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Mapa 1 – Região Metropolitana de Belém

2 METRÓPOLE RIBEIRINHA? VIDA COTIDIANA NA GRANDE

2.1 A cidade e a metrópole

Belém é uma cidade para a qual convergem diversos elementos em unicidade exclusiva e muito peculiar. Uma cidade entrecortada por rios e avizinhada de florestas. Uma cidade populosa, com trânsito intenso, tomada por arranha-céus. Uma cidade de longa história, envolvida por uma metrópole de história recente. Uma cidade à qual é possível associar diversos adjetivos. Isoladamente ou em combinações, tais afirmativas podem ser relacionadas a pouquíssimas grandes cidades do mundo. Sua fundação, em 1616, teve uma finalidade bem clara: garantir a soberania da coroa portuguesa na região amazônica. Por esse motivo foram estrategicamente escolhidas as margens do Rio Guamá e da Baía do Guajará como local para fundação da cidade, por permitirem o controle da circulação no Rio Amazonas, principal acesso à região.

A cidade então se expandiu acompanhando a orla fluvial, interiorizando-se e posteriormente continentalizando-se, em um fenômeno composto por três fases de crescimento. A primeira seria a ribeirinha, que vai da fundação de Belém até meados do

século XVIII, quando a cidade já se destacava como principal entreposto comercial da Amazônia. A segunda seria de penetração (ou interiorização), até meados do século XIX, quando a expansão exploração e comércio da borracha propiciou grande dinamismo à cidade, com a modernização de sua infraestrutura. Logo em seguida iniciou-se a fase de continentalização, marcada pelo avanço da urbanização para sua hinterlândia (MOREIRA, 1989).

Trindade Junior, Santos e Ravena (2005) acrescentam a estas a fase de metropolização, iniciada ainda nos anos de 1960 e formalizada em 1973 por meio da lei complementar federal que criou a Região Metropolitana de Belém. Inserida em um contexto mais amplo de mudanças em nível nacional e regional, tal fase é um dos reflexos da efetiva integração econômica da região amazônica ao Nordeste e ao Centro-Sul do País, processo este que tem na inauguração da rodovia Belém-Brasília um marco bastante expressivo. A partir desse momento, toda a região experimenta a significativa mudança de deixar de ter nas vias flúvio-marítimas seu principal meio de circulação, tanto de produtos como de pessoas, implicando na ampla redefinição dos espaços urbanos amazônicos.

Naquele contexto, é preciso destacar a intensificação dos fluxos migratórios para e na região Norte do País resultante das políticas macrorregionais implementadas nos anos de 1960, como o Plano de Desenvolvimento Nacional, a Operação Amazônia e o Plano de Integração Nacional. Por sua condição de metrópole regional, polarizando enorme quantidade de cidades, vilas e ilhas (CASTRO, 2006), tornando Belém desse modo o principal destino da população migrante da Amazônia Oriental. Na ausência de um setor industrial capaz de absorver os milhares de pessoas que nela chegavam, a cidade viu a integração desses migrantes ao mercado de trabalho acontecer por meio da realização de pequenas atividades de sobrevivência. Com isso, os anos de 1970 foram marcados pelo rápido crescimento populacional e pela periferização da população pobre, que a princípio se adensou nas áreas centrais da cidade, fenômeno este que, para Trindade Junior (1998), caracteriza o primeiro momento da metropolização em Belém, no qual se constituiu uma forma metropolitana compacta.

Mais especificamente, a população de baixo poder aquisitivo se estabeleceu nas baixadas, frações da área urbana de Belém que, devido às suas condições topográficas originais, correspondentes ao nível da planície de inundação, permanecem constantemente alagadas ou sujeitas a inundações durante determinadas épocas do ano. Tais áreas chegavam a compor cerca de 40% do sítio urbano original, correspondente hoje à área mais adensada do espaço urbano (TRINDADE JUNIOR, 1997). Por passarem a desfrutar, no contexto

metropolitano, de uma localização privilegiada, relativamente próxima do núcleo central da metrópole, no segundo momento da metropolização as baixadas sofrem um intenso processo de valorização do solo, muitas vezes refletido na verticalidade do ambiente construído.

Este segundo momento da metropolização de Belém, que marca o período atual do processo, caracteriza-se por uma forma metropolitana dispersa, com o surgimento de novos espaços de assentamento urbano, fora da área central da cidade. Trindade Junior (1998, p. 4) esclarece que assentamento urbano são as “práticas regularizadas, ou não, do ponto de vista jurídico, explícita ou implicitamente orientadas, que viabilizam o acesso da população de baixa renda à terra urbana para fins residenciais”. Tal expressão pretende evidenciar que essas práticas são induzidas pela lógica capitalista que preside a localização das classes sociais e de suas frações no espaço metropolitano, não surgindo, portanto, de maneira espontânea. Refere- se às ocupações urbanas, comumente chamadas de “invasões”, aos conjuntos habitacionais produzidos por iniciativa direta do Estado ou da iniciativa privada e aos condomínios residenciais populares, de iniciativa de empresas imobiliárias. Conforme o mesmo autor, muitos desses assentamentos incluem as classes populares no sentido estrito do termo e frações da classe média empobrecida, que se veem obrigadas a morar em habitações de qualidade inferior e/ou em espaços de localização relativamente desfavorável.

Assim, em Belém, como em outros contextos da Amazônia, o processo de metropolização se caracteriza pela seletividade de áreas residenciais, pelo crescimento explosivo de periferias populares e, principalmente, pela constituição de novas territorialidades no interior do espaço metropolitano (CORRÊA, 1989). Segundo Trindade Junior (1998), a verticalização contribuiu fortemente para isso, por ter propiciado uma dispersão horizontal em direção às rodovias, que vem se consolidando desde a década de sessenta. Com isso, define-se outra paisagem às áreas centrais, a dos arranha-céus, que simbolizam uma barreira tanto física quanto social no conjunto do espaço urbano de Belém. Concomitantemente, observa-se a incorporação à malha urbana de espaços de outros municípios até aquele momento considerados rurais.

Quando instituída pela Lei Complementar Federal nº 14 de 08/07/73, a RMB, ou Grande Belém, era constituída pelos Municípios de Belém e Ananindeua. Mais de duas décadas depois, formalizando a referida incorporação, foram incluídos na RMB por meio da Lei Complementar Estadual nº 027 de 19/10/95 os Municípios de Benevides, de Santa Bárbara (Município criado a partir do território de Benevides pela Lei nº 5.693 de 13/12/91) e Marituba. Este último era inicialmente um núcleo urbano que integrava os Municípios de

Ananindeua e Benevides, sendo transformado em Município pela Lei nº 5.857 de 22/09/94 e oficialmente constituído com a posse de seu primeiro Prefeito, em janeiro de 1997.

Evidenciando o dinamismo do processo de metropolização, que de acordo com Trindade Junior (1998) é marcado por (des)continuidades, (re)construções e (re)estruturações, outros dois municípios foram incluídos na RMB já no século XXI. Santa Isabel do Pará e Castanhal têm origem nos esforços de ocupação da Região Bragantina ao final do século XIX, contando com estações de trem durante o funcionamento da estrada de ferro Belém-Bragança. O primeiro Município, localizado a 36 km de Belém, foi incluído na RMB pela Lei Complementar nº 072/2010. Já Castanhal, localizado a 68 km da capital paraense, foi incluído por meio da Lei Complementar nº 076/2011. Com isso, a Região Metropolitana de Belém tem hoje a configuração espacial possível de ser observada no mapa 1, logo abaixo.

Mapa 1 – Região Metropolitana de Belém

Fonte: IBGE; SIVAN (2013). Adaptado por Leonardo Alves e Tiago Veloso.

No que concerne aos novos espaços de assentamentos urbanos em Belém, estes se configuraram principalmente a partir de meados dos anos de 1980, situando-se, em sua maioria, nos eixos da Rodovia BR-316 e da Rodovia Augusto Montenegro. A primeira é uma rodovia federal que liga Belém aos Municípios que integram a atual Região Metropolitana, estendendo-se pelo interior de quatro Estados da Região Nordeste do Brasil. Já a segunda é

uma rodovia municipal, que conecta Belém a Icoaraci e a Outeiro, distritos administrativos integrantes do Município de Belém.

Essa dispersão expressa espacialmente o processo de metropolização belenense, na mesma medida em que reflete articulações e contradições estabelecidas no plano local, delineadas por determinações de ordem estrutural que presidem o processo de urbanização brasileiro (TRINDADE JUNIOR, 1998). Pari passu a mudanças na paisagem urbana, a metropolização vem imprimindo em Belém transformações no modo de vida na cidade, o que será melhor discutido na seção seguinte.