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Mapa 1 – Região Metropolitana de Belém

2 METRÓPOLE RIBEIRINHA? VIDA COTIDIANA NA GRANDE

2.5 Pinçando um fenômeno: a gastronomia do açaí

Depois que se aprende a reconhecê-los é que se nota o quão presente são os açaizeiros na paisagem urbana de Belém. Nos mais diversos pontos da cidade, é possível observar exemplares dessas palmeiras, que representam uma das cinco espécies do gênero Euterpe encontradas no Brasil. Típica das áreas de igapó, várzea e matas de terra firme do estuário amazônico, a espécie Euterpe oleracea Martius é encontrada nos estados brasileiros do Amapá, Amazonas, Maranhão e Pará. Este tem a maior concentração de plantas nativas, as quais podem ser encontradas também nas Guianas e Venezuela (FADDEN, 2005; FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2010; GUIMARÃES et al., 1998a; OLIVEIRA; FARIAS NETO; PENA, 2007).

É característica dessa espécie o agrupamento em touceiras, bem como a apresentação em um único estipe (caule). A planta é aproveitada desde as raízes até as folhas, sendo os frutos o produto de maior relevância. Ao atingir entre três e quatro anos de idade, os açaizeiros iniciam seu ciclo de produção, com a quantidade de cachos produzidos variando muito em função das condições de fertilidade e umidade do solo, e da luminosidade. Cada cacho costuma produzir algumas centenas de frutos arredondados de coloração roxo-escura, à exceção do tipo chamado “branco”, cujos frutos são de coloração verde (NOGUEIRA; FIGUEIREDO; MÜLLER, 2006).

Na Amazônia, ocorrem dois períodos de safra, com características bem diferenciadas. A safra de inverno corresponde ao período de chuvas, quando os frutos são colhidos em diferentes estágios de maturação, apresentando coloração roxo-azulada e produzindo uma polpa considerada de qualidade inferior. Já a safra de verão ocorre no período de estiagem e tem produção de duas a três vezes maior que na outra safra. Neste período, há maior homogeneidade nos estágios de maturação dos frutos colhidos, que apresentam coloração vermelho-arroxeada e proporcionam uma polpa considerada de melhor qualidade. No Pará, a safra de maior produtividade corresponde ao período entre os meses de julho a novembro. Diferentemente, no Estado do Amapá a produtividade melhor ocorre de janeiro a junho, o que exemplifica bem as variações regionais quanto aos períodos de produção (SUFRAMA, 2003; GUIMARÃES et al., 1998a; GUIMARÃES et al., 1998b; NASCIMENTO, 2000).

Dos frutos, o principal produto resultante é a polpa, voltada majoritariamente para o uso na gastronomia, em infinitas possibilidades. No portal online da Prefeitura Municipal de Inhangapi, cidade paraense conhecida como “a terra do açaí”, é possível encontrar quinze

receitas nas quais a polpa do açaí figura como ingrediente. Pudins, bolo, torta, pão, brigadeiro e até mesmo cocada somam-se ao já mencionado sorvete e também aos bombons facilmente encontrados em diversos pontos comerciais pelas cidades, demonstrando toda a diversidade que encerra a gastronomia do açaí. No entanto, é consenso entre o senso comum e diversos autores que a tradição esteja no consumo do vinho do açaí (AZEVEDO; KATO, 2007; COSTA, 2011; DAMASCENO, 2009; FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2010; GUIMARÃES, 1998; GUIMARÃES et al., 1998a; MOURÃO, 2009; MELO et al., 2010; NASCIMENTO, 2000; OLIVEIRA; FARIAS NETO; PENA, 2007; SILVA; SANTANA; REIS, 2006; SILVA; SILVA, 2006; SIMONIAN; NASCIMENTO, 2004).

Isso se justifica facilmente mediante o fato de ser esse o produto que se fez iguaria de consumo cotidiano no Pará há décadas, pela interação das sociedades tradicionais com a biodiversidade local. Quando se fala em “açaí” o que vem à mente de quem conhece o Pará não é o fruto, mas o sumo dele extraído. É ele que diariamente movimenta pessoas em suas casas, batendo no maquinário próprio os frutos colhidos nos quintais. É ele que se faz presente pelas ruas de diferentes cidades do Estado, em pontos de venda facilmente identificáveis mesmo aos olhos destreinados. Placas e lanternas vermelhas artesanais anunciam sua venda, muitas vezes com fotos ou desenhos de temas relacionados ao produto: a palmeira carregada de cachos, os cachos carregados de frutos, os frutos acondicionados nos paneiros4, estes empilhados nos barcos que os trazem dos locais de produção até os locais de comercialização. No nome dos estabelecimentos, identifica-se o produto e o proprietário do local, a origem dos frutos ou as qualidades do açaí: Açaí do Heron, Açaí da Ilha, Açaí do Bom. Já nas tabelas de preço, o que se anuncia é o valor cobrado, variando conforme a diluição da polpa, tão mais cara quanto menos diluída. É esse o açaí que cedo se apresenta ao paladar das crianças e que faz com que os idosos contem histórias do tempo em que o ritual do despolpamento passava literalmente pelos dedos das mãos. É ele que materializa a noção de diversidade amazônica na variedade de horários, formas e acompanhamentos com que é consumido.

Com isso, nos vemos diante do que Maciel (2005) chama de prato emblemático, por fazer parte de um discurso que expressa pertencimento e, portanto, identidade. Em torno da gastronomia do açaí se constituem ritos que contam sobre o ser paraense e o ser belenense, em um espectro amplo e variado. Inclui o fato de se tratar de um produto reconhecido não somente na Amazônia ou pelo Brasil, mas em diversas partes do mundo. Ou seja, esse

4 Cestos feitos da palha da palmeira trançada em que tradicionalmente são acondicionados e transportados os

fenômeno envolve tanto a tradicionalidade, quanto as peculiaridades que a modernização assume no Estado e, mais especificamente, em Belém, mediante sua metropolização.

Partindo dessa premissa é que tomamos a gastronomia do açaí como um fenômeno de potencial explicativo relevante sobre identidade em Belém. Tendo em vista que a noção de identidade envolve uma diversidade de perspectivas de compreensão, fez-se necessário optar por um referencial teórico-conceitual que dialogasse com os meandros e matizes desse fenômeno. Tal referencial, juntamente com as justificativas para sua escolha, encontra-se apresentado no capítulo a seguir.