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Capítulo 2: Modernização e Reforma Urbana em Campinas: o Plano de “Prestes Maia”

2.4. A cidade atual como fruto de reflexões

Busquei apresentar como o Plano de Melhoramentos Urbanos foi fundamental para redesenhar a cidade de Campinas dentro de seu contexto histórico. Desde sua criação até as décadas de sua execução, parques foram abertos, edifícios públicos significativos foram erigidos na cidade – como o Paço Municipal, Correios e o Palácio da Justiça, vias foram alargadas e expandidas e muitos edifícios foram simplesmente demolidos. Para além das transformações ocorridas na paisagem urbana de Campinas, ocorreu também disputas em seu campo imaterial, já que diversas experiências e sensibilidades urbanas foram se perdendo, para além das memórias e histórias que acabam esquecidas no passar dos tempos. Mas, para não limitar essas reflexões apenas ao campo histórico de Campinas, deve-se sempre lembrar que a cidade não é estática e continua em constante renovação de seus espaços, sendo sua reconfiguração ainda é fruto de uma complexa disputa de interesses, experiências urbanas e concepções diversas sobre a cidade que coexistem contemporaneamente.

Assim, aliado à percepção das transformações engendradas durante a execução do Plano de Melhoramentos Urbanos, esse trabalho também busca suscitar reflexão sobre a complexa rede que configura a cidade nos dias atuais. Penso ser importante que estudantes e demais cidadãos de Campinas reconheçam o impacto coletivo das diversas ações no espaço contemporâneo da cidade, sejam elas atitudes pequenas ou cotidianas, ou também fruto de grandes empreendimentos, como ações do poder público ou da construção civil. Se, ao analisar os episódios da história da cidade de Campinas, é possível sensibilizar-se com o fato de moradias habitadas por negros e pobres, ou locais como a Igreja do Rosário terem sido condenadas pelas “picaretas do progresso”, hoje ainda ocorrem episódios que de forma análoga afetam os diversos grupos que vivem e habitam Campinas.

Desta forma, busco, na execução do produto a ser descrito no próximo capítulo, que os alunos reconheçam a continuidade das tensões existentes na cidade e busquem seu papel de atuação e interesses nesses espaços, desnaturalizando seus acontecimentos e se posicionando sobre as mudanças que ocorrem. A abertura de novos loteamentos, o surgimento de ocupações, a construção de novos parques, a remoção de moradias, tombamento e demolição de edifícios, construção de edifícios públicos, tudo continua a ocorrer dia após dia, impactando a vida de cada um dos habitantes da cidade. Muitas vezes, o que parece uma simples nova edificação sendo construída num lugar, pode ser, ao mesmo tempo, o fim de um espaço público coletivo usufruído por uma parcela da sociedade. Ou, a venda de um lote

público para a construção de um condomínio, também pode representar um forte impacto na comunidade e na experiência de passar pelas ruas próximas desses ambientes. A imagem 4 traz, por exemplo, a paisagem da Rua Lauro Vannucci, próximo ao Shopping Dom Pedro, numa região repleta de condomínios horizontais e verticais:

A partir da imagem, cabe a reflexão: o que se torna o espaço público espremido entre os enormes muros de tais empreendimentos residenciais? Como sua presença transforma o espaço urbano ao seu redor? Qual a sensação de caminhar sozinho(a) nessas compridas ruas isoladas, sem portas, janelas ou pessoas? Mais do que apenas novas moradias, esses empreendimentos, quando crescem de forma não planejada, transformam a rua e os espaços públicos contíguos em ambientes muito hostis aos transeuntes, que ficam isolados num deserto cercado de muros extensos, cercas elétricas ou de arame farpado e guaritas com vidros insufilmados. Ou seja, os impactos destas modalidades de moradia no sentido público e coletivo da cidade é perceptível, não devendo simplesmente ser tratada de forma natural. Em contrapartida, comprar uma moradia em um condomínio que produza essa relação com a cidade é, talvez, indiretamente, fazer parte dos impactos dessas transformações que ocorrem diuturnamente, mesmo que nem sempre estejamos atentos a seus impactos.

Figura 4: Trecho da Rua Lauro Vannucci, próximo ao Shopping Dom Pedro. Imagem extraída do Google Street View.

Um outro exemplo que representa tensões entre diferentes interesses em espaços urbanos ocorreu na Vila Costa e Silva, em Campinas. Nesse caso, em 2015, um edifício municipal de cerca de 500 m² na área central do bairro, e que abrigava um núcleo de apoio estudantil da Prefeitura foi privatizado e vendido. Contudo, mesmo diante de protesto de moradores, o prédio em questão foi negociado sem maiores justificativas, e acabou transferido a terceiros por um preço de cento e cinquenta mil reais. Pouco tempo depois da transação do edifício, a mesma área estava à revenda por R$349.000 em uma imobiliária, desnudando, neste caso, uma atuação evidente de especuladores imobiliários em detrimento do funcionamento de serviços públicos naquela localidade. Atualmente, o edifício abriga uma pequena igreja e dois pontos comerciais, numa função muito distante de seu uso original32.

Um último exemplo de transformações contemporâneas na cidade ocorreu no histórico Largo da Santa Cruz, atual Praça XV de Novembro, bairro Cambuí, em Campinas. O local é conhecido como um dos principais largos de Campinas, sendo, durante o século XIX, um notável espaço de moradia e sociabilidade da população negra e periférica campineira. Contudo, devido à gentrificação ocorrida neste espaço e a abertura de diversos estabelecimentos comerciais e residenciais, este espaço foi paulatinamente reconfigurado, causando o desaparecimento dos vestígios destas antigas experiências urbanas subalternas. Como evidência desse processo, o último casarão que ainda remontava tal passado – junto com a Capela ali situada – foi demolido para abrigar um estacionamento, restando apenas a parte frontal de sua fachada. Seriam tais mudanças um ataque à preservação da memória das populações que ali habitava ou eram apenas velhos edifícios atrapalhando a marcha do progresso urbano? Tais reflexões não são simples de serem resolvidas e, no mais das vezes, não surgem naturalmente durante nossa acelerada temporalidade e experiência urbana. Contudo, defendo que são pontos fundamentais de serem abordadas, permitindo, conforme argumentado nos capítulos anteriores, a fomentação de uma outra relação dos habitantes com a espaços que habitam.

32 Tal caso gerou repercussão local no bairro e contou inclusive com manifestações de vereadores oposicionistas na Câmara, conforme matéria veiculada no site Carta Campinas. Disponível em: https://cartacampinas.com.br/2016/02/governo-jonas-da-prejuizo-de-r-200-mil-ao-fazer-negocio- com-area-publica/ (último acesso: 31/07/2019, 15h13min)

Capítulo 3: O jogo “Aconteceu na História: Campinas” e sua experiência de criação e