objeto, ou seja, começamos a sentir a necessidade de constituirmos a passagem da teoria da consciência para a da comunicação.

Na tese habermasiana, a linguagem torna-se um meio de interação social. Assim, para a Teoria da Ação Comunicativa13 a racionalidade é constituída a partir da comunicação entre os sujeitos. Tanto que esse processo é possível a partir dos atos de fala, da linguagem intencional do sujeito e do seu mundo da vida. Para Habermas (2000, p. 476) o mundo da vida divide-se em cultura, sociedade e personalidade. Então os conceitua:

Denomino cultura o acervo de saber que se suprem com interpretações suscetíveis de consenso aqueles que agem comunicativamente ao se entenderem sobre algo no mundo. Denomino sociedade (no sentido estrito de um componente do mundo da vida) as ordens legítimas a partir das quais os que agem comunicativamente, ao contraírem relações interpessoais, criam uma solidariedade apoiada sobre pertenças a grupos. Personalidade serve como termo técnico para designar competências adquiridas que tornem um sujeito capaz de falar e agir, pondo-o em condições de participar de processos de entendimento em um contexto sempre dado, e de afirmar sua própria identidade em relações de interpretações mutáveis.

Da interação intersubjetiva é necessário conceber a racionalidade como processo concretizado na história, na sociedade, no corpo e na linguagem. Nesse sentido, os interlocutores da prática educativa, em suas linguagens e intencionalidades merecem uma maior atenção e interpretação para serem constituídos processos pedagógicos condizentes com a realidade dos sujeitos.

13

A Teoria da Ação Comunicativa é a tese habermasiana, que parte de uma ontologia onde existem sujeitos- atores dotados de capacidade lingüística. Em que a linguagem é o “médium” que permite estabelecer relações entre o sujeito e o mundo.

Nessa perspectiva, a educação institucional tem o dever de rever sua concepção de ensino- aprendizagem, a qual, ainda, enfatiza a racionalidade instrumental. É mister que o espaço escolar assuma o processo pedagógico como promotor do diálogo entre o conhecimento científico e a linguagem dos alunos, de modo que aprender, passe a ser possível porque há a possibilidade do diálogo. A aprendizagem deixa de ser um simples processo de apreensão e assimilação e, torna-se uma construção permeada pela ação comunicativa dos sujeitos.

O conhecimento e a aprendizagem, na Teoria da Ação Comunicativa, deixam de ser efetuados, segundo a dimensão teolológica, a qual requer sempre a constituição de um produto final ou a formulação de um único conceito, para serem constituídos pela dimensão hermenêutica. Dimensão pela qual, a aprendizagem é caracterizada a partir do estudo, da pesquisa, da discussão e da interação dos diferentes atos de fala que os sujeitos trazem de seus contextos vividos e, que torna possível a apresentação e a representação de formas interpretativas, de maneiras de conceituar, de compreender os fenômenos e os saberes.

Por isso, é necessário que os espaços educativos possam recriar as abordagens e concepções referentes à aprendizagem e à linguagem, de tal forma, que a linguagem dos sujeitos possa tornar-se um elemento a ser investigado pelo professor, para que, metodologicamente, seja favorecido o entendimento, o esclarecimento e a constituição do conhecimento. Neste sentido, cabe, preferencialmente, à escola e ao professor a função de recuperar a palavra dita e não-dita através do diálogo. Como enfatiza Gadamer (2000, p. 59), “É no falar e no falar um com o outro que se constrói o mundo e a experiência do mundo humano [...]”.

A práxis pedagógica precisa proporcionar aos sujeitos a discussão da linguagem comunicada e a reflexão das diferentes interpretações que emergem do diálogo. A partir da ação comunicativa o pensamento, o contexto sócio-cultural e as aprendizagens tomam novas proporções e direções. Assim, passamos agora a refletir sobre a aprendizagem e o sujeito.