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Muito tem-se discutido sobre as questões referentes as cidades, temática sobre a qual debruçam-se distintas áreas do conhecimento, – antropólogos, sociólogos, urbanistas, geógrafos, historiadores, psicólogos etc. – cujos estudos versam sobre as incontáveis problemáticas oriundas do viver urbano. A cidade consiste, portanto, em um fecundo universo que viabiliza uma pluralidade de recortes analíticos.

Nasce-se, mora-se, trabalha-se, vive-se nas cidades, sejam pequenas, médias, grandes ou megalópoles, são lugares onde as práticas cotidianas se desenrolam, e apresentam uma constelação de desafios a serem pesquisados, pensados ou/e solucionados. Essas investigações almejam a compreensão acerca de temas complexos e abrangentes como, as organizações sociais, dinâmicas populacionais, construção do espaço, significados simbólicos, violência urbana, segregação espacial e social, modos de vida etc. – gizados pelos habitantes que através das ações cotidianas vão engendrando a cultura urbana.

A cidade indubitavelmente é marcada pela volatilidade, um incansável fazer, construir e desconstruir que são instituídos ao longo dos tempos pelas relações sociais. Cada sociedade em cada momento histórico desenha nas urbes uma imagem singular. Nesse particular a paisagem urbana fitada, encontra-se impregnada de memória e de significados – que se delineiam e se transformam a partir das vivências ulteriores, que deixam impressas distintas temporalidades. Como bem observa Baudelaire, “as formas de uma cidade muda mais depressa, lamentavelmente, que o coração de um mortal.”62 Assim, a “cada instante existe mais do que a vista alcança, mais do que o ouvido pode ouvir, uma composição ou um cenário à espera de ser analisado.”63

62 BAUDELAIRE apud LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1988, p. 143.

85 Tal angulação, que remete ao dinamismo foi também privilegiada no entendimento de Michel de Certeau. Para o autor a cidade é o “lugar de transformação e apropriação, objeto de intervenção, mas sujeito sem cessar enriquecido com novos atributos: ela é ao mesmo tempo a maquinaria e o herói da modernidade.”64

É nesse cenário de inquestionável riqueza que se engendram os processos e estruturas que enlaçam as diversas formas de sociabilidade, as relações, o público e o privado (DAMATTA, 1991). Em diferentes épocas, germinam as contradições, as rupturas, as artes, as ciências, o desenraizamento, espaço onde,

aparece a multidão, a massa [...], assim como o líder, dirigente, demagogo,

condottiere. Aí se formam o cidadão e a cidadania, o solitário e a solidão, o

radical e o fanático, o suicida e o profeta, o artista e o cientista, assim como o aventureiro, o blasé, o flâneur.

Embora traços e fragmentos de modernidade se encontrem por toda parte na sociedade moderna – o que pode significar que nos lugares mais óbvios os seus segredos permanecem indecifrados –, há não obstante dois lugares nos quais sobressaem acima dos outros: na metrópole e nas relações sociais capitalistas. Para Simmel, Berlim da passagem do século era o seu lugar por excelência; para Kracauer, Paris e, [...] para Benjamim, em sua visão pessoal a mesma Berlim, mas, na sua mais ambiciosa teoria social da modernidade, Paris no meio do século XIX. No que se refere ao capitalismo, Simmel prefere enfatizar o processo de troca e circulação na economia monetária desenvolvida; Kracauer acentuou o processo de racionalização da produção e das relações sociais, e Benjamin focalizou o processo de troca e circulação de mercadorias, compreendendo o

fetichismo da mercadoria.65

As cidades inspiram reflexões que fazem florescer poesias, prosas, filmes, arte. Fermentam sonhos, amores e temores, incitam dúvidas, práticas e teorias. Esse extraordinário laboratório foi detidamente observado e estudado por Baudelaire, Benjamin e Simmel. A pletora de novas experiências das grandes cidades – na segunda metade do século XIX – serviu de estímulo para estes pensadores, que buscavam compreender a cidade moderna. “Baudelaire focalizou a Paris dos anos compreendidos entre 1840 e 1850, que posteriormente fascinaria Benjamin. [...] A obra de Simmel, Philosophy of maney, [...] publicada em 1900, também focaliza a

64 CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: arte de fazer. 10 edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1994, p. 174.

65 IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 125-126.

86 experiência de divagadores e consumidores nos espaços urbanos novos e repletos de Berlim.” (FEATHERSTONE, 1995, p. 106).

Atinente a esse período de transformação da cidade moderna, Frúgoli,66 discorre que as memoráveis alterações ocorridas primeiramente em Londres e Paris – posteriormente em outras urbes ocidentais – tornaram as cidades desconhecidas aos seus próprios moradores.

Os espaços centrais como ruas e praças passaram por profundas alterações, provocados pelo ritmo intenso de circulação. Situação desencadeada graças ao “movimento concomitante [da] expulsão [dos] moradores e [a sua] reintegração como transeuntes ou eventuais consumidores.”67 Dessa forma, intensifica-se, a diversidade social nos espaços públicos.

Além disso, as intervenções mudam a relação da população com os espaços da cidade, transformando os tipos de usos tradicionais. As praças monumentais – com grandes espaços abertos e jardins – erigidas nesse período, em Londres e Paris, restringiam a aglomeração “pois mudou a liberdade com que as pessoas poderiam se reunir. A reunião de uma multidão se tornou uma atividade especializada; acontecia em três locais: no café, no parque para pedestre e no teatro.”68 Nega-se, desse modo, os usos que anteriormente caracterizavam o logradouro como espaço de usos múltiplos e popular, esmaecendo-o como ponto central da vida urbana. “Essas cidades deixam de ter um centro referencial, iniciando a dispersão e fragmentação de sua centralidade.”69

Diante de tantas mutações a cidade torna-se cada vez mais estudada, exigindo uma soma maior de interlocutores que possam dar contar de responder às questões e propor soluções a altura do grau de amplitude e complexidade do objeto. Ora, não é de se admirar que no bojo dessas considerações resplandeça a seguinte indagação: o que é a cidade?

66 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 13.

67 FRÚGOLI JÚNIOR, Heitor. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Edusp, 2000, p. 20.

68 SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 76.

87 Nestor Garcia Canclini, referindo-se sobre o que seria uma cidade, assevera que até a primeira metade do Século XX, para responder a essa indagação, comumente os estudiosos teciam suas considerações a partir das configurações físicas. Nesse sentido, o campo era tomado como ponto primordial de comparação. A cidade seria, portanto, o oposto do campo, um agrupamento denso e extenso de indivíduos socialmente heterogêneos. Não obstante, nas duas últimas décadas do Século, ocorre profunda alteração no modo de se conceber e pensar a cidade, pois os processos culturais e os imaginários passam a figurar as elaborações acerca dessa temática tão complexa. Tendo como pilar essa compreensão, as cidades não subsistem apenas como ocupação de um território, construção de prédios e interações materiais entre seus habitantes. “O sentido e o sem sentido do urbano se formam, entretanto, quando o imaginam os livros, as revistas e o cinema; pela informação que dão a cada dia os jornais, o rádio e a televisão sobre o que acontece nas ruas.”70 O antropólogo declara, ainda, que não é possível estabelecer com precisão o que seria uma cidade, nem mesmo o que são cada uma de suas representações específicas.

De fato desvendar, depreender o que seria a urbe é algo ainda labiríntico, implica trabalhar com palavras ou descrições imprecisas, que podem não atingir a plenitude dos seus significados. Dessa maneira, definir a cidade, bem como entender as miríades questões do fenômeno urbano são temáticas, sob as quais se debruçam os cientistas sociais.

No rastro das profundas transformações promovidas pela Revolução Industrial, o frenético crescimento das cidades, novos modos de vida e interação social apontam novas problemáticas que estão amalgamadas a própria fundação das Ciências Sociais.

Nesse tocante cumpre salientar que a urbe é analisada sob a ótica de distintas matrizes teóricas, notáveis desde os clássicos da sociologia – Karl Marx, Durkheim e Max Weber – que marcaram o pensamento sobre a cidade.

70 CANCLINI, Nestor García. Imaginários culturais da cidade: conhecimento/ espetáculo/ desconhecimento. In.: COELHO, Teixeira (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras/ Itaú

88 Relativo a esse aspecto Bárbara Freitag, em “Teorias da Cidade”, persevera que Durkheim, Comte e Le Play “não mencionam o fenômeno ou fato social da cidade em suas obras.”71 No entanto, Freitag, argumenta que a sociologia desenvolvida na Alemanha, que teve um engate multidisciplinar (filosofia, literatura, política, economia, direito), elegeu a ‘cidade’ (grifo conforme original) como um “objeto de estudo privilegiado da modernidade”. Seus precursores Marx e Engels, Simmel, Sombart e Weber, são figuras que influenciam e influenciaram novas gerações de sociólogos e os estudos nos distintos campos da Sociologia – e em especial no tocante a Sociologia Urbana.

Sant’Anna, ao debruça-se sobre as reflexões traçadas sobre o urbano, apresenta o pensamento engendrado pelas distintas matrizes teóricas. Nessa esteira desenha-se um panorama das concepções que marcam esse objeto de estudo, tendo como recorte analítico também os clássicos. Para a autora Durkheim interessou-se diretamente pela cidade, isso devido à atenção que o pensador dava à morfologia urbana. Segundo Sant’Anna, Durkheim,

toma como referência para a análise da sociedade a disposição, em determinado território, de uma massa de população de certo volume e densidade, concentrada nas cidades ou dispersa nos campos, que, servida por diferentes vias de comunicação, estabelece diferentes tipos de contato. É, portanto, no contexto da anatomia da sociedade, em seus aspectos marcadamente estruturais, que a cidade surge como substrato da vida social, acumulando e

concentrando parcelas significativas da população.72

Seguindo a essa mesma senda, mas entendendo a cidade com outros enfoques teóricos e uma conspícua abordagem empírica, a Escola de Chicago, consiste em outra relevante referência na história das Ciências Sociais e em especial

71 FREITAG, Bárbara. Teorias da cidade. Campinas: Papirus, 2006, p. 17.

72 SANT'ANNA, Maria Josefina Gabriel. A cidade como objeto de estudo: diferentes olhares sobre o urbano. RevistaComciência. Cidades. Campinas/ São Paulo: Universidade de Campinas, 10 de mar.

de 2002, sem paginação. Disponível em http://www.comciencia.br/reportagens/cidades/cid24.htm. Acesso em: 5 de jun. 2009.

89 nos estudos urbanos. Sua importância é significativa, pois traz em cena reflexões inauditas sobre a cidade, elegendo-a como foco primordial de investigação.

No cerne dessas considerações, faz-se mister sublinhar, o pioneirismo da Escola na prática etnográfica “voltada ao contexto urbano (num âmbito inicialmente sociológico) e a primeira, segundo Cuin & Gresle, a tomar a cidade como laboratório de análise da mudança social e a formular uma “concepção” 'especializada' do social e, reciprocamente, socializada do espaço.”73 Suas célebres contribuições dilatam-se, ainda, ao empregar a observação participante, história de vida, coletas de dados, entrevistas etc, nas análises das pesquisas, especialmente, por imiscuir ao trabalho investigativo o entendimento de que “os indivíduos estão permanentemente interagindo [...], em harmonia ou conflito, mas sempre através de relações sociais que são as unidades da vida social e não o indivíduo isolado.”74

Na trilha dessa percepção é factível reconhecer a forte influência de Georg Simmel, que se estabelece seja de modo implícito ou explícito. O quadro de reflexão simmeliana encontra-se ancorada em questões sobre as transformações da paisagem urbana, em especial a metrópole, e a relação desta com as alterações nos modos de vida, maneiras de pensar e se comportar nesse novo ambiente. Preocupava ao grande teórico entender as contradições peculiares a cultura que lhe era contemporânea. Nesse sentido buscava apreender no nível do cotidiano as inumeráveis mudanças do mundo moderno: crescimento urbano, a divisão do trabalho, o dinheiro, o ritmo vigoroso, ansioso, fragmentário e fugidio da grande cidade. Para Simmel75 (1979) a economia monetária, confere à metrópole traços insignes das pequenas urbes. Considerava que a vida dos habitantes das grandes cidades era caracterizada pela competição, calculismo, pontualidade, exatidão e a indiferença. Ademais, seu percurso teórico caminha pela compreensão das relações sociais e das formas de sociação e de sociabilidade na vida cotidiana.

73 FRÚGOLI JÚNIOR, Heitor. Sociabilidade Urbana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2007, p. 17. 74 VELHO, Gilberto. Individualismo, anonimato e violência na metrópole. In.: Revista Horizontes Antropológicos. Ano 6, N. 13. Porto Alegre, Jun. de 2000, p. 17.

75 SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In.: VELHO, Otávio Guilherme (Org.) O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

90 No bojo dessas transformações a cidade de Chicago é tomada como ponto privilegiado das reflexões, dos estudiosos da Escola de Chicago, pois almejava- se formular soluções para os problemas que são inaugurados com o processo de industrialização e com o crescimento vertiginoso da cidade, ocorridos na passagem do Século XIX para o XX. Em poucas décadas Chicago torna-se uma metrópole, apresentando condições de vida e infra-estrutura precaríssimas. A chegada do enorme contingente de migrantes europeus e americanos altera em poucos anos a cidade, desenhando-se, assim, uma nova fisionomia. Esse caudal de transformações acaba por delinear uma sociedade heterogênea, complexa, diversificada em termos econômicos, sociais, culturais e étnicos, com a formação de guetos de distintas nacionalidades e com indubitável dimensão segregativa. Tal processo assinala, portanto, a separação do espaço da cidade em bairros étnicos, emoldurando fronteiras internas, que tornam-se pontos nodais dos estudiosos da Escola de Chicago.

A dimensão da organização social do espaço será um dos temas fundamentais dos estudos urbanos, bastante marcados pela experiência de Chicago. A noção de região moral, desenvolvida por Park é exemplo significativo dessa tendência quando indivíduos com determinadas características sócio-psicológicas, cujas origens podem ser diversificadas, tendem a concentrar-se em áreas específicas da cidade. A preocupação com a ecologia das populações, as relações com o meio-ambiente e a lógica de seus deslocamentos são parte dessa visão significativamente orientada para a organização social no espaço.

Uma das questões mais interessantes, a partir dessa vertente, é, portanto, compreender a dinâmica social dessas populações, suas relações com a cidade como um todo e entre elas próprias. O acelerado crescimento urbano produz, assim, grandes cidades e metrópoles que ocupam áreas vastas com um número de habitantes que chega, em vários exemplos, à casa dos milhões. Estabelece- se o contraste com as aldeias e pequenas comunidades. (VELHO, 2000, p. 16 – Grifos conforme original).

Conforme exposto, Robert Park, um dos expoentes da Escola, apresenta a apreensão da cidade a partir de duas dimensões constitutivas: uma organização física e uma ordem moral. A cidade é entendida, em sua teoria, através de um referencial que tem como bússola os conceitos da ecologia humana. Traça-se, assim, uma análise – baseada na concepção darwinista – que tem como suporte a ecologia animal, o que facultou relacionar a Escola de Chicago a Escola Ecológica.

91 Outro aspecto relevante da ecologia urbana refere-se a sua contribuição nas investigações de novos modos de vida. As pesquisas têm como cenário as cidades, percebidas “como um amplo e complexo mosaico de posições geográficas e agrupamentos étnicos. Cada ‘peça’ desse mosaico apresenta leis próprias. A Ecologia Humana estuda os comportamentos humanos e os efeitos da posição espaço- temporal sobre os indivíduos.”76 De acordo com essas considerações existem ‘leis naturais’ que determinam o crescimento das cidades e a consequente competição entre indivíduos ou grupos de indivíduos pelos espaços. Dentro dessa perspectiva, a expansão territorial ocorreria a partir do modelo de zonas concêntricas – teoria elaborada por Park e Ernest Burgess.

Contudo, é interessante registrar que, a perspectiva da ecologia, empregada pela Escola de Chicago, tornou-se alvo de críticas de pesquisadores. Comentando a esse respeito, Heitor Frúgoli,77 salienta o posicionamento de alguns estudiosos, a exemplo de Joseph – integrante do grupo de pesquisadores franceses que retomam criticamente a Escola de Chicago. Nas palavras do antropólogo,

O autor frisa, todavia, que a cidade não seria um mosaico de territórios, já que pautada por relações entre duas ou mais populações num mesmo meio ou sistema de atividades, presentes em fenômenos, como a economia da mobilidade residencial, problemas sociais de co-habitação residencial ou de co- presença no espaço público. Nesse sentido, Joseph afirma que a cidade põe em contato sociedades heterogêneas, num espaço diferenciado, lembrando que a ecologia, segundo Park, remeteria principalmente à “descrição de constelações típicas de pessoas e instituições em uma área de habitat humano e das forças que convergem para produzir essas constelações. (2007, p. 22).

Outras iniciativas deslizam no caminho que refutam as concepções engendradas pela Escola de Chicago. Em um artigo bastante elucidativo a esse respeito Maria Josefina Gabriel Sant'Anna, faz um arrazoado das contribuições dos sociólogos franceses, que defendem outra reflexão acerca da cidade. Para os sociólogos franceses o urbano deveria ser entendido como espaço socialmente

76 A CIDADE como habitat na Escola de Chicago. Áreas Vírus: Grupo de Estudos do Centro de Pesquisa ATOPOS. Sessão Estudos Urbanos, [s.n.], nov. 2008, sem paginação. Disponível em:

http://areasvirus.site90.net/?p=6. Acesso em: 15 de abr. 2009. 77 FRÚGOLI JÚNIOR, 2007, p. 22.

92 produzido, incorporando distintas configurações de acordo com os diversos modos de organização socioeconômica e de controle político em que se encontra inserido. Ganha relevo a interação entre as relações de produção, consumo, poder que se reverbera no ambiente urbano. “Esse enfoque expressa o descontentamento dos neomarxistas franceses com a idéia defendida pela Escola de Chicago de que haveria um urbano per se, a partir do qual era possível explicar toda uma série de fenômenos sociais.”78

Nesse horizonte, torna-se pertinente sublinhar o marco que se desenha na segunda metade da década de 1960, com a renovação do pensamento sobre a cidade, proposta por uma nova vertente francesa: Manuel Castells, Raymond Ledrut e Lojkine.79 Segundo Sant'Anna, esses autores trazem a lume discussões que politizam os problemas urbanos, guindam novas questões como os movimentos sociais urbanos, o papel do Estado na urbanização, os meios de consumo coletivo entre outros temas. Cumpre, então, elucidar que tais teorizações sociológicas estão perpassadas pelo âmbito da teoria marxista.

No contexto brasileiro, mostra Edgar Mendonza,80 que as pesquisas realizadas no campo da Antropologia e Sociologia Urbana sofrem influências teóricas de três escolas de pensamento, em distintos momentos históricos, a saber: a Escola de Chicago, a Escola Antropológica de Manchester e a Escola Marxista Francesa de Sociologia Urbana. Sem querer pormenorizar os construtos teórico-metodológicos que vicejam em cada Escola, pois se reconhece a amplitude de tal estudo, cumpre registrar a relevância dessas contribuições, que pavimentaram os estudos urbanos no Brasil.

Sant'Anna assevera que a década de 1960 torna-se o marco do surgimento da sociologia urbana no Brasil como disciplina especializada. Salienta, ainda, que o pensamento de Karl Marx foi preponderante nos trabalhos sobre a

78 SANT'ANNA, 2002, sem paginação. (Grifo conforme original). 79 Id., 2002.

80 MENDOZA, Edgar. Donald Pierson e a escola sociológica de Chicago no Brasil: os estudos urbanos na cidade de São Paulo (1935-1950). Scielo. Porto Alegre, n. 14, jul./dez. 2005. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222005000200015. Acesso em: 6 de abr. de 2009.

93 cidade. Influxo exercido tanto através da sociologia urbana francesa – marcante nos anos de 1980, nos estudos referentes aos movimentos sociais urbanos – como pela visão crítica da teoria da marginalidade. (2002, sem paginação).

A Escola de Chicago, por sua vez, ilustra outro quadro de influência pujante nas investigações sobre as cidades brasileiras. Deixou legado que até a atualidade galvanizam as pesquisas na Antropologia Urbana, sobretudo, daqueles que trabalham com os métodos e conceitos desenvolvidos pela Escola, a exemplo da noção de “zona moral” de Park.81

No tocante ao trabalho aqui proposto importa, no entanto, acentuar a contribuição da Escola para as pesquisas tecidas acerca dos centros das cidades. É a partir da década de 1920, com a Escola de Chicago, que os estudos sobre o centro da cidade ganham ressonância, tornando-se objeto prioritário de investigação. Seguindo essa trilha, ao privilegiarem as pesquisas sobre a evolução, crescimento e o declínio das cidades, e ao levarem em consideração as características históricas e