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Ciberespaço é um termo criado por William Gibson em seu romance de ficção científica Neuromante. O escritor utilizou o termo para descrever o universo das redes digitais, ao ambiente virtual criado com a conexão das redes de computadores. Levy (1999) define o ciberespaço como sendo um “[...] espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (p. 92). O autor vislumbrou ainda no final do século passado, que o ciberespaço se tornaria o principal meio de comunicação global na medida em que a “[...] digitalização geral das informações provavelmente tornará o ciberespaço o principal canal de comunicação e suporte de memória da humanidade a partir do início do próximo século” (LEVY, 1999, p. 93). Essa visão futurista de Levy pode ser encontrada nas intenções da Google, por meio do Projeto

21 WÜNSCH, Felipe Ribeiro. Perspectivas da música digital: qual o rumo para a indústria fonográfica?

Biblioteca, que visa disponibilizar por digitalização todos os livros publicados, além de disponibilizá-los tanto para pesquisa quanto para download, em alguns casos22.

Esse espaço de interação e manifestação sustentado pela Internet, o ciberespaço, é compreendido por Rheingold (1996) como sendo “[...] o nome por vezes usado para designar o espaço conceptual onde se manifestam palavras, relações humanas, dados, riqueza e poder dos utilizadores da tecnologia de CMC [Comunicações Mediadas por Computador]” (p. 18). Nota-se nas palavras de Rheingold que o ciberespaço é um local no qual as pessoas poderiam se socializar e trocar informações, onde os limites geográficos não seriam barreiras para que acontecessem as trocas de subjetividades. Vale lembrar que somente com os avanços tecnológicos oportunizando a expansão da Internet, foi possível ampliar a criação de novas comunidades virtuais “[...] em virtude da quebra das barreiras espaciais e temporais proporcionadas pelas redes de computadores” (GOZZI; MIZUKAMI, 2008, p. 138).

Rheingold foi um dos primeiros a perceber que essas novas formas de relacionamento no ciberespaço, definidas por ele como comunidades virtuais, seriam, por um lado, um espaço importante para a troca de conhecimento e, por outro, como extensões dos relacionamentos presenciais. Em sua definição, as comunidades virtuais “[...] são os agregados sociais surgidos na Rede, quando os intervenientes de um debate o levam por diante em número e sentimento suficientes para formarem teias de relações pessoais no ciberespaço” (RHEINGOLD, 1996, p. 18).

Estas considerações permitem entender que o ciberespaço confere outros sentidos ao conhecimento. O caráter virtual de textos, imagens, sons, passam a se desenvolverem nas condições de que estes são colocados em movimento. É o movimento que faz com que os conhecimentos sejam produzidos durante os trajetos e as viradas presentes no ciberespaço. Assim, as participações dos sujeitos produzem diferentes direções para os conteúdos e formas musicais, especificamente. Entender a virtualidade com esse sentido representa uma complexidade aos antigos suportes e modos de fazer, apreender e ensinar música.

A expansão da Internet por meio dos avanços tecnológicos permitiu a exploração de outra maneira cognitiva de entender o ciberespaço e a criação de comunidades virtuais afetou

22 Informação disponível em: < http://books.google.com/intl/pt-BR/googlebooks/agreement/#1 >. Acesso em: 26

a relação dos sujeitos com a produção de conhecimento. Levy (1999) classifica as comunidades virtuais como um dos princípios que orientaram o crescimento inicial do ciberespaço (p. 127), um espaço onde sua realização acontece pela interação e manifestação constante entre seus participantes.

De forma parecida, Tajra (2002) define essas comunidades como um ambiente contendo “[...] pessoas com escala de valores comuns, interesses comuns, autonomia e relações democráticas” (p. 34), sendo mantido pela coletividade por uma construção coletiva, de sua autopoiese além das relações sociais transversais. A autora ainda destaca nas comunidades virtuais o fato desses espaços promoverem a descentralização do poder, contando com a participação efetiva dos participantes que, além de gerarem conhecimentos, constroem os seus próprios espaços (p.35).

As autoras Palloff e Pratt (2002) avançam um pouco mais na discussão sobre as comunidades virtuais definindo quais as ferramentas utilizadas pelos participantes para que ocorram as trocas de informações e interações. Essas ferramentas podem ser “[...] e-mails, fóruns eletrônicos de discussão, quadros de avisos eletrônicos, serviços pagos por utilização e, finalmente, chats [...]” (PALLOFF; PRATT, 2002, p. 59).

Para elas, existem algumas regras implícitas de convivência nesses espaços, pois as convenções de uma relação face a face não acontecem em uma comunidade on-line. Tudo precisa ser esclarecido abertamente e os que quiserem participar necessitam estar de acordo com as regras estabelecidas pelo grupo. Assim, deverá ser feito um acordo sobre a forma de interação e quais são os objetivos que ajudarão na continuidade do grupo (PALLOFF; PRATT, 2002, p. 48), evitando assim o desaparecimento da comunidade. Dessa forma, é importante a inclusão de acordos ou regras para a sobrevivência de uma comunidade virtual.

Para Levy (1999) esse acordo é denominado Netiqueta, ou seja, um conjunto de normas de conduta para os espaços, referindo-se principalmente à pertinência das informações. Por exemplo, se a postagem de uma informação está no local certo, a publicidade comercial é desencorajada em todos os fóruns eletrônicos, e os ataques pessoais ou argumentações pejorativas para qualquer pessoa não são permitidos. Por outro lado, salvo essas exceções, a liberdade de pensamento é encorajada, sem qualquer tipo de censura (p. 128).

Situações semelhantes motivaram a criação de regras mais eficazes para problemas relacionados à pertinência de determinadas informações e propaganda gratuita no espaço do

Violão.org. Fábio Zanon comenta uma passagem que foi determinante para a elaboração de

uma regra que proibisse os links ou mensagens relacionadas à pirataria de material protegido por direitos autorais.

Desde 2000, 2001, eu já tinha fechado completamente a questão a respeito de se compartilhar material copiado ou pirateado em aberto. Lembro de um incidente particularmente desagradável em que alguém abriu uma mensagem pedindo uma cópia do Tema e Variações de Berkeley, e a mensagem foi lida pelo Gilardino, que era o editor chefe da companhia que publica essa música. Então, para evitar incidentes desse tipo, foi a regra mais rigorosa desde o início, do contrário é evidente que o fórum ia virar um mercado de xerox e pdf e ia acabar rapidamente (Fábio Zanon, 2010)23.

Ainda, em outra passagem citada por Ricardo Dias:

[...] após o belo tópico onde o Wellington Polegario fotografou seu processo de construção e sorteou o instrumento construído entre os membros, diversos luthieres quiseram fazer o mesmo. Precisamos disciplinar o tema, sob pena do fórum acabar, soterrado com gente querendo publicidade qualificada. (Ricardo Dias, 2010)24.

Nessa perspectiva de relevância das informações, ao definir os princípios das comunidades virtuais, Levy (1999) argumenta que uma norma “[...] é construída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca [...]” (p. 127). A formação dessas comunidades virtuais parte de um conhecimento anterior de seus criadores e a participação de outras pessoas nesses espaços vem na forma de ampliação de seus conhecimentos sobre o assunto:

23 FÁBIO ZANON. Re: Dados estatísticos. Mensagem recebida por < adelsonscotti@yahoo.com.br >. Data de

recebimento: 01 jan. 2010.

Os seus membros buscam outras informações significativas, que contribuam para o seu conhecimento a respeito de determinado tema, mas isso não se desvincula da sua formação cultural, social ou religiosa. As informações que cada sujeito busca através das trocas nas comunidades virtuais estão intimamente relacionadas aos aspectos relevantes da estrutura de conhecimento de cada pessoa (BRAGA; TENÓRIO, 2008, p. 198).

As comunidades virtuais possuem potenciais enquanto objeto de estudo e de investigação científica. Gohn (2008) alerta que essas comunidades se configuram como uma grande fonte de pesquisa. Nesse sentido, chama a atenção dos pesquisadores para novos estudos e destaca sua importância para o campo da Educação Musical. Gohn apontou três tendências configuradas a partir desses espaços: o contato com as novas músicas, a formação de comunidades com interesses comuns e a criação de uma nova ferramenta na formação de professores.

Na área musical, o autor elencou algumas pesquisas desenvolvidas utilizando as comunidades virtuais e fez um breve relato do Projeto Tonomundo mostrando seu potencial de pesquisa (GOHN, 2008, p. 117). Segundo ele, ainda são poucas as pesquisas relacionadas às comunidades virtuais e à música, e esse quadro somente mudará na medida em que houver uma conscientização maior entre esses professores, pois a sua participação “[...] em comunidades virtuais de aprendizagem, além de capacitar com os assuntos discutidos, promove uma aproximação desse universo e certamente pode germinar a inspiração para outros projetos” (GOHN, 2008, p. 117).

A partir desse panorama, é possível perceber qual o universo virtual no qual o

Violão.org está inserido. É possível ainda fazer um paralelo com outros fóruns de música que

também tratam sobre a temática do violão como, por exemplo, o Brazilian Guitar Fórum e o Delcamp, ambos frequentados por diversos membros do Violão.org, e perceber como esses espaços criam suas próprias regras como forma de permanecerem ativos e úteis a seus frequentadores.

O Brazilian Guitar Fórum tem como objetivo a troca de informações sobre o violão popular. Seus debates podem ocorrer em dois idiomas, português e inglês, em locais distintos dentro do fórum. Na página inicial de apresentação é informado aos seus visitantes que “Este

é o fórum geral de debates sobre o violão popular instrumental brasileiro”25, esclarecendo de imediato quais os assuntos que serão abordados no fórum.

Já o fórum Delcamp pode ser acessado nos idiomas espanhol, inglês, italiano e francês. Dentre suas intenções de abordagens sobre o violão clássico está a discussão da temática e a disponibilização de partituras e gravações de músicas em formato MP3 de seus próprios membros. No entanto, as regras de participação e acesso a essas partituras e gravações são muito rígidas. Por exemplo, é preciso ter uma quantidade determinada de postagens válidas, que buscam informações concretas para ter acesso a essas partituras e gravações, não sendo possível postar qualquer informação apenas para contar como número para ter acesso a esse conteúdo, pois a moderação tem a função de conferir e avaliar as informações postadas, para aí sim liberar o conteúdo. Ainda na página de apresentação, é informado aos usuários sobre a quantidade mínima de postagens mensais sob pena de serem excluídos do fórum26.

Diferentemente, o Violão.org destina-se somente às discussões relacionadas ao violão clássico e acontece basicamente em língua portuguesa. As mensagens postadas em outro idioma, por exemplo, inglês ou espanhol, permanecem no mesmo local das outras mensagens em português, e suas respostas são dadas na língua em que o membro achar conveniente. O domínio da língua no espaço do fórum não é o problema para muitos de seus membros, mas, na falta do domínio, o membro pode utilizar ferramentas de tradução disponíveis em diversos sites27 para acompanhar as postagens.

As regras estabelecidas no Violão.org são mais brandas do que as do fórum Delcamp com relação à participação de seus frequentadores, não lhes causando nenhuma penalidade pela ausência prolongada nos debates. Por outro lado, os assuntos relacionados à distribuição de materiais protegidos por direitos autorais são expressamente proibidas e a inclusão de qualquer link capaz de baixar esses materiais, é imediatamente editada pela moderação.

25 Disponível em: < http://brazilianguitar.net/ >. Acesso em: 01 jul. 2010.

26 Disponível em: < http://www.delcamp.com.es/index.php >. Acesso em: 01 jul. 2010.

27 Atualmente podemos encontrar diversos sites para tradução instantânea, bastando para isso copiar o conteúdo

a ser traduzido, colar em uma área específica e escolher o idioma para tradução. Um exemplo de site é o Google Tradutor, disponibilizado em: < http://translate.google.com.br/?hl=pt-BR&tab=wT# >. Acesso em: 10 ago. 2010.

Portanto, é possível perceber como são diferentes os caminhos de como esses fóruns abordam sobre o instrumento, da mesma forma como esses espaços são livres para estabelecerem critérios em suas regras para que o bom andamento de suas atividades no dia a dia prevaleça.

Desse modo, não é difícil vislumbrar o potencial oferecido pelas tecnologias para o acesso facilitado à produção e práticas musicais tendo como fundamento que o pensamento e a prática educativo-musical são complexos. Na medida em que se verifica que a sociedade contemporânea, nas últimas décadas está modificando os modos da escuta musical, da produção e difusão do conhecimento, avalia-se que a educação musical pode se desenvolver com o uso de tecnologias no ciberespaço. As comunidades virtuais com os recursos e materiais disponíveis na rede podem ter grande significado para a prática e aprendizagem de música nos dias atuais.

A partir dessas abordagens o segundo capítulo dará ênfase ao Violão.org. A intenção é a de conhecer e dar visibilidade ao fórum no que diz respeito às suas origens, regras, estrutura, características técnicas, tópicos e links de vídeos. Por meio do fórum serão estudados os saberes e processos de apreensão/transmissão da música compreendendo-os no contexto de uma comunidade do ciberespaço.

CAPÍTULO 2

O FÓRUM Violão.org

Nesse capítulo apresenta-se o fórum Violão.org. Há uma descrição sobre sua origem, regras, dados estatísticos e caracterização sobre questões técnicas, a fim de mostrar a facilidade de acesso e organização das informações acessadas diariamente. Concluindo o capítulo são feitas observações sobre os links de vídeos disponibilizados pelos participantes do fórum.