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O Centro na cidade: evolução e algumas considerações sobre o Centro

O objeto expresso ganha mais enfoque com o contexto de reconstrução europeia, após a Segunda Guerra Mundial. Nesse particular, o interesse pelo centro caminha no sentido de sobrepujar a degradação por este sofrida. Em uma perspectiva funcionalista, o centro era visto com a finalidade de viabilizar sua renovação. Desse modo, as reformas que promoviam a destruição do já construído, eram alicerçadas na compreensão de que era imperioso remover o que impedisse a evolução do centro. Assim, erigiam-se novas edificações sem levar em consideração o valor histórico ou estético.123

De acordo com essas angulações as palavras de ordem eram destruir, construir e reconstruir. As formulações em torno da renovação urbana coadunam-se com o conceito sobre patrimônio vigente na época, em que apenas os monumentos históricos artísticos construídos antes da Revolução Industrial eram considerados bens patrimoniais. Comumente as demolições eram realizadas visando a valorização do patrimônio; retiravam-se os prédios que circundava um monumento com o intuito de torná-lo mais evidente. O apelo à salubridade, outra característica da época, acaba por justificar uma constelação de intervenções nos bairros antigos.124

Tecidas essas considerações mais iniciais, torna-se forçoso indagar porque o centro da cidade torna-se alvo de operações orquestradas com a finalidade de renová-lo. Como surge e o que é o centro da cidade? Puxando o fio que leva a uma melhor elucidação das complexas e abrangentes questões aduzidas, torna-se relevante salientar as considerações de Flávio Villaça, que consiste em um importante contributo a compreensão do objeto apresentado.

123 FERREIRA, Eduarda Lago. Apontamentos sobre o lazer e o patrimônio urbano edificado no centro histórico de Vila Nova de Gaia. Revista da Faculdade de Letras – Geografia I. Porto-Portugal; v. 5/6,

p. 117, 1999/2000. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1622.pdf. Acesso em: 5 de maio de 2009.

116 Villaça125 declara que “toda aglomeração socioespacial humana – da taba indígena à metrópole contemporânea, passando pelas cidades medievais e as pré- colombianas – desenvolve um, apenas um, centro principal.” Com essa afirmação, o autor segue com a tarefa de tecer considerações acerca da natureza do centro e sobre o conceito de centro urbano.

Para a tecedura de tais meandros o autor propõe que se considere uma aglomeração composta de algumas dezenas de casas, na qual ainda não tenha surgido nenhuma instituição coletiva (governo, organização religiosa). Nesse contexto não existe disputa pelas localizações. A partir do momento em que se desenvolvem relações sociais entre as famílias e articulam-se interesses em comum, dilata-se a cooperação e a interdependência entre elas.

Surgem, então, os deslocamentos espaciais regulares e socialmente determinados e disputas ocorrem por localizações em função do domínio ou controle do tempo e energia gastos nos deslocamentos espaciais. Surge um ponto que otimiza os deslocamentos socialmente condicionados da comunidade como um todo – um centro. (VILLAÇA, 2001, p. 239).

Nessa perspectiva, o centro resulta da necessidade de afastamentos indesejados, mas forçosos. Seu nascedouro encontra-se entrelaçado ao desenrolar da vida social, que faz com que desponte atividades que exigem o movimento para um ponto comum (comércio, religião, governo, lazer). Essas atividades devem situar- se em um local que reduza o somatório de todos os deslocamentos.

Em outras palavras, o centro constitui-se à medida que se desenvolve a comunidade organizada, desse processo floresce um ponto que “seria aquele no qual toda a comunidade se reuniria no menor tempo possível.”126 Por isso, não é de se admirar, que ocorra uma disputa pelo centro, e isso, faz com que os terrenos localizados nesse ponto adquiram elevado valor de uso. O autor afirma, ainda, que à medida que a sociedade torna-se mais complexa, grupos ou famílias podem optar por deslocar-se para a periferia.

125 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. 2 edição. São Paulo: Studio Nobel; FAPESP, 2001, p. 237 – grifo conforme original.

117 Frúgoli em sua obra “São Paulo: espaços públicos e interação social” salienta que as distintas e ricas manifestações que germinam na cidade, as relações do comércio, a dimensão política e simbólica, as práticas religiosas, as exibições artísticas, as relações de encontro, sociabilidade, do ócio (lazer), ganham mais eco, mais visibilidade nos centros públicos. Estes seriam, portanto, os espaços onde se assiste a diversidade sociocultural, onde a vida ganha mais veemência e se exterioriza muitas vezes de modo dramático. O centro seria, portanto, uma “espécie de ‘coração’ da cidade, onde se intensificam seus pulsares.”127

Ora, caminhando por essa vereda, torna-se possível perceber “a excepcional importância comunitária e social dos centros que faz com que eles passem a ser objeto de grande valorização simbólica.”128 Ao perscrutar essa abordagem tão ampla, Villaça lança luz que pretende desvendar a noção de centralidade. Para isso, apresenta as considerações de Gottdiener.

Segundo Gottdiener, o modelo de círculos concêntricos de Burgess destaca a noção de centralidade nos seguintes termos: “Assim, as diversas posições não são iguais na competição espacial – existe uma hierarquia de localizações e a posição central domina essa hierarquia em virtude de estar no centro”. Sem dúvida, esse modelo implica que as forças econômicas e políticas requerem centralidade a fim de organizar atividades sociais. Até que ponto a posição central domina a hierarquia de localizações, pode ser uma questão complexa para as metrópoles norte-americanas, mas é mais clara nas brasileiras e provavelmente na maior parte das metrópoles do mundo. (2001, p. 244 – grifo conforme original).

Seguindo a reflexão, o autor indaga até que ponto a posição central domina a hierarquia de localizações, pode ser uma questão complexa para as metrópoles norte-americanas. Sendo isso mais claro nas cidades brasileiras e eventualmente na maioria das metrópoles do globo. Baseando-se nos argumentos intentados por Gottdiener, Villaça esclarece que existe nos Estados Unidos uma forma de assentamento denominado de “multicenterd metropolitan region” ou “polynucleated

metropolitan region”, inexistente, num sentido qualitativo, em outros países do mundo.

127 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 12. (Grifos conforme original). 128 VILLAÇA, 2001, p. 241.

118 Referindo-se especificamente sobre o “centro principal”, Villaça (2001) assegura que é inegável que nas regiões metropolitanas em geral, inclusive nos Estados Unidos, permanece um centro principal (tradicional), seja em cidades como Chicago, São Francisco como também em Nova Iorque. Estes centros seriam mais desenvolvidos que os demais e por isso são chamados de “principal”. (grifo do autor).

Isso se revela, [...] por meio de alguns equipamentos e instituições que inegavelmente são característicos de centros metropolitanos. Em matéria de números, importância, qualidade ou âmbito de influência de equipamentos e instituições culturais, diversão, lazer noturno, hotéis e restaurantes, por exemplo, os centros tradicionais das metrópoles americanas ultrapassam em muitos os demais. [Os demais centros apresentam seus teatros museus restaurantes]. Mas em nenhuma delas os centros apresentam a quantidade, a importância e a qualidade desses equipamentos e instituições que possam ser remotamente comparados às sinfônicas, óperas, balé, teatros, museus e restaurantes encontrados nos centros principais de Nova Iorque ou São Francisco. O mesmo pode ser dito com relação a agências do poder público, em qualquer de seus níveis. (2001, p. 245).

Essas inferências são descortinadas com o intuito de caracterizar o que se entende por um centro principal e salientar seu papel, sua relevância e unicidade presente em qualquer aglomeração territorial humana, mesmo em regiões metropolitanas norte-americanas, consideradas as mais dispersas, e simultaneamente a mais polinucleadas do mundo.

Raquel Ronik (1986), abordando sobre essa temática assegura que o centro é uma zona privilegiada no que concerne às vantagens locacionais por abarcar investimentos urbanos acumulados ao longo dos tempos. Nesse sentido, o centro de uma cidade é percebido em todos os pontos como um lugar estratégico. É uma área de distribuição de transporte e de intensa circulação de pessoas. Além disso, de modo geral, é o local onde nasceu a cidade, por isso concentra as edificações mais antigas, envelhecidas pela ação do tempo.

O centro é a área da cidade que mais curto-circuita grupos sociais, que intercepta e redistribui fluxos que percorrem a cidade inteira; que, por princípio mesmo de formação é a região mais misturada da cidade. No entanto, e provavelmente por isso mesmo, os empreendedores de re-urbanizações se referem ao centro urbano como se este fosse uma unidade; em seu nome e

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benefício o centro deve ser transformado – para ser signo evidente das normas

que imperam na cidade.129

Corroborando com essas elaborações Villaça,130 referindo-se ao contexto das cidades brasileiras, salienta que os centros tradicionais das metrópoles, apesar da evidente “decadência”, continuam sendo os pontos irradiadores da organização espacial urbana. Os centros ainda abrigam a maior concentração de lojas, escritórios e serviços da cidade. Por isso, também, continuam destacando-se como o local que mais oferta empregos. Sendo assim, atendem mais a população do que outros centros das metrópoles, pois atraem o maior número de viagens. São ilustrativas a esse respeito as cidades de São Paulo e Salvador, onde o centro apesar de apresentar notável declínio, continua sendo áreas de intenso fluxo.

Outro aspecto destacável remete-se a importância que a elite sempre atribuiu ao centro da cidade. Por possuir uma pluralidade de características, almejava- se residir no centro ou nas áreas próximas. Desse modo, a ocupação do centro com residências dos mais abastados não foi fortuita.

No cenário brasileiro essa realidade é marcante desde a gênese das vilas e cidades. A partir da doação de terra denominada sesmaria “para determinado santo, com a consequente construção de uma capela e instituição de uma paróquia ao seu louvor”,131 surgiam as cidades coloniais brasileiras. Em frente à capela eram erigidos os primeiros espaços públicos do Brasil: as praças.

Assim, no espaço livre em frente às igrejas, a vida social e cultural ganha mais visibilidade. A praça era, portanto, “um espaço polivalente, palco de muitas manifestações dos costumes e hábitos da população, lugar de articulação entre os diversos estratos da sociedade colonial” (ROBBA; MACEDO, 2004, p. 22). Paulatinamente, em seu entorno surgiam os mais relevantes prédios administrativos, os melhores comércios, atraindo desse modo, as mais ricas residências. Foi

129 RONIK, Raquel. São Paulo na virada do Século: o espaço é político. Espaço & Debates. São Paulo: Editora Cortez. Ano VI, N.17, 1986, p. 50.

130 VILLAÇA, 2001, p. 246. (Grifo conforme original).

131 ROBBA, Fábio; MACEDO, Silvio Soares. Praças Brasileiras. 2 edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003, p. 18.

120 justamente esse núcleo a partir do qual se propagou as urbes – formando-se ruas, largos, outras praças – que deu origem aos centros das cidades.

No Período Republicano, os valores vigentes na época pespegam um novo panorama, desejava-se apagar as marcas do passado, de um Brasil colonial, sinônimo de atraso, antítese do progresso e modernidade. Nesse compasso forjava- se uma imagem cosmopolita para a cidade, com indubitável influência francesa.

Desde o final do Século XIX, assiste-se o surgimento de projetos de modernização das cidades brasileiras com forte influência europeia, mas notadamente da França e Inglaterra. Nesse sentido a valorização dada a esses países nortearam as reformas urbanas, – com a finalidade de sanear, ordenar a malha viária, embelezar – que visavam a transformação da cidade colonial em republicana. No cerne dessas alterações, os centros urbanos foram alvo do chamado “bota fora”, casas foram demolidas, ruas foram alargadas, a população pobre foi varrida das áreas centrais das cidades. No ceio dessas alterações, o Rio de Janeiro, capital do Brasil nesse período, torna-se a vitrine da qual as demais cidades se espelhavam. Desse modo, as reformas ocorridas no tecido urbano carioca, orquestradas pelo engenheiro Pereira Passos, espalhou-se por todo país – São Paulo, Salvador, Recife entre outras. Evidenciava-se uma nova ordem, pois as cidades, em especial seus centros, deveriam exibir a aparência de bela e higiênica.

Reportando-se ao contexto paulistano, Frúgoli,132 elucida que a partir do Século XIX, com o fim da escravidão e a necessidade de grande mão-de-obra para suprir as indústrias, afloram-se a presença popular na cidade. Delineia-se, assim, um novo quadro social: negros, imigrantes estrangeiros, mulheres, crianças, comerciantes passam a figurar os espaços públicos. Esses novos atores sociais são fortemente reprimidos pelo poder público, através de intervenções saneadoras, que objetivavam segregá-los em espaços circunscritos. Ocorre, portanto, uma notória separação com a concentração das camadas sociais de baixa renda em bairros operários. Ou seja, mesmo apresentando traços de ocupação popular, o centro tradicional abrangia tipos de usos destinados ao grupo social de maior poder

121 aquisitivo. Situação que persiste até as primeiras décadas do Século XX, quando o centro torna-se um local heterogêneo, deteriorado e popularizado, sendo por esse motivo gradativamente abandonado pela elite.

As experiências de cidade brasileiras facultam perceber, que mesmo não habitando o centro, a população de alta renda deslocou-se para as áreas vicinais. É ilustrativo a esse respeito à cidade de São Paulo, em que a elite concentrada em áreas centrais como Higienópolis, Pacaembu, Alto de Pinheiros, Jardins entre outros, é muito maior que os que optaram por locais afastados como Granja Viana e Alphavilles. No entanto, o anverso dessa tendência também se faz perceptíveis em algumas capitais, exemplar nesse tocante são as cidades do Rio de Janeiro e do Recife. (VILHAÇA, 2001).

Outro aspecto importante diz respeito ao deslocamento dos centros, que seguem na direção ao local de concentração da camada de poder aquisitivo elevado. Dito de outra forma, “outra manifestação da importância dada ao centro pelas camadas de mais alta renda [...] consiste no fato de levarem o centro a se deslocar em sua direção, [...] mesmo quando se afastam dele, esse afastamento seja em parte neutralizado pelo deslocamento do próprio centro na direção dele.” (Ibid., 2001, p. 248-249). Algumas exceções dessa tendência podem ser apontadas como as imediações do Shopping Center Iguatemi em Salvador, o Bairro de Boa Viagem na capital pernambucana, Recife.

Na esteira dessas reflexões, referindo-se em um contexto geral, Villaça argumenta que a “proximidade ao centro foi valorizada pela elite urbana em vários períodos da história. Uma possível exceção talvez sejam as metrópoles norte- americanas, [...] que revelaria uma tendência crescente de as camadas de mais alta renda ocuparem os subúrbios.”133

A proximidade com o centro foi valorizada na cidade medieval, na cidade hispano-americana através das Leyes de lãs Índias, em Machu Pichu, em Teotiuhacan ou em Tenochtitlan (no Peru e México pré-colombianos), nas

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cidades latino-americanas e mesmo no Rio de Janeiro de meados do século XIX.134

Nas décadas de 1950 e 1960 os centros das grandes cidades ainda possuíam expressiva relevância no sentido de agregar atividades e comércio. Nesse contexto assiste-se à penetração de altos investimentos de capital imobiliário na substituição das estruturas pretéritas. “Nesse período ocorre o ápice do processo de “americanização” dos velhos bairros centrais na América Latina, onde grande parte do patrimônio histórico construído foi substituída por estruturas modernas.” Momento igualmente de consolidação do processo de esvaziamento habitacional. Desencadeando o padrão do “Central Business Distict”, ou seja, durante o dia grande densidade humana, por causa do período de trabalho, e a noite vazio ou ocupado com atividades de diversão.135 No bojo dessa tendência começam a tracejar os sinais mais forte de abandono pela população mais abastada. O centro, paulatinamente, vai deixando de ser o lugar profícuo de compras, serviços, empregos, lazer e moradia. Em contrapartida surgem os chamados subcentros136 que visam a atender uma clientela de alta renda. Para esses novos espaços deslocam-se os serviços como: cinemas, restaurantes, lojas de artigos de luxo, bancos, escritórios, profissionais liberais etc. Assiste-se nesse horizonte a tomada do centro pela camada popular.

As teias que foram tecidas desenham um novo quadro, e na aurora dos anos de 1970, os subcentros atingem seu apogeu – com suas lojas departamentos e seus gigantescos cinemas polarizam uma considerável área de influência. Na mesma esteira visualiza-se a proliferação, nas metrópoles brasileiras, dos shopping centers.

134 VILHAÇA, 2001, p. 247.

135 TREVISAN. Tais. Um porto vazio no centro da capital gaúcha: vazios e proposta para sua revitalização. Salvador: Universidade Federal da Bahia/ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

[Mestrado], 2004, p. 75.

136 Segundo Villaça (2001, p. 293-294), o subcentro consiste numa réplica em tamanho inferior ao centro principal, com o qual concorre em parte sem, a ele se igualar. Atende, no entanto, aos mesmos critérios de acesso. A diferença capital é que o subcentro apresenta esses requisitos apenas para uma parte específica da cidade, ao passo que o centro principal engloba toda cidade. Deve-se, ainda, esclarecer a diferença existente entres estes e os centros especializados – a exemplo da Rua Santa Efigênia, em São Paulo, especializada em material elétrico e eletrônico. Estes centros frequentemente atendem a toda cidade, como o centro principal. No entanto, por causa da sua especialização são usados com menor freqüência e por um menor número de usuários. O centro principal ao contrário exerce uma atração mais constante e intenso de pessoas.

123 Sobre esse aspecto Featherstone (1995, p. 145) esclarece que à medida que as cidades se desindustrializam e se transformam em centro de consumo, ocorre o considerável crescimento do número de shopping centers.

Assim, este sucesso das lojas de departamento – o shopping center - possui indubitável poder polarizador e junto com os supermercados e os hipermercados representam, como afirma Villaça, uma grande força de concentração e de rentabilidade espacial. Ou ainda nas palavras de Jean Baudrillard, “há que se ver como centraliza e redistribui toda uma região e uma população, como concentra e racionaliza horários, percursos, práticas.”137 Ora, por isso, não é de se admirar que os hipermercados e os “shoppings vêm apresentando, (...) uma participação significativa no processo de prosseguimento do esvaziamento dos centros principais de nossas metrópoles, embora o declínio desses centros tenha se iniciado antes da vulgarização dos shoppings” (VINHAÇA, 2001, p. 307-308).

Vale, ainda, ressaltar que esse leque de transformações contribui expressivamente para o esmaecimento das funções desempenhadas pelo centro. Além disso, a situação de abandono torna-se mais gritante quando o Estado deixa de realizar investimentos na área central. Nesse tocante a cidade de Salvador é emblemática. Com o argumento de que afastando-se do centro atenderia melhor a população como um todo, o Estado optou pela descentralização, promovendo, então, a migração das funções administrativas para um local, na época, deserto.

Com a migração das principais atividades administrativas, comerciais e serviços e a facilidade de acesso à nova área, o centro tradicional entra em decadência transformando-se numa área residencial de baixíssima renda, marginalidade e prostituição e numa área comercial para as classes baixas – Avenida 7 de

Setembro e a Baixa dos Sapateiros.138

As incontáveis obras, realizadas nos centros de diversas cidades brasileiras, a exemplo do Rio de Janeiro e São Paulo fazem pensar que “não foi por seu ‘envelhecimento’ que o centro principal foi abandonado. Se conviesse às

137 BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Editora Relógio D´Água, 1991, p. 97. 138 PINHEIRO, Eloísa Petti. Dois Centros, duas políticas, dois resultados. X Colóquio Internacional de Geocrítica: Diez Años de câmbios em El mundo, em La Geografía yem las Ciências Sociales, 1999-2008. Barcelona: Universidade de Barcelona, 26 – 30 de maio de 2008.

124 burguesias continuar a usá-lo, elas o teriam renovado e aprimorado, como, aliás, já haviam feito no passado, em inúmeros casos.”139

No cenário mundial, nos anos de 1960, as preocupações sobre os centros urbanos ganham robustez. As concepções modernas de cidade, o urbanismo racionalista e, sobretudo, o zoneamento funcional – a divisão do território em diferentes áreas e distintas funções que nelas aconteciam, das quais se destacam trabalhar, habitar, circular e o lazer – é alvo de inexoráveis críticas. Desenha-se nesse limiar a compreensão de que o zoneamento funcional promove o esmaecimento das funções nas áreas residenciais, além de favorecer o afastamento entre as habitações e áreas centrais. O efeito mais notável desse tipo de planejamento seria o esmorecimento da animação social no centro após o período de trabalho.

Começa a considerar-se que o centro da cidade se caracteriza pela sua cultura,