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2.2 – A CIDADE CONTEMPORÂNEA E O NOVO URBANISMO Para Ascher (2010), o crescimento da cidade está ligado ao

Parte II: está dividida em duas seções: a primeira faz uma análise mais descritiva das experiências nos processos de revisão dos

2.2 – A CIDADE CONTEMPORÂNEA E O NOVO URBANISMO Para Ascher (2010), o crescimento da cidade está ligado ao

desenvolvimento de técnicas de transporte e de armazenamento de pessoas, bens e informações, que se articulam com três componentes da modernização: a individualização, a racionalização e a diferenciação social.

Na introdução da obra “Os novos compromissos urbanos – Léxicos das cidades plurais”, o autor trabalha com quatro componentes, que na sua visão são muito importantes para a formação das cidades contemporâneas: 1) uma sociedade que mudou muito; 2) uma sociedade que continua mudando; 3) a metropolização e a metapolização; 4) os novos compromissos urbanos21.

Partindo de uma visão crítica da vida urbana europeia, o autor ao observar e analisar as estruturas das cidades francesas conclui que é inevitável a transformação das estruturas da sociedade, haja vista a profundidade das mudanças nos processos sociológicos, demográficos, de consumação, trabalhistas dentre outras. Suas análises sociológicas procuram apontar características mais gerais sobre a sociedade contemporânea como um todo, ou focam-se no estudo e na descrição dos padrões comportamentais da sociedade francesa.

O autor busca uma correlação entre sociedade e urbanismo contemporâneos, a partir dos novos compromissos desse urbanismo, por acreditar no seu caráter reformador como prática e como ciência e também porque globalmente o urbanismo parte do postulado de que é necessário e possível agir simultaneamente sobre as cidades e sobre a sociedade (ASCHER, 1995).

François Ascher entende o urbanismo contemporâneo como sendo:

[...] o conjunto das teorias e práticas de ordenamento e de gestão dos espaços urbanos, do seu planejamento aos seus serviços, passando pelo urbanismo operacional, pelos estudos e pela composição urbana. Apresentando-se então simultaneamente como um conhecimento dos fenômenos urbanos, como projeto de cidade e

21

Texto original: “Une societé qui a beaucoup changé; Une societé qui

continue de changer; Métropolisation et métapolisation; Les nouveaux compromis urbains” (ASCHER, 2010, p. 127).

conjunto de técnicas de ação sobre o espaço (ASCHER, 1995, p. 136).

O autor defende a necessidade de um profundo conhecimento da sociedade e da cidade como elementos básicos para formulação do urbanismo enquanto ciência.

Na coleção de obras revisadas em 2010, Ascher retrabalha o que ele chama de “terceira modernidade”22. A partir dos conceitos de individualização e socialização, ele expressa as mudanças sociais que aconteceram a partir do final da década de 1960 e início da década seguinte, colocando que essas mudanças são provavelmente mais importantes até mesmo do que as que aconteceram a partir do fim da segunda guerra mundial.

Nessas obras o autor enfatiza que o processo de individualização é um dos grandes responsáveis pela transformação das estruturas familiares, sociais e profissionais, pois insere os indivíduos em redes cuja solidez dos laços é cada vez mais fraca, em que as pessoas conhecem cada vez mais pessoas e desenvolvem por meio dessas relações laços cada vez menos intensos.

Já em sua obra “Metapolis: Ou futuro das cidades”23 (1995), Ascher aponta como características específicas da sociedade francesa as mudanças na estrutura sócio-profissional que vão além da redução dos ativos na agricultura. Ele constatou que houve uma considerável diminuição do número de operários e empregados administrativos nas empresas, enquanto que aumentaram os efetivos das profissões intelectuais superiores e as profissões intermediárias ligadas ao comércio e à prestação de serviços. Isso significa dizer que cada vez mais profissionais dependem economicamente de outras pessoas, ou da concentração delas – o que leva a uma economia cada vez mais urbana.

Ao referir-se sobre o processo de metropolização, Ascher (2010) vincula esse quadro de economia urbana ao conceito de capitalismo globalizado, afirmando ser uma fase do capitalismo fundada na produção, apropriação, venda e uso de informações, de conhecimento e de procedimentos em uma nova escala: a aglomeração urbana. Esse tipo de economia só é possível, entre outras coisas, graças à concentração de riquezas humanas e materiais através do processo de urbanização que o autor descreve como metapolização.

22

Texto original: “troisième modernité” (ASCHER, 2010).

23

Tradução literal do título do livro: “Métapolis: Ou l'avenir des villes” (ASCHER, 1995).

Para Ascher (2010) a “metapoles” são:

“[...] vastos territórios numa escala em que se organiza a vida urbana, doméstica e econômica, formando uma área urbanizada dilatada, descontínua, heterogênea e polinucleada que abrange num mesmo conjunto de cidade densa e do neo-rural, da pequena cidade, da aldeia e do subúrbio”24.

Dessa forma, pode-se afirmar que as cidades contemporâneas são profundamente heterogêneas, que refletem a imagem de uma sociedade complexa, multifacetada e individual, na qual os cidadãos aspiram a práticas múltiplas. As características que correspondem à estrutura dessa sociedade e a estrutura da urbanização estão presentes na maior parte do discurso do François Ascher, que evidencia a importância dessa relação para a construção de um novo urbanismo, de uma nova forma de pensá- lo, que esteja sintonizado com as transformações que ocorrem tanto no quadro social, quanto na maneira como se organizam e se reinventam as cidades.

Inserido nessa lógica, Ascher (2010) desenvolve um vasto estudo de como vivem os habitantes das metápoles, ou seja, quais são os modos de vida relacionados aos grupos sociais em relação à apropriação que têm da cidade onde vivem. Segundo o autor, existem nas cidades francesas quatro tipos de cidades e quatro populações que a elas correspondem. Esses tipos estão resumidos no quadro 05, a seguir:

24

Texto original: “[...] vastes territoires à l’échelle desquels s’organise la vie

urbaine, domestique et économique, formant un espace urbanisé distendu, discontinu, hétérogène, polynucléaire, qui intègre dans un même ensemble de la ville dense et du néo-rural, de la petite ville, du bourg et du suburbain”

Quadro 5 - Tipos de Cidades e de População, segundo François Ascher Tipo de Cidades e população Características % 1

Uma população que ama a cidade; que usufrui intensamente de seus equipamentos e que por isso está disposta a sacrificar a superfície habitável privativa. Essa população é composta em geral por jovens casais qualificados ou por pessoas com forte capital cultural.

40

2

População que mais precisa da cidade do que a ama. Moram na periferia ou nos subúrbios, se deslocam mais, frequentam menos os equipamentos, vão mais ao centro da cidade. Essa população é composta por famílias com filhos e pertencem a classes sociais mais modestas e médias.

40

3

População que escolheu viver no campo e tirar proveito da metrópole (“rurbanos”). Deslocam-se muito de carro, são multimotorizados e em geral nutrem um ideal anti-urbano. População frequentemente bem situada, pois este é um modo de vida bastante caro.

10

4

População que mora em grandes conjuntos habitacionais. Boa parte dessa população vive quase reclusa em seus bairros – geralmente subequipados e com grandes problemas sociais. Frequenta muito pouco o centro da cidade e tem dificuldades para se deslocar e por acessar a pé o trabalho.

10

Fonte: Baseado em Ascher (2010).

Por essas características, percebe-se que o autor tem um posicionamento consolidado a respeito da sociedade francesa, que se manifesta por um novo modelo de urbanismo, atualizado, sintonizado e atento às transformações do tempo, do espaço e, consequentemente, da sociedade e que não pode ser mais uniforme, como era no urbanismo moderno.

Esse tipo de urbanismo deve adaptar-se a cada necessidade urbana, contudo, sempre atento a compromissos comuns, pois as cidades contemporâneas são feitas de espaços e habitantes completamente diferentes. Essa adaptação, segundo Ascher (2010): “envolve também uma arte de compromisso, pois cada situação, cada questão urbana,

necessita considerar vários interesses e a construção de arranjos e maioria ad hoc”25.

Com o processo de mundialização cultural e econômica, percebemos que essa visão de cidade, por conseguinte, de urbanismo, alcançou outras partes de mundo. No entanto, cabe a pergunta: as constantes mudanças que vêm ocorrendo na sociedade brasileira em relação à participação na elaboração de políticas públicas guardam proximidade com o pensamento de Ascher?

Não em suas motivações explícitas, mas o fato é que estamos passando por um momento de transformação no que diz respeito a mudanças na sociedade e também em nossas cidades, e Ascher (2010), ao analisar as cidades na França, nos indica alguns caminhos, sobretudo no que diz respeito à necessidade de observamos uma realidade urbana diversificada e portanto muito diferente de como ela era vista pelo urbanismo modernista.

25

Texto original: “[...] implique aussi un art du compromis car chaque

situation, chaque enjeu urbain, necessite la prise em compte d’intérêt variés et la construction d’arrangements et de majorités ad hoc” (ASCHER, 2010, p.

3 – DEMOCRACIA DELIBERATIVA E CONSTRUÇÃO DE UM