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3.3 OS QUATRO CICLOS SISTÊMICOS DE ACUMULAÇÃO

3.3.4 O Ciclo Norte-Americano

O último ciclo identificado por Arrighi, o ciclo norte-americano foi cenário da Terceira Revolução Industrial. A tecnologia da microeletrônica e da automação são elementos chave. A competitividade comercial de nível global nunca esteve tão alta.

No período da bela época, os norte-americanos foram os maiores beneficiados ao se tratar dos investimentos europeus direcionados para o resto do mundo. Quando as tensões culminam na primeira Grande Guerra, o país acaba se tornando o principal fornecedor de suprimentos e materiais para a Inglaterra - passando à condição de credores do governo britânico.

Ao final da guerra, os níveis de produção e hegemonia perante a liquidez mundial que os Estados Unidos exerciam se equiparavam ao poderio inglês, mas a substituição como nação soberana mundial não ocorreu de forma rápida.

Em outubro de 1929 acontece a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, o que joga o país no período conhecido como a Grande Depressão, que marca o fim do padrão ouro. Como resposta, o conceito do Estado de Bem-Estar Social é disseminado mundialmente, com origem nos Estados Unidos.

Após a Segunda Guerra Mundial, há uma forte reestruturação política e econômica em nível mundial. Os Estados Unidos emergem com a mais forte economia no mundo e o governo americano detém, nessa época, grande parte da liquidez internacional.

Neste ponto, faz-se necessário ressaltar que o modelo dos ciclos sistêmicos é proposto pelo autor defendendo a ideia de ciclicidade, isto é, partindo do pressuposto de que, na economia, os acontecimentos tendem a se repetir. No entanto, como Arrighi repete em sua obra, isso não significa que eles sejam idênticos entre si. Segundo o autor,

Como [mostram] nossa narrativa das transições hegemônicas passadas, a reprodução desse padrão através dos séculos tem sido tanto um tema de contingência histórica como uma necessidade sistêmica. Além disso, a evolução mesma do sistema tem feito a reprodução do padrão mais problemática do que foi no passado. O propósito de estabelecer analogias entre transformações presentes e passadas, portanto, é também o de identificar diferenças nas circunstâncias históricas e sistêmicas que podem ser esperadas para fazer o resultado das transformações presentes divergir das transições hegemônicas do passado. Quanto mais sucesso obtivermos em especificar essas diferenças menos indeterminadas serão nossas especulações a respeito do futuro. Mas, independentemente do sucesso que alcançarmos, algum grau de indeterminação permanecerá como característica destacada da mudança sistêmica, tanto as passadas como a presente (ARRIGHI e SILVER, 2001, p. 34-35)

A tomada da posição de soberania de uma nação por outra não ocorre necessariamente seguindo um padrão, pois o progresso é dinâmico e a análise é feita utilizando o longo prazo - tempo suficiente para que as instituições sociais sofram progresso. Há, com o desenvolvimento

da economia, novos elementos incorporados a cada ciclo sistêmico e troca de hegemonia política e econômica mundial - o próprio sistema sofre mutações e se adequa para consolidar e expandir-se ainda mais.

Com isso em mente, temos no quarto ciclo sistêmico de acumulação uma das mudanças mais significativas no que diz respeito ao significado da hegemonia da nação que lidera este ciclo. Ocorre, com a substituição do padrão-ouro pelo lastro no dólar americano, uma mutação no nível da hegemonia soberana deste ciclo que não foi vista em nenhum outro. No final da primeira Grande Guerra, os líderes de muitas nações são convencidos de que a seguridade das trocas internacionais e a proteção dos direitos de suas nações só seriam garantidos caso a moeda tenha um lastro real, no ouro. (ARRIGHI, 1996, p 281).

Em julho de 1944 é assinado o acordo de Bretton Woods. O Fundo Monetário Internacional (FMI) é criado, e passa a liquidez do capital privado para o âmbito público. Entre outras orientações e medidas econômicas e gerenciais, o lastro dólar-ouro é incorporado. Isto é, cada país teria de adotar uma política monetária que mantivesse sua taxa de câmbio próxima a um valor determinado, que estava indexado, agora, em dólar. É importante discutirmos a respeito do que representa essa mudança de pensamento em relação ao lastro da moeda para os Estados Unidos, em especial, e para o mundo.

Benjamin Cohen (COHEN, 2005, p. 11) discorre em seu artigo do caso especial da moeda norte-americana, cuja soberania fica evidente quando considerada relações monetárias entre os Estados Unidos com qualquer outro país. O pressuposto do autor é de que as relações monetárias entre países são intrinsecamente hierárquicas, e que a moeda americana se beneficia de uma posição dominante. Da posição hegemônica exercida até pela sua moeda, o país se beneficia até hoje.

Na década de 70, a economia mundial segue interagindo cada vez mais, rumo ao processo de globalização, que lidera o investimento externo, feito através da dimensão financeira da economia. Para o autor, é o início da segunda fase dos ciclos sistêmicos - a expansão financeira.

Como já vimos, a fase de expansão financeira também indica o final do ciclo de acumulação atual, mas antes disso, traz consigo a crise sinalizadora. Não há consenso sobre qual crise econômica é a sinalizadora do fim do ciclo da hegemonia norte-americana. Os choques do petróleo na década de 70 abalaram a estrutura econômica em nível global, contudo, a crise das hipotecas nos Estados Unidos em 2008 representou uma das maiores do mundo. Vimos a hegemonia norte-americana ser posta em xeque várias vezes, mas não a vimos ruir.

Por fim, a crise econômica de 2008 continua com a tendência do quarto CSA de apresentar elementos inéditos, dessa vez com o fato de ter se originado na maior economia do mundo, ao invés de em um país periférico (RIBEIRO, 2009, p. 7). Citando Chesnais (2008a, p. 4.), “inverte-se a dinâmica da década passada: crise começa nas finanças (EUA) e se espraia na produção (Ásia)”.

3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para fazer uma breve introdução ao autor, foi revisitada a perspectiva sistêmica da análise do Sistema-Mundo, da qual Arrighi é um dos principais colaboradores, e o conceito de semiperiferia.

O autor tenta provar, com exemplos históricos, que o desenvolvimento econômico se deu mais expressamente quando houve uma ligação entre interesses, e consequentemente entre ações, envolvendo os agentes empresariais e estatais.

Esses agentes hegemônicos possuem estratégias em conjunto de acumulação de capital em escala global, para que o excedente seja realocado e concentrado em novas atividades com as mais atrativas taxas de lucro. O bloco composto por esses agentes exerce sua hegemonia através de inovações nas estruturas já existentes e nas definições de novas, denominadas por Arrighi como “regime de acumulação em escala mundial”. O autor então percebe que cada um desses regimes, controlados pelo bloco hegemônico, apresenta um comportamento cíclico.

Esses regimes cíclicos são apresentados pelo autor como os CSAs. Nessa seção, foi explicado o funcionamento dos CSAs. Assim como visto nas revoluções tecnológicas de Perez, os CSAs têm duas fases: uma de expansão comercial e a segunda de expansão financeira, que simboliza a “crise sinalizadora”, uma vez que anuncia o fim do CSA em questão para que seja substituído por outro.

Nessa seção, além de apresentado o funcionamento e as fases de cada ciclo, também foram brevemente apresentados cada um deles, o que se faz necessário para a terceira parte desse trabalho.

4 A SINERGIA ENTRE AS OBRAS

Nos capítulos anteriores, nós passamos pelas definições de alguns conceitos chaves, com a pretensão de fazer uma discussão unificando-os neste capítulo. Embora vários conceitos e fundamentações teóricas tenham sido apresentadas, as principais para o núcleo do trabalho são as definições de ciclos sistêmicos de acumulação na análise do Sistema-Mundo e as Revoluções Tecnológicas conjuntas de seus paradigmas tecnoeconômicos, elaboradas e enriquecidas por Perez. É impossível querer traçar uma relação entre as obras sem apresentar suas divergências. A seguir, os conceitos serão relacionados, e serão apresentadas as principais semelhanças e diferenças entre eles.

O desenvolvimento econômico sob perspectiva histórica como é apresentado neste trabalho leva em conta os ciclos longos como unidade de análise, usado por incontáveis autores como Braudel (1979), Kondratiev (1979), Schumpeter, além de Arrighi (1996) e Perez (2009). Para estudar as mudanças estruturais e econômicas de uma sociedade, a longa duração é considerado o método mais adequado (ARIENTI; FILOMENO, 2007, p. 15).

Embora com uma grande área de convergência, as análises de Arrighi e de Perez tem algumas diferenças fundamentais. Tais divergências não serão ignoradas na tentativa deste trabalho de apresentar sinergia entre as obras; irão, de fato, fomentar e enriquecer a discussão.