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PARTE II – NO CAMINHAR A BUSCA DE ABORDAGENS TEÓRICAS:

1 CONSCIÊNCIA SOCIAL: UMA NECESSIDADE DE FORMAÇÃO

1.2 O SUJEITO E A APRENDIZAGEM

Presenciamos, atualmente, em muitas das instituições educativas, que a aprendizagem continua sendo caracterizada como um mero processo de assimilação. Mesmo diante de um contexto sócio-cultural com novas exigências a escola, ainda, permanece distante da

possibilidade de proporcionar a aprendizagem que permita ao sujeito a autonomia do pensamento e da ação.

Herdeiros do processo, constituído nos séculos dezesseis e dezessete, a era da razão, passamos a reproduzir nos espaços educativos, de modo especial nas escolas, a separação entre aquele que conhece, aquele que precisa conhecer e o conhecido. De posse dessa visão epistemológica, a aprendizagem passou a ser concebida como um processo, demasiadamente, dependente do ensino, da transmissão e da assimilação. Essa concepção sempre relegou as experiências cotidianas dos sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem.

A concepção reducionista, cartesiana-newtoniana, que concebe o conhecimento constituído pela humanidade como única verdade a ser estudada e aprendida, não permite que o mundo da vida se institua como um saber a ser estudado, analisado, discutido e pesquisado. Tanto que, para aprender, basta ao sujeito o agir sobre o objeto. Nesse sentido, a aprendizagem passa a significar o processo de aquisição e acúmulo de informações.

Essa abordagem é de muitas formas uma anulação à imaginação, à inteligência e à linguagem humana, de modo que os sujeitos, simplesmente, aprendem somente a representar a partir dos conceitos adquiridos do pensamento racional e preciso. Esse processo, como esclarece Kincheloe (1997, p. 32), “produz não somente uma congregação de respostas dadas, corretas e nervosas e tímidos seguidores de regras, mas também um nível medíocre de educação [...]”.

A ênfase dada à linguagem científica e sua aprendizagem, em nossas práticas pedagógicas, precisa ser transformada. Metodologicamente, é necessário assumir o processo que possibilita a comunicação da linguagem da vida em dialeticidade com a linguagem científica. A aprendizagem adquire, nessa perspectiva, uma nova dimensão, a qual passa a ser caracterizada pela investigação subjetiva e intersubjetiva que tem o intuito de constituir compreensões das interpretações efetuadas no processo.

Nesse contexto, a aprendizagem proporcionada na instituição escolar, requer do educador a capacidade de organizar e possibilitar um processo favorável à ação, à experimentação, à reflexão e ao intercâmbio entre a cultura científica, a cultura experienciada e as linguagens dos sujeitos. Nesse enfoque, não poderemos mais conceber a aprendizagem como um processo que é oriundo simplesmente do ensino.

Somos acostumados, pedagogicamente, a acreditar que somente há aprendizagem quando há algum adulto ou alguém que assume o papel de ensinar. O aprender acontece em qualquer circunstância e a qualquer momento, desde que haja relação entre sujeito-objeto-sujeito. Por

isso, a função do educador, no processo da aprendizagem, consiste em promover, possibilitar o confronto entre experiências e linguagens cotidianas em relação ao saber elaborado.

De acordo com a teoria Vygotskyana (1998), o desenvolvimento cognitivo é mediado pela interação que o sujeito estabelece com seu mundo cultural e com o outro. É na interação com o mundo social e com o outro que o sujeito constitui-se como ser possuidor de uma linguagem própria e ao mesmo tempo coletiva. Esse sujeito cognoscente é capaz de pensar porque a linguagem e o seu mundo exterior possibilitam a ação comunicativa. A relação que estabelece com o universo exterior proporciona-lhe os signos para constituir o pensamento.

Assim, o desenvolvimento do pensamento somente é possível quando o mundo exteriorizado passa a ser interiorizado pela ação reflexiva do sujeito. A inteligência não se manifesta somente pelo processo biológico do desenvolvimento humano, mas pela capacidade do sujeito cognoscente de transformar e de representar o mundo exterior, vivido, e experienciado em idéias, concepções, conceitos e ações. Neste sentido, Vygotsky (1998, p.63), clarifica que “[...] o crescimento intelectual da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem”.

A teoria vygotskyana apresenta dois níveis pelos quais perpassa o desenvolvimento cognitivo: o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial ou proximal. O nível de desenvolvimento real é “o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento completos”. Já a zona de desenvolvimento potencial é “determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em elaboração com companheiros mais capazes” (VYGOTSKY, 1998, p.111-113). Conforme a análise de Rego (1995), o nível de desenvolvimento real refere-se àquelas conquistas que já estão consolidadas, as capacidades aprendidas e que o sujeito domina. A zona de desenvolvimento potencial ou proximal, refere- se àquilo que o sujeito é capaz de realizar, mas com a ajuda de outro. Esse processo explicita que o sujeito em suas inteirações vai adquirindo habilidades e competências para constituir os saberes.

Nesta perspectiva, o ensinar14 perde o sentido terminológico, apresentado pelo dicionário, da doutrinação e do adestramento. O ensinar passa a ser um processo interdependente e dialético com o processo do aprender. Ao mesmo tempo, que se está aprendendo na relação com o outro, também, se está ensinando. Na escola não é somente o professor que ensina, mas

14

O termo ensinar significa instruir; doutrinar; educar; estimular e dirigir a formação de (o homem); castigar; adestrar. (FERREIRA, 1988)

todos os envolvidos no processo. Ensinar é caracterizado como processo possibilitador de trocas, de desafios, de reflexões e comunicação das experiências e dos conceitos.

O grupo social e cultural reflete, então, as experiências do cotidiano que se tornam fontes primordiais para a aquisição dos primeiros conceitos. Qualquer situação de aprendizado com o qual o aluno se defronta na escola, tem sempre uma história prévia que deve estar articulada com sua linguagem e capacidade interpretativa. Essa ação de promover a articulação cabe ao educador.

Por isso, é necessário desconstruirmos o modelo clássico de ensino-aprendizagem para constituirmos em nossas escolas o processo possibilitador da construção do conhecimento, o qual é possível mediante a ação dos sujeitos, que ao interagirem, a partir do mundo da linguagem, elaboram seus conceitos, suas indagações, dúvidas e hipóteses em relação ao objeto do conhecimento. A aprendizagem passa a ser constituída pelo sujeito com e no coletivo e, as linguagens interconectam-se para construírem a compreensão.

Brandão (2002, p. 294), afirma que “não somos o que somos, mas somos o que aprendemos a ser a cada instante da vida”. O aprender é uma necessidade existencial e de sobrevivência. Não se aprende para, simplesmente, saber algo, mas para recriar a vida, a cultura, as experiências, os pensamentos e as ações. Aprendemos para nos recriarmos.

A aprendizagem não pode ser concebida como uma “colcha de retalhos”, processo em que vamos juntando pedaços novos aos pedaços velhos ou, justapondo, conhecimentos novos aos velhos. O processo da aprendizagem requer que façamos rupturas com os conceitos e conhecimentos velhos, nunca os desmerecendo, a fim de dar espaço à criação de novas possibilidades de compreender o mundo.

Essa complexa rede exige que tenhamos capacidade para romper com os diferentes obstáculos epistemológicos. Conforme Bachelard (1999), os obstáculos que necessitamos superar podem ser caracterizados pelo senso comum, pela tendência à generalização, dogmatização, matematização dos processos, dos objetos, das experiências.

Por isso, aprender não é assimilar as respostas corretas, mas passa a ser sinônimo de pesquisa, de constituir possibilidades de como lidar com os problemas e com as incertezas. Para desenvolver essa ação, faz-se necessário conhecer as múltiplas linguagens que emergem no espaço educativo, para que assim, seja possível a socialização das interpretações e o ‘desmascaramento’ das dimensões políticas ocultas que as envolvem.

A aprendizagem, como afirma Brandão (2002), é um processo interminável, imprevisível e sempre inovador. Para que isso ocorra, a instituição educacional há de ser um lugar em que

haja experiências de partilha de sentidos e afetos, capazes de ressignificar a aprendizagem, a cultura, a existência e as relações.

Assim, é desafiador para o processo educacional a aprendizagem do saber viver com os outros, o desenvolvimento integral do sujeito, sua transformação e sua humanização. Movimento, esse, que envolve a educação popular como alicerce necessário para gestar as rupturas, as conexões e proporcionar a recriação.

Na visão holística, conforme Yus (2002), é necessário que os sujeitos construam todo tipo de conexões para que a aprendizagem possa possibilitar o desenvolvimento integral. Essas conexões devem se dar nas relações entre pensamento e intuição, entre mente e corpo, entre domínios de conhecimento, entre eu e comunidade, entre indivíduo e Terra, entre eu e Eu.

A aprendizagem presentifica-se a partir da preocupação com os problemas sociais, da conexão crítica da cultura científica e da cultura popular, da necessidade humana de criar e recriar valores e da possibilidade de constituir intervenções e transformações intra, inter e transpessoais. A aprendizagem pois, é constituída pela autenticidade de nossas opções políticas, antropológicas, epistemológicas e sócio-culturais. Visto, que essa dimensão nos desafia para a sensibilização do ontológico e do existenciário na educação, apresentamos a seguir propostas pedagógicas para o desenvolvimento da consciência social.

1.3 AÇÕES PEDAGÓGICAS PARA AMPLIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA