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1.1 CONDIÇÕES SÓCIO-TERRITORIAIS PARA A ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR

Parte II: está dividida em duas seções: a primeira faz uma análise mais descritiva das experiências nos processos de revisão dos

1.1 CONDIÇÕES SÓCIO-TERRITORIAIS PARA A ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR

Localizado na Mesorregião Serrana do Estado de Santa Catarina, Microrregião dos Campos de Lages, denominado Planalto Serrano, o município de Lages dista cerca 175 quilômetros da capital Florianópolis. As origens do município de Lages, segundo Peixer (2002) remontam ao século XVIII e associam-se à manutenção do território Português no Sul do Brasil Colônia e ao comércio de gado entre paulistas, mineiros e estancieiros do Estado vizinho, o Rio Grande do Sul.

Esse município, localizado às margens do antigo caminho de Sorocaba, foi fundado no ano de 1765. Historicamente, destacou-se como entreposto de tropas de cargas e mercadorias e atualmente apoia-

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Entrevista realizada em 17 de setembro de 2010, na Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Lages.

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se em dois importantes eixos rodoviários: a BR-116 (Norte-Sul) e a BR- 282 (Leste-Oeste). O mapa constante do Anexo 02 mostra sua localização no território catarinense.

Em relação a esses aspectos, Lages mantém fortes os laços econômicos com a pecuária, a agricultura e a indústria madeireira. Cattoni (2009) ressalta que além de um setor primário bastante desenvolvido o município conta com um parque industrial vigoroso, centrado em grande parte na cadeia produtiva da madeira, com destaque para a produção de insumos de madeira, para construção civil e produção de papel e celulose. O setor secundário constitui-se por empreendimentos produtivos ligados aos ramos metalomecânico, de produção de bebidas e de alimentos. Além disso, dada à sua localização geográfica favorável, Lages constitui-se em um importante centro regional de comércio e serviços, os quais detêm papel essencial na geração de emprego e renda do município.

Segundo Peixer (2002), existem dois momentos na história da cidade de Lages que marcaram seu desenvolvimento urbano: o primeiro durante a década de 40, com o início da exploração da madeira, o qual que se estendeu até meados da década de 60. Esse período ficou marcado e caracterizou-se pela grande circulação de pessoas, de mercadorias, de dinheiro e expansão dos limites da cidade. O segundo, nos fins dos anos 60, com o final do ciclo da madeira e a procura por novas alternativas para o desenvolvimento econômico e, consequentemente, da cidade66. Após crescimento demográfico considerável nesse período, o município de Lages atualmente vê seu crescimento populacional estagnado, chegando em 2013 a 157.749 habitantes (IBGE, 2013)67.

A década de 1970, porém, ficou conhecida como o período em que o município andou na contramão da história brasileira, pois enquanto o poder político do Estado catarinense estava em harmonia com a ditadura militar e seu regime autoritário, em Lages instalou-se um regime pioneiro de participação popular na administração municipal, caracterizado pela democracia e inversão da forma de governar o município, que era dominado politicamente por uma oligarquia local.

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Sobre este segundo período, ver Tranjan (2012).

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A população do município de Lages tem oscilado bastante nos últimos anos: segundo dados do IBGE (2013) sua população em 2010 era de 157.682 habitantes, diminuindo para 156.604 em 2012, na contagem do Instituto; porém, em 2013 voltou a subir para 158.961 habitantes. Os motivos dessa oscilação são desconhecidos.

Neste período segundo a Entrevistada 0168, por seu caráter contestatório e contraditório, bem como de oposição ao regime militar, Lages era chamado pelos políticos tradicionais e conservadores de Estado de Santa Catarina de “Republiqueta Marxista de Lages”.

O governo popular de Dirceu Carneiro (1977-1982) implantou uma metodologia inovadora para a época, que valorizava o local, o morador do bairro, o espaço de convivência, de identidades, de cultura e singularidades. Peixer (2002) assinala alguns princípios básicos que nortearam essa administração: a organização e a participação popular; a busca de alternativas econômicas ao modelo industrial; a importância da agricultura; a educação como princípio libertador e organizativo; e a importância da memória, da história e da cultura popular.

Segundo Alves (1988) esse foi um momento de reconfiguração do poder local, em que se buscaram novas relações entre o público e o privado, entre o governo e a sociedade local, bem como a construção de novas parcerias com o intuito de romper com as práticas clientelistas. O governo da cidade tinha um papel essencial nesse processo, pois era o principal empreendedor e responsável pela resolução dos problemas da localidade, sendo que a gestão passava pela participação popular.

Esse período representou a ruptura com o projeto de cidade e com sua percepção construída anteriormente. Segundo Peixer (2002):

Até 1976, as atenções estavam voltadas ao núcleo central da cidade, com incentivo à industrialização, à construção de grandes avenidas, ao asfalto, enfim, desenvolvia-se ações de visibilidade e criação de infra-estrutura [sic] voltada a instalação de grupos econômicos e a industrialização: foi o sonho da indústria, na busca do progresso (PEIXER, 2002, p 188).

Nesse ambiente de diálogo entre o poder público e os munícipes foi projetado um novo plano diretor para a cidade, o qual tinha como base a participação popular na elaboração e gestão. Na visão de Peixer (2002), a necessidade de um novo plano diretor, a partir de estudos realizados inclusive na gestão anterior e de orientações do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERPHAU), era iminente.

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Administradora do Museu Thiago de Castro e Professora da UNIPLAC. Entrevista concedida aos Pesquisadores do Laboratório Cidade e Sociedade (LABCIS), em 17 de setembro de 2010.

A metodologia empregada tinha como principal característica estimular o espírito participativo da população nas decisões sobre as políticas públicas. Por esse motivo, o plano diretor elaborado durante esse governo foi considerado pioneiro no Brasil, uma vez que propiciou a participação de todos os segmentos sociais no âmbito de desenvolvimento econômico e estrutural da cidade através da criação do Conselho do Plano Diretor, com funções consultivas e deliberativas. Por estas características, o ambiente democrático instalado no seio da sociedade, permitiu a constituição de uma esfera pública de debates, caracterizada pela partilha de poder. Segundo Peixer (2002, p.193-194) o plano seguia três eixos norteadores:

- análise da estrutura urbana da cidade, identificando os pontos dos serviços comunitários, tipo de ocupação do solo urbano e sistemas viários;

- levantamento histórico/cultural das ocupações urbanas do município; - participação popular no seu processo de elaboração.

Ressalta-se a importância de dois elementos inovadores nesse processo: a análise histórica da formação e ocupação dos bairros considerada necessária para demarcar os aspectos culturais da produção urbana; e a ênfase na participação popular, que constitui-se como uma verdadeira plataforma de democracia deliberativa.

Segundo a autora, o que emergia dos discursos da equipe encarregada pela elaboração do plano era a interação com os moradores e a intenção de “reverter as prioridades”, dar um novo rumo, outro planejamento à cidade. Ainda em conformidade com suas ideias, esse discurso não estava pautado apenas no planejamento urbano, mas em todos os projetos do executivo, nos quais transparecia a necessidade de valorização da periferia, dos movimentos populares e dos investimentos em agricultura familiar.

Alves (1988) afirma que havia a perspectiva de criação de um Conselho do Plano de Desenvolvimento Urbano, com a função de consulta e de orientação nas políticas urbanas. Somados a essas questões, os debates sobre plano diretor demonstraram profundas preocupações com o crescimento vertical da cidade, com a ocupação e a qualidade de vida no centro, área extremamente valorizada e alvo das especulações imobiliárias. E foi essa a questão crucial para a não aprovação do plano no legislativo municipal: “ao mexer com o capital imobiliário e com os proprietários na área central, as relações foram extremas, o que levou a sua inviabilização” (PEIXER, 2002, p. 199).

Esse aspecto foi fundamental na reprovação do plano, considerado como extremamente exigente para os padrões da cidade. Ao

procurar inverter a lógica capitalista da desigualdade através de mecanismos legais, como o plano diretor, buscou-se ampliar o uso social do espaço e inverter uma trama de desigualdades presentes na cidade desde sua fundação.

Os grupos interessados no capital da cidade, sentindo-se ameaçados por uma administração inovadora e por uma população periférica mais organizada que começava a perceber seu direito à cidade, trataram de abortar essa experiência inédita de planejamento territorial. Como resultado, na eleição seguinte voltaram ao poder os representantes das velhas oligarquias e a antiga maneira de fazer políticas públicas.

A década de 80, que representou em nível nacional um período de abertura política, em Lages, significou a volta às formas tradicionais de gestão municipal. Na década seguinte, os atores tradicionais da política municipal e estadual trataram de “apagar” do cenário regional as lembranças da administração Dirceu Carneiro, através do poder tradicional das elites dominantes locais, como destaca Peixer (2002):

Houve uma prática de apagar as marcas da gestão anterior, seja apropriando-se do discurso e mudando-se em sua essência (vide participação popular), seja pela incineração pura e simples dos projetos e seus registros. Era necessário eliminar da cidade e da memoria essa experiência de participação popular e a melhor forma foi apropriar-se dos discursos (PEIXER, 2002, p. 206).

Diante dessa realidade, a “nova” gestão tratou de cooptar a participação popular, direcionando-a e tutelando-a. Agindo diretamente pela tônica da modernidade do território, mediante a industrialização e a urbanização, reataram-se “as antigas alianças e discursos” para desenvolver a cidade (PEIXER, 2002, p. 207).

No que tange à produção urbana, esse período (1981-1889) foi marcado pela aprovação de um novo plano diretor para a cidade, denominado de “Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano”, que ficou conhecido regionalmente como “Projeto Nova Lages”, caracterizado por um pacto territorial que refletia o jogo político e de interesses que ocorria na cidade em relação à produção do espaço urbano.

Segundo (PEIXER, 2002), esse plano iniciou-se em 1984 e pretendia a atuação conjunta das três esferas de administração (local,

estadual e federal), articulado pelo Gabinete de Planejamento (GAPLAN). Na sua concepção, estava estabelecido o pacto entre o Estado e as elites econômicas na apropriação e reprodução do espaço urbano, haja vista as entidades ligadas ao estudo/produção do território (CDL, ACIL, CREA, Câmara de Vereadores).

A reflexão sobre esse período do planejamento de Lages faz-se necessária para poder-se perceber que havia uma tradição associativa e participativa, mas que foi combatida pela elite política conservadora local e estadual.

1.2 - CRONOLOGIA DO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO