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Mapa 1 – Região Metropolitana de Belém

3 IDENTIDADE DE LUGAR: fio da meada, fio condutor

3.3 Identidade e Psicologia

Como já antecipado, a concepção de identidade surgiu simultaneamente na Antropologia e na Psicologia, sendo que esta última buscava explicações para o modo de agir dos indivíduos em seu comportamento, em um desdobramento das elaborações sobre personalidade. Mediante o papel privilegiado na investigação do indivíduo e seus processos mentais, a Psicologia desenvolveu estudos sobre identidade partindo desta perspectiva. Na Sociologia, a crítica feita pela às concepções mais individualizadas da formação da subjetividade resulta na emergência de um sujeito sociológico. Como alternativa, desenvolveu-se um concepção focada na participação do sujeito em processos e estruturas sociais mais amplas, a qual veio a influenciar, já em meados do século XX, o desenvolvimento de uma teoria psicológica social da mente.

Como principal contribuinte nessa seara, temos as elaborações do interacionismo simbólico de George H. Mead, cujo modelo interativo tornou-se a concepção clássica de identidade, situada entre o mundo pessoal e o mundo público, formada na interação entre o eu e a sociedade (HALL, 2006). Tal concepção interacionista de identidade embasa uma perspectiva sociopsicológica muito utilizada em abordagens das áreas de psicologia cognitiva e social nos últimos anos. Segundo Bonaiuto e Bonnes (2000), trata-se de uma perspectiva que não nega uma realidade psicológica e cognitiva, mas conecta essa realidade às atividades e processos socialmente compartilhados, estudando suas interfaces. Tem como unidades de análise pessoa e ambiente, buscando pelo entendimento das relações causa-efeito entre elas (ALTMAN; ROGOFF, 1987; VALERA, 1996). Assim, os estudos que se baseiam nesta perspectiva focam as relações entre processos psicológicos, ambiente e fatores situacionais, assumindo que tais variáveis podem ser compreendidas separadamente, em consonância com a funcionalidade que tenham para o entendimento de suas relações.

No que concerne à identidade, a perspectiva interacionista acrescenta que a identidade pessoal também pode ser definida com base em um sentimento de pertencimento a grupos ou categorias sociais, o qual influencia não só os comportamentos dos indivíduos como dos grupos (TWIGGER-ROSS; BONAIUTO; BREAKWELL, 2003), o que comumente se designa como identidade social. Hall (2006) ressalta que nesse modelo interativo permanece certa ênfase na existência de um núcleo ou essência interior de um “eu”, com a consideração da noção de identidade como constantemente formada e modificada em diálogo com o mundo e a cultura exteriores ao sujeito, como resposta aos símbolos de uma determinada cultura (TWIGGER-ROSS; BONAIUTO; BREAKWELL, 2003).

Fundada nos princípios básicos de categorização e comparação social, a Teoria da Identidade Social (TIS) salienta que parte da identidade é definida por meio das relações sociais. Os processos de categorização fazem referência à definição da identidade em termos de categorias ou grupos sociais (gênero, etnicidade, nacionalidade, classe social) que ofereçam características e atributos de distinção de outros (pessoas e grupos). Já a comparação social assume que os indivíduos tendem a perceber as características distintivas de si ou de seu endogrupo avaliando-as positivamente, com vistas à aquisição ou preservação da autoestima e, consequentemente, ao desenvolvimento ou manutenção de uma identidade satisfatória. Na TIS, a identidade social, como comumente é designada a noção tratada pela teoria, é vista como uma parte do autoconceito que deriva do pertencimento a grupo(s) sociais e dos significados valorativos e emocionais subjacentes a esse pertencimento (BONAIUTO; BREAKWELL; CANO, 1996; HAUGE, 2007; TWIGGER-ROSS; BONAIUTO; BREAKWELL, 2003).

Neste referencial, o contexto aparece como necessariamente implicado na definição do conceito de si e assume-se nas formulações teóricas da TIS que há uma relevância do lugar para a identidade em momentos de decisão por mudanças para lugares específicos com a finalidade de manter ou aumentar uma identidade social positiva (TWIGGER-ROSS; BONAIUTO; BREAKWELL, 2003). No entanto, cabe destacar que o apontamento feito por alguns autores de que as análises desenvolvidas nesse referencial dão pouca atenção aos aspectos físicos do ambiente e mesmo ao papel do lugar no desenvolvimento da identidade (VALERA; POL, 1994; TWIGGER-ROSS; UZZEL, 1996). Neste mesmo sentido, Bernardo e Palma (2005) argumentam que na TIS os aspectos ambientais e os objetos são considerados somente como representativos e de suporte para as relações sociais.

Ao mesmo tempo em que isso significa um avanço em relação às perspectivas que a antecedem, é preciso ressaltar que na perspectiva interacionista permanece um enfoque de análise unidirecional (VALERA, 1996) da relação entre duas entidades separadas – indivíduo e sociedade – que se conectam. Historicamente, essa lógica favoreceu a predominância metodológica de pesquisas experimentais em settings que garantissem observações de respostas individuais atribuídas a determinados estímulos ambientais relevantes (BONAIUTO; BONNES, 2000). Com isso, as análises feitas em muitos campos da Psicologia em geral não eram dos fenômenos tal como observados na realidade cotidiana, em toda a sua complexidade. Isso se constituiu uma crítica a tais elaborações ainda ao final do século XIX, que se fortaleceu no início do século seguinte com a emergência dos movimentos estéticos e

intelectuais que culminaram no surgimento do Modernismo e acarretaram importantes mudanças institucionais e estruturais (HALL, 2006).

Como mencionado anteriormente, esse momento da história guarda como característica bastante distintiva o extremo dinamismo a que estão submetidos os sujeitos. Segundo Hall (2006), um fator comum entre as elaborações de importantes teóricos sobre a relação dessa característica com a identidade é a ênfase dada às descontinuidades. Disso emerge a concepção de sujeito pós-moderno, para a qual diferentes identidades seriam assumidas em diferentes momentos, as quais seriam unificadas em torno de um eu coerente. Postulou-se, assim, uma identidade continuamente formada e transformada. Na Psicologia Social isto se consolida, com diferentes autores abordando a identidade como processo que expressa o movimento social, se constituindo na relação do sujeito com seu contexto sociohistórico. Portanto, a identidade seria resultante do processo de apropriação (CIAMPA, 1987; JACQUES, 1998) entendido como interiorização da práxis humana por meio de seus significados (VIDAL; POL, 2005).

Pensar a identidade nesses moldes demanda a superação da unidirecionalidade na qual se pautava a perspectiva interacional. A alternativa apontada por alguns autores é a perspectiva transacional, de caráter molar, que compreende pessoa e entorno holisticamente definidos em um sistema integrado, em oposição ao caráter molecular que considera pessoa e ambiente separadamente (ALTMAN; ROGOFF, 1987; VALERA, 1996). Nesta perspectiva, o que se propõe é o entendimento das transformações do sistema, as quais são inerentes a ele, tendo como ferramenta para tanto a investigação das qualidades relacionais intrínsecas aos fenômenos, considerando aspectos psicológicos, contextuais e temporais como inseparáveis.

Aqui, a unidade de análise é a inter-relação pessoa-ambiente, entendida como sendo de natureza recíproca e bidirecional. Este entendimento encontra-se implícito nas raízes da Psicologia Ambiental desde as primeiras produções neste campo (ITTELSON et al., 1974). Partindo dele é que a Psicologia Ambiental avança em relação à Psicologia Social, ao colocar em cena o entorno em que os indivíduos vivem como elemento ativo para a constituição da noção de identidade. Nessa perspectiva, um marco é a formulação da teoria geral da identidade de lugar por Proshansky, Fabian e Kaminoff (1983). Na seção a seguir a relação entre identidade e Psicologia Ambiental é aprofundada, bem como os esclarecimentos sobre qual conceito de identidade de lugar é tomado neste trabalho.