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O Plano de Melhoramentos Urbanos de 1938 e seus impactos

Capítulo 2: Modernização e Reforma Urbana em Campinas: o Plano de “Prestes Maia”

2.3. O Plano de Melhoramentos Urbanos de 1938 e seus impactos

Em linhas gerais, a exposição preliminar do plano de Prestes Maia contava com propostas em diversificadas para a cidade, como a alteração dos aspectos da entrada de Campinas, proposições para vias perimetrais, grandes radiais e radiais externas, parques, unidades residenciais, plano escolar, propostas de intervenção no centro de Campinas, áreas livres, indústrias, edifícios públicos, estradas de ferro e assuntos diversos.

25 Para tal, ver os trabalhos de Daniela Silva Santos Krogh e de Ricardo Badaró, listados na bibliografia do presente texto.

As propostas de Prestes Maia para as vias internas buscavam racionalizar o fluxo de trânsito da cidade, evitando deslocamentos desnecessários em vias locais ou centrais, almejando fluir o trânsito para largas avenidas perimetrais externas da cidade. É ressaltado em sua exposição preliminar a importância da “especialização das vias”, evitando futuros congestionamentos para a cidade, especialmente diante da previsão de seu crescimento. Também havia a preocupação de garantir nas rodovias faixas e condições adequadas para que permitam aos automóveis trafegarem com “máxima velocidade” (MAIA, 1937, itens II, III e V). Tais proposições estão em consonância com o crescimento da indústria automobilística e do uso do automóvel, uma celebrada novidade nos meios urbanos e que gradativamente vai ganhando seu espaço no cenário campineiro.

Quando se refere aos parques projetados para Campinas, Prestes Maia aponta que o coeficiente de espaço livre por habitante em Campinas é muito inferior às médias europeias e norte-americanas, ilustrando a sintonia do engenheiro-arquiteto com os debates urbanísticos internacionais. O Plano também expõe criticas aos espaços públicos campineiros existentes até então, que eram “reduzidos a jardins públicos pequenos e sem graça, sem vegetação abundante, sem instalações e (…) atrativos”, o que condenava a população a buscar recreio “em casa ou frequentemente em cinemas asfixiantes”. Para solucionar tal problema, Prestes Maia expõe a necessidade de criação de pequenos playgrounds; jardins médios nas unidades residenciais e futuros arruamentos, estipulando que novos loteamentos deveriam destinar de 10 a 25% do terreno a estas áreas ajardinadas; e, finalmente, grandes parques a serem criados pelo poder público, que contenham completas instalações para jogos coletivos, usufruto das folgas semanais e garantisse mesmo passeios de automóvel. Segundo sua exposição preliminar, os grandes parques ficariam no Taquaral e na Vila Industrial, e estariam preparados em estrutura e tamanho para atender mesmo o crescimento populacional nos anos posteriores em Campinas. (MAIA, op.cit., p. 71, 78)

É notável o destaque que Maia destina às questões de passeio e de ajardinamento público. Segundo seu raciocínio, as cidades do interior deveriam desenvolver sua aptidão para parques e áreas públicas, já que, em sua opinião, cidades como Campinas “podem se notabilizar muito mais pelos seus parques” e por outras instituições que por suas “avenidas, praças e edifícios centrais”, campos que nunca competiriam com a grandiosidade das capitais (MAIA, op.cit., p. 81). Seu proselitismo pelo ajardinamento e ao recreio público também transparece na própria proposta para vias perimetrais, orientando que, quando possível, estas

se configurassem em park-ways, isto é, “avenida parque, larga, bem arborizada e mesmo ajardinada, aproveitando a inferioridade dos terrenos baixos para construção”, servindo concomitantemente ao passeio público como fluxo de veículos. Tal postura denota um projeto de cidade que considera como espaços valiosos à civilidade a presença ambientes públicos de sociabilidade e descanso.

Cabem duas considerações sobre o item antes de seguir a análise do documento. Primeiramente, se no Plano de Melhoramentos Urbanos e nas reflexões urbanísticas de Prestes Maia há um evidente cuidado com a preservação de espaços de convivência e passeio público como parques, ou mesmo uma destacada praça no coração da cidade (a praça Visconde de Indaiatuba, mais conhecido como Largo do Rosário), observa-se que parte destas áreas públicas propostas deixam de ser construídas – como o parque da Vila Industrial – ou, mais recentemente, especialmente a partir da década de 1980, nas áreas centrais, antigos espaços de convivência são transformadas em edificações com outras finalidades. Exemplos destas transformações ocorridas são a transformação do antigo Largo do Jurumbeval26,

posteriormente Largo Correia de Melo, em uma estação de ônibus, o Terminal Mercado; A retirada da praça existente na área interna do Viaduto Cury para a construção do Terminal Central de Ônibus de Campinas; Ou mesmo a redução do Parque Central e Centro de Convivência pensado no projeto do Paço Municipal de Campinas27, dando espaço à

construção de outros edifícios públicos no local.

A sucinta transformação do sentido e valorização de espaço público coletivo nas áreas centrais ocorre de forma concomitante a uma gradativa transformação da própria experiência urbana, principalmente a partir dos finais das décadas de 70. Neste processo, concomitante à forte expansão demográfica e espacial de Campinas, destaca-se uma aceleração do ritmo da cidade conforme os automóveis se impunham como principais meios de transporte, construindo uma nova temporalidade que afeta as experiências urbanas e os sentidos de se viver nestes espaços. Para Maria Sílvia Duarte Hadler, ocorre neste contexto:

Uma progressiva diminuição dos locais livres para maior possibilidade de convívio (...). Alguns lugares do centro da cidade, costumeiramente locais de maior interação social, vão perdendo essas características e se tornam, principalmente, locais de passagem. [Por exemplo,] a retirada definitiva dos bondes de circulação em 1968 e as reformas

26 Segundo Kléber Amâncio, no período pós-abolição, o Largo do Jurumbeval era um local de sociabilidade de negros em Campinas, visto como um ambiente perigoso pelas autoridades locais. 27 Ver BONUGLI, 2019, p. 170.

urbanas na área central colocaram um fim às possibilidades costumeiras de encontro e de “paquera” que ocorriam frequentemente nas proximidades da “prainha”, local de confluência de linhas de bonde nas imediações do largo da Catedral, entre as ruas Treze de Maio e a Francisco Glicério. (HADLER, 2015, p. 89)

Em diálogo com a leitura de Maria Sílvia Hadler, concordo que muitos dos espaços centrais de vivência têm seu significado alterado e dão espaço a uma nova experiência e ritmo do espaço urbano, transfigurando aos poucos antigas áreas de convivência centrais da cidade mais em locais de passagem do que em locais de permanência - estes últimos cada vez mais transferidos à espaços privados como Shoppings e áreas de condomínios, ou em parques situados em áreas distantes do centro urbano.

Por outro lado, seria exagero levar esta importante constatação à máxima generalização, concluindo que a cidade tenha perdido seus espaços de sociabilidade pública, ou que simplesmente essas práticas tenham desaparecidos. Penso que há uma constante reorganização e reinvenção de suas localidades, bem como dos sentidos e usufrutos destes pela população, que ocorre de forma concomitante ao processo gradativo de uma maior individualização e aceleração da temporalidade urbana. Vale lembrar que nas décadas de 1960 e 1970 ainda há a inauguração de amplos espaços de sociabilidade e permanência em Campinas, como o Parque Portugal (Lagoa do Taquaral), o Centro de Convivência da Praça Imprensa Fluminense e mesmo o Parque Central do projeto do Paço Municipal de Campinas. Contudo, desde então, e com a progressiva transformação da experiência urbana, alguns destes espaços nas áreas centrais têm seu significado alterado e mesmo deixam de existir, a exemplo dos locais citados anteriormente.

Um segundo aspecto que cabe indagar no plano de Prestes Maia se refere aos argumentos mobilizados pelo engenheiro-arquiteto para a implantação de parques em Campinas. Ao longo de sua argumentação, Maia se sente na necessidade de fundamentar suas propostas apesar da “má educação da raça em matéria positiva de recreio” e vícios da população, acostumada a “sports impróprios”, sendo fundamental realizar em conjunto com os melhoramentos urbanos, “exercícios” de educação psicológica da população. Em suas próprias palavras, Maia argumenta:

Por outro lado, é errôneo crer que meras medidas satisfaçam installar parques, clubs, etc. É verdadeira arte e exige mesmo além do grande conhecimento de psychologia popular, certa educação gradual das

massas. O recreio activo é um derivativo hoje mais que nunca indispensável às populações. (MAIA, idem)

Como visto no item anterior deste capítulo, durante as décadas iniciais do século XX, os projetos de intervenção urbana na Europa e nos Estados Unidos normalmente estavam associados à “questão social”, numa compreensão que a reforma do ambiente urbano transformaria a condição de vida das classes populares, supostamente mais vulneráveis aos vícios, à criminalidade, ao alcoolismo e às epidemias e doenças. Contudo, ao avaliar as intervenções ocorridas no Brasil durante a Era Vargas, Ribeiro e Cardoso destacam que a cidade ainda não aparecia como uma forma modeladora dos comportamentos dos trabalhadores, ainda que os ambientes urbanos fossem importantes espaços de legitimação do Estado Varguista. Para os autores, ainda que aspectos pontuais como as moradias fossem eventualmente mencionados como fundamentais na criação de hábitos salutares aos trabalhadores, as reformas urbanas não são explicitamente marcadas pelo anseio e pelo projeto de um controle e transformação popular. (RIBEIRO & CARDOSO, op.cit., p. 62)

Subjaz ao raciocínio apresentado no Plano de Melhoramentos Urbanos uma concepção parcial desta interpretação, na qual a cidade é vista como parte importante na educação dos hábitos populares, mas que apenas o meio não seria suficiente para tal elevação. Por exemplo, em seus dispositivos adicionais, isto é, “extra-materiais”, há a sugestão para que se fundem “comissões civis” em Campinas, “destinadas a colaborar com caráter mais consultivo e técnico, nos assuntos principais do município”, como educação, indústria, urbanismo, agricultura e assistência. Ao justificar a importância destas comissões, Maia indica que “poderão funcionar perfeitamente em cidades progressistas e cultas como Campinas”, sendo valiosas na criação da consciência e educação da população. Em suas palavras, “os municípios são, conforme frase consagrada, a escola do cidadão. Para que isto se efetive, as comissões civis são o meio justo e legítimo” (MAIA, op.cit., p. 121). Ou seja, não é apenas uma mudança no meio que promoveria uma transformação nos maus hábitos da população, mas sim esta aliada a uma efetiva organização civil voltada para a conscientização e educação dos campineiros, ou, como na citação anterior, a configuração de campanhas de “psicologia popular” que busquem educar as raças para o adequado usufruto do novo ambiente.

Dando seguimento aos temas presentes no Plano de Melhoramentos Urbanos, Maia dedica um item específico às “unidades residenciais”. Aqui Prestes Maia defende a

aplicação da experiência americana da “neighbourhood unit”, sendo “porções de cidade que, ao menos para as atividades do bairro, funcionam como unidades self-sustaining ou completas”, devendo preencher os vãos entre as grandes vias radiais e perimetrais. Neste tópico, Maia revela a inspiração no projeto aplicado em Radburn, nos Estados Unidos, que foi “concebida para ser a cidade da era do automóvel”, por apresentar excelentes soluções viárias, além de pretender “ser autossuficiente, com áreas residenciais, comerciais e industriais cada uma, complementando as necessidades uma das outras”. Este modelo tinha um planejamento de todas as casas “terem acesso a passeios de parque”, (KROGH, op.cit., p. 238) tendo edifícios projetados com foco em áreas de parque, com salas de estar e de quartos voltados às áreas ajardinadas. Novamente se destaca a preocupação com a questão viária, com passeios públicos e com recreios em áreas coletivas da cidade, mesmo pensando nas unidades e bairros residenciais.

Contudo, carece uma explícita indicação na exposição de quem seriam os moradores pensados para estas modernas unidades residenciais. Esse silêncio é chamativo, tendo em vista que, ao tratar das moradias populares, Prestes Maia sente-se confortável a explicitar seu planejamento específico na malha urbana de Campinas. No item dedicado à localização privilegiada à indústria, estas deveriam ficar próximas “à faixa da Paulista, além do armazém regulador” por três principais motivos: o fácil acesso às ferrovias e estradas, por evitar que a fumaça das chaminés fossem lançadas ao centro da cidade, e também pela proximidade dos bairros operários da Vila Industrial e do São Bernardo, fazendo com que “o recrutamento da mão de obra” seja fácil (MAIA, op.cit., p. 108) aos industriais. Ou seja, dentro da lógica racionalizadora do funcionamento da cidade, as classes operárias tinham seu lugar imediato e sua função explícita naquela sociedade: viverem próximos à indústria, em bairros operários voltados pela proximidade do trabalho. Por outro lado, as planejadas unidades residenciais a serem construídas nas intermediações da cidade possivelmente fossem pensadas para outros agrupamentos sociais, como as classes médias e as elites locais.

Outro elemento que destaco na exposição do Plano de Melhoramentos Urbanos se refere à área central da cidade. Para Prestes Maia, Campinas estava numa zona intermediária de problemas relativos ao seu centro: eram problemas grandes demais para serem ignorados, mas diminutos para soluções ousadas e onerosas. Característicos das cidades de médio porte, este “meio termo” deixava a atuação do urbanista ainda mais complexa, tendo em vista que precisava buscar soluções com intervenções menores e de baixo custo. Em sua análise, o

problema fundamental do centro de Campinas não era relativo ao trânsito, mas sim às ruas estreitas e problemas de “comodidade e estética”, sendo necessária uma ação mais pensada ao desenvolvimento futuro de Campinas do que seus problemas viários imediatos.

Como solução para as estreitas vias existentes no centro de Campinas, Prestes Maia aventa duas possibilidades: a primeira, adotada em cidades da Europa que buscaram preservar certos patrimônios medievais das “picaretas do progresso”, seria “distribuir o tráfego por fora, e não por dentro”, alargando a área central e preservando a intervenção em edifícios de alto valor comercial e/ou histórico. A segunda opção ataca “de frente os centros acanhados e congestionados”, adaptando-os às necessidades da cidade. (MAIA, op.cit., p. 94). Para Campinas, as condições estudadas apontavam para que mais adequada opção fosse a intervenção direta no acanhado centro, abrindo duas grandes avenidas transversais na malha central da cidade. Em sua avaliação, tal solução teria mais adequação para a situação campineira pois o centro de Campinas é:

Mais espalhado, a topographia é mais uniforme, não há sectores próximos isolados entre si, não há espaços baldios annulares que facilitem as perimetraes, não há salto tão brusco de preços entre o centro e a zona média, não há monumentos ou aspectos tradicionaes centraes a conservar, não há praça comercial para encher e construir condignamente, dentro de prazo curto, mais uma ou duas avenidas. (MAIA, op.cit., p. 95. grifo meu)

Observa-se então que, para as soluções estéticas, de comodidade e de planejamento futuro para Campinas, decidiu-se por uma intervenção direta das “picaretas do progresso” em duas vias centrais de Campinas. O engenheiro-arquiteto, a seguir, dedica-se a explanar as possibilidades de escolha das vias a serem alargadas, indicando como principais sugestões as ruas Campos Salles e a Francisco Glicério. Essas seriam vias em geral convenientes, pois, além da questão de sua localização e mobilidade urbana, são opções que atingem “somente prédios desimportantes” ou de “baixo custo”.

Ora, já foi apontado anteriormente que as experiências urbanas são múltiplas e diversificadas, não existindo um critério universal de estética, de importância e de valor arquitetônico que contemplem toda a sociedade. Neste sentido, é interessante se perguntar o que seriam esses edifícios desimportantes, ou melhor, para quem esses edifícios eram ou não importantes. Certamente foram erigidos com uma finalidade e atendiam a interesses de seus frequentadores/inquilinos. No intuito de esmiuçar essas questões, Prestes Maia fornece-nos

uma valiosa pista: ao versar sobre a importância da construção de uma perimetral média próxima à estação da Paulista, que Prestes Maia chama de “Avenida Paulista”, é argumentado que a construção desta artéria teria vantagem pois, além de racionalizar e especializar o fluxo urbano, seria “fácil de abrir porque apanha só quintais, triângulos baldios, e cantos ou cotovelos de ruas, pracinhas hoje sem utilidade” (MAIA, op.cit., p. 88. grifos meus).

Neste ponto penso ser fundamental cruzar o Plano de Melhoramentos Urbanos com a pesquisa realizada por Kléber Amâncio sobre os processos crimes envolvendo negros em Campinas nas décadas do pós-abolição. A documentação trabalhada por Amâncio abordava processos de diversos delitos, como furto, vadiagem, alcoolismo e defloramento. Dentre os aspectos notados na documentação, destaca-se a reincidência dos réus em apresentarem como residência “quintaes” espalhados nas áreas centrais, inclusive com menções à rua Francisco Glicério. Era também em certas vias centrais, especialmente nas proximidades do famoso Theatro Rink que se situavam os chamados botequins, frequentados pela população preta e mulata de Campinas, locais estes frequentemente associados pelas autoridades como ambientes degenerados e perigosos.

Para esta população empobrecida, residir nas áreas centrais das cidades - mesmo em habitações coletivas como cortiços de quintais - e frequentar os espaços de lazer ali existentes eram elementos centrais de suas experiências urbanas e de suas histórias pessoais. Ao longo do tempo, tais locais de habitação e lazer significavam a possibilidade de construção de laços e redes pessoais entre estes sujeitos, elemento fundamental para sua sobrevivência numa sociedade preconceituosa, excludente e marcada pelo racismo. Ainda, as habitações coletivas no centro facilitavam o acesso às diferentes áreas da cidade e, como muitos desses inquilinos trabalhavam com comércio de rua ou em mercados, como lavadeiras ou domésticas em residências particulares da cidade, na indústria, e trabalhos informais e intermitentes, a moradia no centro era também um facilitador para acessar diariamente estes ambientes de trabalho. (AMÂNCIO, K., 2010. GHIRELLO, B., 2018.). Se tais sujeitos não fossem excluídos das Comissões de Urbanismo e dos principais jornais e veículos de imprensa do período, provavelmente discordariam a partir de suas experiências, da taxativa falta de importância escrita no Plano de Melhoramentos Urbanos sobre os edifícios da área em questão.

É significativo um caso retratado por Kléber Amâncio sobre o processo-crime de Benedito Manuel. Este trabalhador, negro, empregado à fazenda Matto Dentro, informou ter

residência fixa em um “quintal” situado no nº 110 da rua Francisco Glicério; ou seja, teve a opção de buscar uma moradia nesta área central, ainda que se deslocasse diariamente uma boa distância para o trabalho no campo. A opção pela residência numa rua central de Campinas revela as vantagens específicas envolvidas em tais escolhas, conforme aponta o historiador:

É simbólico na medida em que mostra como uma personagem quer se desligar do passado. Mora ao centro, é responsável por organizar o seu próprio trabalho, afinal escolhe para quem e onde trabalhara, senhor de si enfim... (AMÂNCIO, op.cit., p. 50)

Ou seja, por trás do taxativo termo “desimportante”, reside uma disputa entre as percepções e apropriações sobre o significado dos espaços urbanos, ausentes na forma uníssona e deliberativa com que Prestes Maia argumenta em seu Plano de Melhoramentos Urbanos.

Contudo, é preciso um pouco de cautela para evitar conclusões simplificadoras e binárias, que reduzem a criação e execução do Plano de Melhoramentos Urbanos a uma forma consciente e voluntária para excluir exclusivamente a população pobre e negra dos espaços urbanos centrais, num maniqueísmo redutor das tensões e interesses associados ao projeto. Penso que, ainda que de fato tenha ocorrido um ataque às moradias coletivas e aos espaços de sociabilidade popular durante as reformas urbanas em Campinas, sua concepção e execução operou com múltiplas variáveis e interesses (incluindo a não inserção dos grupos subalternos nas comissões e discussões do Plano de Melhoramentos Urbanos), e não tinha como objetivo consciente e deliberado – como muitas das práticas excludentes da história – a específica expulsão destas populações.

Penso que para compreender o significado de formação destas medidas, é válida as reflexões levantadas por Christian Topalov sobre a relação da “questão social” e as reformas urbanas no início do século XX. Para o autor, os discursos dos reformadores urbanos eram frequentemente difundidos como científicos e neutros, ou seja, supostamente não estariam atrelados a nenhum grupo específico em particular da sociedade. Afirmava-se que tais reformadores se pautavam em análises técnicas e estatísticas, e tinham como fim último a organização espacial da cidade para o progresso universal da sociedade. Com vistas a este objetivo pretensamente universalizante era fundamental operar concretamente intervenções e reformas na cidade, o que colocavam os reformadores em choque com interesses particulares dos diferentes sujeitos sociais: proprietários e inquilinos de cortiços, empresários,

trabalhadores, investidores, desempregados, agentes sanitaristas e outros cientistas. Estabelece-se, portanto, uma contradição: o bem coletivo exige sacrifícios individuais, e,