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2 PARTE II – DE QUEM É O PROBLEMA?

3.5 CICLO ANTIPROIBICIONISTA

Manejando referências de muitos outros ciclos, dando-lhes novos sentidos, negando-lhes ou ratificando-lhes, os sujeitos envolvidos no ciclo antiproibicionista defendem a regulação estatal de transações como produção, beneficiamento e circulação de maconha. Quanto ao consumo, geralmente mostram-se liberais, demonstrando uma perspectiva de direito que empodera o indivíduo no governo de seu próprio corpo.

Além de argumentos legalistas, os sujeitos do ciclo antiproibicionista se apoiam bastante em novos argumentos do ciclo médico-científico que vem sofrendo significativas alterações desde os anos 1960, como atestam os estudos de Elisaldo Carlini, professor e pesquisador de Psicofarmacologia, que reconhece a atual normatização sobre a maconha como tendo sido estabelecida com base em preconceitos e mentiras que têm gerado mais problemas que o próprio

pequena quantidade de maconha, vai preso por um bom tempo, como a maioria absoluta dos presos por tráfico” (SOUTHIER, 2016, p. 86).

56 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=319638>. Acesso em: 22 de ago. 2016.

consumo da substância (apud MARCOLIN, ZORZETTO, 2010). Apesar dessa constatação, Carlini e alguns de seus colegas atualmente interessados pelo tema refutam a hipótese de legalizar o consumo recreativo da planta, defendendo alterações muito específicas na legislação nacional. Segundo Carlini (2005), o panorama nacional do debate médico-científico sobre a maconha começou a mudar nos anos 1960 a partir de pesquisas iniciadas em São Paulo com o objetivo de identificar e medir efeitos da planta por meio de experimentos em animais. Os estudiosos ligados à Escola Paulista de Medicina (atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP) passaram a difundir resultados de investigações que apontam benefícios desta planta para a saúde humana.

Retomando a análise de trajetórias pessoais, apresenta-se um derradeiro personagem do ciclo médico-científico: Elisaldo Carlini. Nascido em 1931, Carlini iniciou os estudos na Escola Paulista de Medicina em 1952, formou-se médico cinco anos mais tarde e partiu para os Estados Unidos em 1960 para realizar mestrado na Universidade de Yale. De volta ao Brasil, em 1964, trabalhou em algumas instituições até assumir em 1970 o posto de professor e pesquisador da Escola em que se formou (a atual Faculdade de Medicina da UNIFESP). Ao lado de seu antigo mestre de Farmacologia, José Ribeiro do Valle (também estudioso da maconha), Carlini passou a lecionar o que era então uma novidade: Psicofarmacologia. Além de aulas, ele desenvolveu e orientou inúmeras pesquisas; podendo-se gabar de coordenar o grupo que entre os anos 1970 e 1980 publicou mais de 40 trabalhos sobre maconha em revistas científicas internacionais (CARLINI, 2005). Os laços de cooperação que possibilitaram esta importante produção acadêmica deram origem ao Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) nos anos 1980, sob direção de Elisaldo Carlini.

Dentre as descobertas possibilitadas pelas pesquisas do grupo ligado à UNIFESP, cabe destacar alguns aspectos mencionados por Carlini (2010) para apontar possíveis efeitos positivos da administração de cannabis no tratamento de problemas de saúde:

 redução de dores, náuseas e vômitos decorrentes de quimioterapia;

 tratamento da caquexia (perda exagerada de peso decorrente da inapetência) em pacientes de AIDS e diversos tipos de câncer.

Além dos efeitos assinalados por Carlini (2010), Malcher-Lopes (2014) destaca aplicações eficazes no tratamento de autismo e epilepsia, bem como outros médicos têm observado o papel auxiliar da maconha em terapias de substituição a opiáceos, como relataram Labigaline et al.

(1999), Silveira e Moreira (2006). Fabrício Pamplona (2014) em trabalho de revisão de literatura ainda aponta medicamentos à base de maconha que estão sendo testados com sucesso para problemas de esclerose e dores neuropáticas.

Porém, os aspectos mais impactantes das recentes investigações biomédicas se referem ao potencial neuroprotetor de algumas substâncias presentes na maconha e atualmente conhecidas como canabinóides. Sobre este potencial, Malcher-Lopes e Ribeiro afirmam:

Neste início de século XXI, acredita-se que os canabinóides possam estar envolvidos na remodelação dos circuitos neuronais, na extinção de memórias traumáticas, na formação de novas memórias e na proteção de neurônios (MALCHER-LOPES; RIBEIRO, 2007, p. 8).

Caso se confirmem as hipóteses relatadas por Malcher-Lopes e Ribeiro (2007), a maconha passará a ocupar uma posição central nos interesses médicos porque dará condições para o que os referidos autores apontam como sendo uma “verdadeira revolução” da medicina. Como os autores afirmam, há muito pouco tempo os neurologistas acreditavam que as células neuronais não podiam se regenerar. Entretanto, registros recentes de regeneração de neurônios têm reorientado a agenda de pesquisas neste campo e conduzem os estudiosos a buscar compreender as condições desta regeneração. Malcher-Lopes e Ribeiro (2007) destacam a contribuição de alguns canabinóides neste processo. Em outras palavras: a maconha – que por muito tempo foi considerada como responsável por “queimar neurônios” – passou a ser investigada como provável salvadora deste tipo de célula.

Depois de apresentar estes recentes argumentos médico-científicos que parecem favoráveis à maconha, vale destacar que associações profissionais, como a Associação Médica Brasileira, a Associação Brasileira de Psiquiatria, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Ordem dos Advogados do Brasil ratificaram a conclusão final de um simpósio promovido em 2004 pelo CEBRID e pela então Secretaria Nacional Antidrogas: “[…] mesmo sendo retirada a maconha da lista IV [da Convenção Única de Narcóticos, de 1961 – UN, 1961] [...] não implica, sob nenhuma hipótese, em sua legalização ou descriminalização” (CEBRID, 2004). Apesar da diversidade de profissões reunidas no simpósio, a proeminência dos médicos foi destacável, a maioria das palestras e intervenções do plenário sendo proferidas por membros da jurisdição médica. Os demais cientistas, assim como os advogados, atuaram mais como figurantes que ratificavam as conclusões sistematizadas pelos donos do problema.

é um bom exemplo. A partir destes espaços, os médicos continuam tentando influenciar as diretrizes em diversos campos relacionados com o tema, especialmente os sistemas de saúde, justiça e segurança pública. O evento de 2004 não foi o primeiro encontro organizado por médicos para propor alterações legislativas e acordos internacionais relativos à maconha, como é possível verificar pela seguinte declaração de Elisaldo Carlini:

As tentativas oficiais de fazer a medicina aceitar no Brasil a maconha como medicamento vêm antes da década de 1990. Em 1995, como secretário nacional da Vigilância Sanitária, eu coordenava o registro de medicamentos no país. Falei para o ministro da Saúde, Adib Jatene, que desejava organizar dentro da Vigilância Sanitária uma reunião para discutir se o delta-9-THC poderia ser licenciado como medicamento contra náusea e vômito na quimioterapia do câncer. Ele concordou e falei com o presidente do Conselho Nacional de Entorpecentes, Luiz Mathias Flack, que também aceitou. Os dois abriram a reunião. Mas não conseguimos fazer nada. Os médicos não aceitaram (MARCOLINI; ZORZETTO, 2010, p. 10).

Ainda não tendo ganho a disputa no interior da jurisdição médica, é muito provável que o CEBRID e outros segmentos do ciclo médico-científico continuem a organizar eventos, publicações, discursos e outras atividades que promovam a alternativa que postulam como mais adequada para o problema da maconha no Brasil. Em maio de 2010, um novo simpósio foi organizado pelo mesmo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Tratava- se desta vez do Simpósio Internacional sobre Maconha que, segundo Carlini, tinha o principal objetivo de sensibilizar a comunidade acadêmica e propor ao governo brasileiro a aceitação da maconha para uso médico. O que, nos termos de Carlini, seria possível porque

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece que a maconha pode ser medicamento – apesar da proibição da Convenção Única de Entorpecentes, de 1961 – desde que os países oficializem uma agência especial para Cannabis e derivados nos seus ministérios da Saúde (apud MARCOLINI; ZORZETTO, 2010, p. 8).

Até o momento, o Brasil não criou nada análogo a uma Agência Nacional de Maconha, mas é fato que os trabalhos de Carlini, do CEBRID e de médicos e cientistas ligados a outros grupos de estudo têm contribuído para ampliar o debate e difundir muitas informações inovadoras sobre os efeitos da maconha. No entanto, vale ressaltar que o Dr. Elisaldo Carlini se posiciona pessoalmente contrário ao que se convencionou chamar de “legalização da maconha” (MACRAE; SIMÕES, 2000; MARCOLINI; ZORZETTO, 2010). Ele ressalta que a substância porta riscos à saúde e não deve ser regulada por princípios econômicos ou recreativos, defende

a liberação e o apoio à pesquisa biomédica, bem como a legalização da produção, do beneficiamento, do comércio e do consumo para fins médico-terapêuticos. Certamente o papel deste médico e do grupo ao qual ele está ligado reforça a postulação de uma nova conversão que – além de reabilitar o uso terapêutico – pretende reforçar a propriedade dos médicos sobre o problema por meio de alterações legais que assegurem mais um monopólio de sua jurisdição: a prescrição de maconha.

Mesmo sob o risco de contribuir para a monopolização do direito de prescrever quando, quanto e como usar maconha, os atores do ciclo antiproibicionista têm difundido bastante os estudos de figuras como Carlini.

Mas, saindo do ciclo de atenção médico-científica para voltar ao ciclo da segurança, pelo qual os antiproibicionistas também são afetados, vale destacar que o ciclo securitário também foi marcado por efeitos contrários aos esperados por seus proponentes. As medidas restritivas de liberdade que caracterizaram a ditadura iniciada em 1964 foram acompanhadas da emergência de novos interessados na maconha. Frente aos limites impostos pelo governo militar, alguns usuários fizeram da droga um emblema da luta por respeito às liberdades individuais e coletivas, como atesta o testemunho do professor Salinas Fortes, da Universidade de São Paulo (USP), em referência ao período:

Como rigorosos militantes fumávamos desbragadamente todos os dias, da aurora ao crepúsculo, do banheiro à cozinha, da mesa à cama, da roupa à nudez, cavalgando em loucura nossos sonhos visionários. Militantes rigorosos e corajosos em contestação permanente, cada fósforo aceso como ato de protesto contra tudo e todos. Na verdade, dávamos prosseguimento, da forma possível, às fracassadas tentativas de existência e organização política de toda uma geração. Prosseguíamos no mesmo combate, transfigurando-o (FORTES, 2012 [1988], p. 94).

A prática de fumar maconha, relatada como um meio de resistência cultural de afro-brasileiros (FREYRE, 1937) e indígenas (HENMAN 1980, 1986; WAGLEY; GALVÃO, 1949), manteve- se sob o ideário ao qual Gilberto Freyre a tinha associado de forma pioneira, contudo passou a envolver diferentes classes sociais. O que foi considerado como prática concentrada no Nordeste se difundiu entre camadas médias da população de diversas regiões (CAVALCANTI, 1998; MACRAE; SIMÕES, 2000; VELHO, 1975). Entretanto, vale relembrar que, até o início do século XXI, a maior parte dos detidos pelo envolvimento com essas transações continuam a ser homens, jovens, negros e pobres (BOITEUX; PÁDUA, 2013).

Em que pese a relativa limitação do símbolo de resistência cultural ou política da maconha na sociedade brasileira, pode-se considerar que a associação da planta a esse tipo de resistência indica que a controvérsia ultrapassou os círculos econômicos e médicos. De forma conflituosa, sob a ditadura militar, o debate se ampliou para diferentes setores da sociedade, quer fossem favoráveis ou contrários. Muitas formas de expressar opinião se somaram às discussões, mais atores passaram a falar de maconha para grandes audiências, outras ciências passaram a se interessar pela questão que assim foi se tornando mais notável. As táticas e estratégias de que os militares se utilizaram para reprimir tiveram também o efeito adverso de estimular resistências e contribuir para o crescimento da atenção à maconha, bem como impulsionaram a diversificação dos discursos e dos sujeitos interessados pelo tema. Assim, os consumidores de maconha não foram somente pacientes das alterações que a sociedade produzia acerca de sua imagem, mas disputaram uma concepção de si próprios como resistentes dentro de um contexto extremamente opressivo, algo que a descrição de Salinas Fortes (2012 [1988]) retrata de modo exemplar.

No início dos anos 1970, o consumo de drogas por camadas médias urbanas do Rio de Janeiro foi objeto da tese de Velho (1998 [1975]) que constitui um marco dos estudos antropológicos sobre transações com drogas em grandes cidades brasileiras. Preservando o anonimato das pessoas que investigou e publicando resultados somente 23 anos depois de concluir seu doutorado, o autor indica que consumir maconha e cocaína era comum entre jovens da classe média carioca e integrava o processo de definição de padrões e hierarquias no interior dessa geração.

No meio artístico, a planta estava presente desde muito antes, registrada em romances no início do século XX57, cantada desde os anos 1930 em versos de Noel Rosa58 ou ainda mais cedo (se considerarmos as loas mencionadas em 191859). Conhecida dos artistas, as referências à planta nas artes do Brasil também se ampliaram a partir dos anos 1970. Uma das duplas musicais mais famosas do país, Roberto e Erasmo Carlos, compôs o clássico “Maria Joana”, cujo título já

57 Recorrendo à importante revisão bibliográfica feita por Cavalcanti (1998), identifica-se o uso da “diamba” por um personagem de Viriato Correia, em obra intitulada “Minaretes”, publicada no Maranhão, em 1902. No entanto, como o próprio Cavalcanti (1998, p. 83) afirma “[…] está por ser realizado o estudo das citações da maconha e do maconhismo na literatura nacional”.

58 “Quando o samba acabou”, gravado originalmente pela Odeon em 1933 na voz do “bacharel do samba” Mário Reis. In: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: <http://www.dicionariompb.com.br/mario-reis/discografia>. Acesso em: 13 de jun. 2012.

59 Iglésias (1918) apresenta versos relativos à maconha que eram cantados no Vale do Mearim, no Maranhão, durante o consumo da erva.

expõe uma das muitas denominações populares da planta; vale ressaltar que a música foi gravada apenas por um dos membros da dupla, Erasmo, no LP “Carlos, Erasmo”, de 1971. Em paralelo, multiplicavam-se as repercussões sobre a relação de artistas com a maconha. Como exemplo, pode-se citar alguns casos de detenção destacados por Mundim (2006, p. 72- 73): em 1970, os músicos do grupo Novos Baianos e, mais tarde, em 1976, Gilberto Gil foi preso e condenado à internação em hospital psiquiátrico por portar maconha e afirmar que a substância não lhe fazia mal nem o influenciava a prejudicar ninguém60.

Nos anos seguintes, mesmo sob censura, muitos trabalhos musicais abordaram o tema, tornaram-se populares e metaforizaram problemas vividos à época da ditadura. A canção “O mal é o que sai da boca do homem”, apresentada em 1980 por Pepeu Gomes, Galvão e Baby Consuelo61 no Festival da Canção promovido pela Rede Globo, é um exemplo destacável. Então identificados como hippies, os músicos propagaram um trocadilho com a palavra que define um dos principais modos de consumo da maconha e, por meio da metáfora da posse, denunciaram a extorsão e a seletividade do tratamento dispensado aos fumadores de cigarros feitos com esta planta:

Você pode fumar baseado

baseado em que você pode fazer quase tudo Contanto que você possua

mas não seja possuído.

(Pepeu Gomes, Galvão e Baby Consuelo, 1980)

Depois de encerrada a última sequência de governos militares, a música brasileira foi um meio pelo qual vários artistas nacionais continuaram a levar a reflexão sobre problemas ligados à maconha até palcos de diversas partes do país. Do samba (onde Bezerra da Silva figura com destaque) até o reggae, o rock, o brega, o funk e o hip hop contemporâneos, a planta tem marcado sua presença.

Ainda sob ditadura, o cinema nacional também tocou o tema em uma obra que permanece como marco de questionamentos sociais e denúncias de arbitrariedades das autoridades da época. O filme “Pixote, a lei do mais fraco” (BABENCO, 1981), um campeão de bilheteria nacional62,

60 Diversas reportagens, incluindo trechos do julgamento e impressões do artista sobre o episódio, estão disponíveis na internet, mas vale destacar a vídeo-reportagem contendo descrição dos policiais envolvidos na operação e comentários do artista sobre o caso. Disponível em: <https://youtu.be/j6dvh3rJhWI>. Acesso em: 12 de ago. 2016.

61 Artistas que haviam integrado o já mencionado e então extinto grupo musical Novos Baianos.

expõe um certo personagem conhecido como “Fumaça” que se torna amigo do protagonista Pixote a partir do momento em que compartilha com ele um cigarro de maconha. Entre as muitas agruras da vida detenta, Pixote acompanha a dor e a morte do amigo.

Do palco para as ruas, bares e casas – passando pelo rádio e pela televisão –, músicas, filmes e seus intérpretes serviram para a difusão de muitas reflexões relacionadas aos problemas do Brasil da época, inclusive no que diz respeito à maconha. Além destas linguagens artísticas, o teatro marcou seu ponto de reflexão sobre o tema. Neste campo, o ator e dramaturgo José Celso Martinez de Corrêa é bastante contundente ao afirmar que “Não se trata de liberar a maconha, ou o usuário, ou mesmo o bode expiatório: o traficante, mas de ir no ponto Tabu: a Indústria Armamentista”63. Segundo Zé Celso, a planta aporta grandes benefícios e “incomensurável”

potencial econômico, devendo portanto ter produção regulada pelo Ministério da Saúde e uso esclarecido pelos Ministérios da Cultura e da Educação.

Em 1982, segundo Rocco (1999), o tema da descriminalização da maconha apareceu no debate eleitoral daquelas primeiras eleições pluripartidaristas depois de iniciada a ditadura. Apesar de ainda ficar limitado ao eixo Rio-São Paulo, na campanha para as eleições daquele ano Caterina Koltai e Ruth Escobar, respectivamente candidatas a vereadora pelo PT e deputada estadual pelo MDB em São Paulo; e Liszt Vieira, candidato a deputado estadual pelo PT do Rio de Janeiro, abordaram o problema da maconha em suas propostas. Caterina Koltai tinha formação em Sociologia e, mais tarde, faria doutorado em Psicologia e passaria a atuar como psicanalista e professora universitária; ela não se elegeu. Ruth Escobar, atriz e produtora cultural, militante feminista engajada na defesa da anistia ao final do regime militar, elegeu-se deputada estadual pelo MDB e, nas eleições seguintes se reelegeu, pelo PDT. Por fim, Lizst Vieira, eleito deputado estadual no Rio de Janeiro pelo PT, foi defensor público naquele estado e, mais tarde, tornou- se doutor em sociologia (pelo IUPERJ) nos anos 1990, passando também a atuar como professor universitário.

Estes candidatos tinham muito em comum: defenderam causas polêmicas como a maconha, o feminismo, o aborto, o fim do crime de adultério, o antiracismo e tantas outras; tiveram problemas com a ditadura – o que rendeu exílio a Lizst Vieira, represálias a Caterina Koltai e uma memorável invasão violenta ao Teatro de Ruth Escobar em São Paulo, no ano de 1968, ao

(OCA), da Ancine (Agência Nacional do Cinema) para filmes nacionais. Disponível em: <http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/DadosMercado/2105-2016.pdf>. Acesso em: 12 de ago. 2016.

final de uma apresentação do espetáculo Roda Viva, com texto de Chico Buarque e direção de José Celso Martinez Corrêa. Além disso, eles representavam parcelas sociais com elevados níveis de instrução que não conseguiam produzir consenso no interior dos grupos políticos a que se ligavam à época. Lizst Vieira, por exemplo, em recente entrevista acerca do ambientalismo que defende, declarou algo que certamente se aplica à questão da maconha: “[…] eu fui metralhado pelo PT. A gente enfrentou uma oposição interna muito grande porque era o partido da luta de classes, isso não cabia, não estava nos manuais. Aliás, bem na verdade, nem no Marxismo nem no Liberalismo [...]”64. Na mesma entrevista em que fez esta declaração,

Lizst Vieira ainda declarou que seu único apoio vinha da classe média intelectualizada, incluindo dois notáveis defensores da maconha como Carlos Minc e Fernando Gabeira.

Deixando as artes e as eleições um pouco de lado, toma-se de volta o rumo da ciência, destacando que as publicações de cientistas sociais sobre o tema se multiplicaram após o fim do governo militar. O interesse já parecia consolidado nas ciências sociais dos anos 198065, como atesta uma significativa lista de estudos (ADIALA, 1986; HENMAN, 1986; MAGGIE, 1985; MISSE, 1985; PESSOA JUNIOR, 1986; RONCA, 1987; VELHO, 1985), mas o receio de prejudicar as pessoas envolvidas em transações com maconha postergava algumas publicações, como a mencionada Tese de Gilberto Velho, defendida em 1975 e publicada somente em 1998 (VELHO, 2008 [1975]).

No contexto de derrocada da ditadura e publicização de inúmeros debates, a Associação