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Após a Revolução Industrial, a noção de patrimônio passar a enfeixar obras construídas, o que significa dizer, que o tecido urbano é inserido nessa nova ordem, algo que era antes restrito aos monumentos, como foi explicitado anteriormente.

A discussão tecida sobre o patrimônio ganha pujança nos estudos sobre o urbano, guardando íntima relação com as formas de perceber as cidades na contemporaneidade. Uma contextualização parece necessária para estabelecer-se um fio-guia que conduza ao melhor entendimento do objeto apresentado. Devido a sua complexidade e importância a escrita debruça-se, mormente, sobre a temática do patrimônio, expondo-se de modo sucinto, suas implicações nas intervenções e usos dos centros das cidades.

Pedro Paulo Funari e Sandra Pelegrini,140 na obra “Patrimônio histórico e cultural”, apresentam um rico panorama sobre o percurso do patrimônio no contexto mundial, lançando luz sobre o conceito tão em debate na atualidade. Os autores esclarecem que patrimônio é um vocábulo de origem latina patrimonium, que se referia entre os romanos a tudo que pertencem ao pai. Sobre esse aspecto Françoise Choay esclarece,

Patrimônio. Esta bela e antiga palavra estava, na origem, ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo. Requalificada por diversos adjetivos (genético, natural, histórico, etc.) que fizeram dela um conceito "nômade", ela segue hoje uma trajetória diferente e retumbante. Patrimônio histórico. A expressão designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos. Em nossa sociedade errante, constantemente transformada pela mobilidade e ubiquidade de seu presente, "patrimônio

140 FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006, p. 10-11.

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histórico" tornou-se uma das palavras-chaves da tribo midiática. Ela remete a

uma instituição e a uma mentalidade.141

Da origem até hoje, o termo sofreu expressivas alterações, mas foi com o surgimento dos Estados nacionais que desencadeia-se uma transformação radical no conceito de patrimônio. Nesse tocante o exemplo mais fecundo de criação do Estado Nacional seria a França, a partir de 1789, a história revela que não foi fortuito o desenvolvimento do moderno conceito em solo francês. A Revolução Francesa veio desfalecer com as bases do antigo regime. Com o advento da República tornou-se imperioso criar cidadãos, valores, costume, uma língua, uma cultura e origem supostamente em comum. Para que isso fosse perenizado políticas educacionais que difundissem, inclusive entre as crianças, foram empreendidas com o intuito de imbuir desde a mais tenra idade a ideia de pertencimento a uma nação. “Assim, começa a surgir o conceito de patrimônio que temos hoje, não mais no âmbito privado ou religioso das tradições antigas e medievais, mas de todo um povo, com uma única língua, origem e território.” (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 17).

Em meio às lutas que marcaram a Revolução Francesa, criou-se uma comissão incumbida da preservação dos monumentos nacionais, cujo propósito era salvaguardar o que seria representativo da incipiente nação francesa e sua cultura. Apesar de iniciativas desta natureza, a legislação protetora do patrimônio só surgiu na França em 1887, sendo completada por uma legislação na aurora do Século XX, em 1906. “Essas e outras disposições legais, na França, voltavam-se para limitação dos direitos de propriedade privada, em benefício do patrimônio nacional, de acordo com a tradição do direito romano.” Em outros países de tradição latina, a trajetória é semelhante, como no caso do Brasil.142

Tanto a tradição pautada no direito romano, que orienta o entendimento sobre o patrimônio na França e Brasil, como nos países de direito consuetudinário, anglo-saxão, o patrimônio é entendido como um bem material concreto, bem como os

141 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 11.

127 objetos de valor material e simbólico para a nação. A rigor possuem, igualmente, a compreensão de que existem valores comuns, compartilhados por todos que se unificam no concreto. Afora, aquiescem que aquilo que é considerado patrimônio é o belo, excepcional e que, portanto, representam a nacionalidade. Por fim, ambas as concepções preocuparam-se em criar instituições patrimoniais e legislação específica. Cabe, ainda, frisar, que a ênfase no patrimônio nacional ganhou mais relevo no período compreendido entre os anos de 1914 a 1945, quando o mundo assistiu a eclosão de duas grandes guerras, desencadeadas pelo impulso do nacionalismo. No pós-guerra, novos e relevantes agentes sociais destacam-se no cenário internacional, registrando com isso, a decadência dos modelos nacionalistas que enfocaram um patrimônio homogêneo. As experiências fermentadas no mundo, nesse período, – criação de movimentos sociais –, acentua o ímpeto de se valorizar a diversidade nas sociedades. Remetendo-se a esse período Françoise Choay, discorre que na França logo depois da Segunda Guerra Mundial, o número de bens que foram inventariados decuplicara. Envolvendo todas as formas de arte, o domínio “patrimonial não se limita mais aos edifícios individuais; ele agora compreende os aglomerados de edificações e a malha urbana: [...] casas e bairros, aldeias, cidades inteiras, [...] conjuntos de cidades, como mostra ‘a lista’ do Patrimônio Mundial estabelecida pelo Unesco.”143 Na esteira desses acontecimentos a definição do que seria um patrimônio dilata-se. Em meados da década de 1950, ocorre a inclusão não somente da cultura, como também do meio ambiente, grupos sociais e locais como proteção do patrimônio.

Com o despertar para a importância da diversidade, já não fazia sentido valorizar apenas, e de forma isolada, o mais belo, o mais precioso ou o mais raro. Ao contrário, a noção de preservação passava a incorporar um conjunto de bens que se repetem, que são, em certo sentido, comuns, mas sem os quais não pode existir o excepcional. È nesse contexto que se desenvolve a noção de imaterialidade do patrimônio. (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 24-25).

Em 1972 é realizada a primeira conversão sobre o patrimônio mundial, cultura e natural adotada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a

128 Educação, a Ciência e a Cultura). Desse ponto crucial passou-se a considerar que os sítios manifestados como patrimônio da humanidade pertenciam a todos os povos do globo. A partir disso, o reconhecimento de um sítio como patrimônio mundial tem tornado um atrativo cultural e econômico, acentua-se com isso, o fluxo de turismo.

Conforme destaca Beatriz Kara José (2007), desde meados da década de 1960, vem desenvolvendo-se, no Brasil, a política de preservação do patrimônio histórico associada a política de desenvolvimento turístico. Em alguns momentos essa política amalgama-se a meta de dinamizar a economia urbana e reverter o quadro de degradação de diversas cidades. Já nos anos de 1990, esses objetivos imbricam-se a uma nova regência, que se desenha com a perspectiva de modernização produtiva e a competição do país no mercado internacional. Nesse sentido, a indústria do turismo ganha extraordinário destaque, sendo inserido nos planos de desenvolvimento do país, tornando-se, portanto, setor estratégico. No rastro desse novo processo, os investimentos em recursos, tendo em vista a melhoria da infra- estrutura para o turismo, inserem a recuperação do patrimônio histórico.

Esse processo, que ganha corpo, na conjuntura atual, comumente batizado de patrimonialização e estetização urbana, abordado por Henri-Pierre Jeudy (2005), em sua obra “Espelho das cidades”, estão imiscuídas as novas estratégias de marketing, “ditas de revitalização, que buscam construir uma nova imagem para as cidades contemporâneas que lhe garantam um lugar na nova geopolítica das redes internacionais.”144

Fenômeno estes que “os centros históricos não escapam” (PEIXOTO, s.d.). Cumpre assinalar que essa “reinvenção do patrimônio” (BOURDIN, 1984), vem operando-se em escala global.

Um exemplo da operacionalização deste fenômeno é a conexão estabelecida entre cultura e publicidade. [...] A cultura recebeu um papel proeminente, sugerindo consistência e responsabilidade social a uma marca que invista neste campo. Esta perspectiva, do imagemakeing, transcendeu os produtos industrializados, passando a condicionar ações em outros âmbitos, inclusive no da cidade. (KARA-JOSÉ, 2007, p. 21).

129 O novo quadro que se desenha insere-se na lógica contemporânea do consumo cultural urbano, em que a cultura, patrimônio (e tradições), passam a ser moeda de altíssimo valor. No que concernem às cidades, essa realidade é tecida com iguais propósitos, a competição especialmente por turistas e investidores estrangeiros, mobiliza os governos em esforçar-se para vender a imagem de suas cidades. As especificidades de cada urbe adquirem notoriedade, uma vez que, as cidades passam a seguir um modelo homogeneizador, impingido pelos financiadores multinacionais dos gigantescos projetos urbanos.

O modelo de gestão patrimonial mundial, por exemplo, segue a mesma lógica de homogeneização. Ao preservar áreas históricas, de forte importância cultural local, utiliza normas de intervenção internacionais que não são pensadas nem adaptadas de acordo com as singularidades locais. Assim, esse modelo acaba tornando todas as áreas – em diferentes países, de culturas das mais diversas – cada vez mais semelhantes entre si. Seria um processo de museificação urbana em escala global: e os turistas acabam visitando as cidades do mundo todo como se visitassem um único e grande museu. (JACQUES, 2005, p. 10).

Dito em outras palavras, o crescimento do processo de homogeneização simbólico e cultural, engendrado com o desenvolvimento em esfera mundial dos conglomerados midiáticos, mobilizou os grupos políticos em todo o globo a efetivarem ações em torno da valorização dos distintivos culturais, imprescindíveis na formulação do sentimento de pertencimento. Esse conjunto de transformações acaba resultando em uma paradoxal discussão: de um lado a padronização cultural, do outro a autenticidade das culturas. Nesse sentido, a valorização do patrimônio desponta como a “palavra mágica” ou a “expressão-chave” (CHOAY, 2001).

No entrecho das cidades latino-americanas, como salienta Funari e Pelegrini, a valorização do patrimônio cultural e a necessidade de reabilitar os centros históricos, estão inseridos nas páginas do debate acerca do desenvolvimento sustentado, pois esses “centros representam a síntese da diversidade que caracteriza a própria cidade.” (2006, p. 29). Ou, ainda, para usar a expressão de Sharon Zukin, “o centro histórico é um fragmento fundamental da memória pública.”145

145 ZUKIN, Sharon. Paisagens do Século XXI: notas sobre a mudança social e o espaço urbano. In.: ARANTES, Antonio Augusto (Org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000, p. 109.

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Vista por esse ângulo, a reabilitação dos centros históricos, além de potencializar a identidade coletiva dos povos e promover a preservação de seus bens culturais – materiais e imateriais – pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social e, ainda, otimizar os custos financeiros e ambientais do desenvolvimento urbano, através do aproveitamento da infra-estrutura de áreas centrais e do

incremento da indústria turística.146

Até mesmo nos países da Europa, as políticas sistemáticas de recuperação de centros históricos são recentes, adquiriram proeminência com as reflexões suscitadas pelo desenvolvimento do urbanismo moderno.

Assim, nas décadas de 1970 e 1980, assiste-se a um novo processo, o nexo entre o patrimônio histórico com a indústria da cultura, transformando-os em produto de consumo. Nesse mesmo compasso, nas cidades europeias e americanas, uma nova experiência passa caracterizar as medidas de intervenções governamentais, a saber: as políticas de gentrification. Esse processo diz respeito a uma nova tendência mundial, fruto da desindustrialização das urbes e da resultante crise de vitalidade econômica de certos espaços da cidade. Autores como Zukin (1995), Featherstone (1995), Leite (2004), Bidou-Zachariasen (2003) e Harvey (1983, 1996) ente outros, vêm dando indubitável contributo para compreensão dessa temática.

Esse modo de intervenção, inaugurada nos Estados Unidos, ganhou eco também em cidades europeias e na América Latina. Como se pode notar, o “processo em questão é claramente um fenômeno mundial, ocorrendo em cidades de diferentes países como Espanha, EUA [Estados Unidos], Canadá, Austrália, África do Sul, Japão, Portugal, Argentina, França, entre outros.”147 No Brasil são ilustrativas, nesse tocante, os Centros Históricos das cidades do Recife, Salvador, São Paulo entre outras e na França pode-se citar os exemplos de Lyon, Tours e Paris.

Já em solo francês os “processus de 'gentrification' perceptibles dans de

146 FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 29.

147 SILVEIRA, Carlos Eduardo Ribeiro. Processos de gentrificação: a (re)organização espacial nas cidades, a construção de territórios e a questão do espaço como um sistema informacional. VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação: debates em museologia e patrimônio.

Salvador: Universidade Federal da Bahia-UFBa, 28 a 31 de out. de 2007, p. 7. Disponível em: http://www.enancib.ppgci.ufba.br/artigos/DMP--184.pdf. Acesso em: 5 de maio de 2009.

131 nombreuses villes participent de celles-ci.”148 Anne Clerval em seu texto «Gentrification» chama a atenção para o fato de que na Europa continental esse processo começou a ser estudado a partir dos anos 1960-1970, notadamente em torno do Centre de sociologie urbaine de Nanterre, que estudou e criticou profundamente as operações de renovação realizadas pelo Estado na região de Paris. No entanto, a noção de gentrificação não foi utilizada até recentemente na literatura francesa.

Clerval elucida que somente nos anos 2000, um primeiro livro sobre a gentrificação foi publicado em francês. "C’est seulement en 2003 qu’un premier ouvrage lui est explicitement consacré, solidement appuyé sur un article de N. Smith traduit en français (Bidou-Zachariasen, 2003) et qu’une entrée lui est attribuée dans deux dictionnaires"149 científicos. Ainda sobre essa perspectiva a autora acrescenta que na França o termo se limita a esfera científica e é pouco usado pelos meios de comunicação, “qui préfèrent parler des “bobos” ou de “boboïsation”; paré de l’aura des mots anglais, il ne semble pas faire polémique.”150

Ce n’est donc que très récemment que la notion de gentrification suscite l’intérêt de chercheurs français (Bidou-Zachariasen, 2003; Simon, 2005; Fijalkow et Préteceille, 2006), principalement en sociologie urbaine. Parallèlement, l’embourgeoisement de Paris semble autant aller de soi qu’il est peu étudié en réalité. Depuis les années 1980, les travaux qui y sont consacrés sont rares. En outre, un hiatus existe entre les recherches statistiques menées à l’échelle de toute l’Île-de-France (Préteceille et Rhein, op. cit.) et les enquêtes de terrain limitées à un seul quartier. Parmi ces dernières, certaines avaient pourtant cerné – sans toutefois le nommer – les prémices d’un processus de gentrification à Paris (Chalvon-Demersay, 1984; Bidou, 1984, Simon, 1994). Depuis, l’appréhension du processus se limite à des mémoires de maîtrise ou de master

148 BIDOU-ZACHARIASEN, Catharine; HIERNAUX-NICOLAS, Daniel; D’ARC, Hélène Rivière (Dir.). Retours en ville: des processus de « gentrification urbaine aux politiques de «revitalisation » des centres. Paris: Descartes & Cie, 2003, p. 9-10.

149 CLERVAL, Anne. La gentrification à Paris intra-muros: dynamiques spatiales, rapports sociaux et politiques publiques. (Doctorat de géographie, d’aménagement et d’urbanisme). Paris: Université

de Paris 1 – Panthéon Sorbonne; École Doctorale de Géographie de Paris (ED434), 2008, p. 17. Disponível em: http://tel.archives-ouvertes.fr/docs/00/34/78/24/PDF/These_Anne_Clerval_2008.pdf. Acesso: dez. 2012.

150 CLERVAL, Anne. Gentrification. Hypergeo. Disponível: http://www.hypergeo.eu/spip.php?article497. Acesso em: jul. 2013.

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(Feger, 1994; Djirikian, 2004; Mandel, 2005) et à un rapport de recherche

(Bacqué, 2005), toujours concentrés sur un seul quartier.151

O termo gentrification, foi empregado pela primeira vez na aurora da década de 1960, pela socióloga Ruth Glass, para denominar o conjunto de expulsões da população de baixo poder aquisitivo que residiam em áreas centrais da cidade, e sua substituição por moradores de classe média. Ocorrendo, assim, a renovação das habitações, alterando profundamente a forma e o conteúdo social desses espaços urbanos. (SILVEIRA, 2007, p. 7). Catharine Bidou-Zachariasen, na obra “Retours en ville”, apresenta importante contributo sobre a temática e esclarece que,

Longtemps ce processus de ralliement des centres est resté un mystère pour la theorie économiques de la localisation résidentielle qui considérait que les quartiers centraux devenaient, au fil fu temps, de moins en moins attractifs pour les ménages solvables. Puis, étant donné sa persistance et son extension, des explications en ont été proposées. La littérature qui a été consacrée à ce processus urbain – à l’image de la plupart des travaux en sciences sociales – s’organise selon deux tendances : une partie opte pour un cadre explicatif relevant du structurel (poids économique de la promotion immobilière par exemple et rôle de la rent gap ou « différentiel de loyer » : Smith, 1979, 1982, 1987 a et b). Une autre partie replace le phénomène par rapport à une stratégie des acteurs, et même des acteurs individuels (Ley 1981, 1986), correspondant à une attirance pour des modes de vie et de consommation qu’autorise l’habitat en centre-ville. Mais tous ceux qui ont traité de la gentrification la replacent aussi dans le contexte de la transformation des formes familiales, de l’accroissement du nombres des femmes au travail, la fréquence des ménages à double salaire et la montée de l’individualisation des modes de vie. (2007, p. 11).

Bidou-Zachariasen diz ainda que são igualmente copiosos os autores que vinculam esse processo urbano, e de modo central, a ascensão das classes médias superiores, crescimento este que remota ao início do século XX nos países industrializados e que acelera na fase de pós-industrialização. Acrescenta ainda que uma parte dos que se dedicam a temática utilizam o termo pós-fordismo.152

Na trilha dessas alterações, áreas centrais e portuárias, antigas fábricas

151 CLERVAL, 2008, p. 5.

133 tornam-se alvos de medidas de revitalização e enobrecimento. De modo geral, essas locais passam a ser habitadas pela camada social de maior poder aquisitivo, formando com isso, novos enclaves residenciais. Vale à pena lembrar que, comumente, o desdobramento desse processo, provoca a retirada dos moradores mais pobres.

Antigas áreas “marginais” das grandes cidades vão transmudando em complexos centros de lazer, com sofisticados bares, restaurantes e galerias de arte. Numa apropriação quase privada do espaço urbano, essas práticas segmentam áreas centrais das cidades históricas e as transformam em cenário de disputas por um fragmentado espaço de visibilidade pública. Sobretudo para a crítica pós-moderna (Harvey, 1992), essa noção de fragmentação urbana tem sintetizado esse caráter especializado das relações sociais na experiência

urbana contemporânea.153

Sob essa lógica, a associação dos bens culturais ao valor de mercado corroborou para alavancar o consumo cultural e para converter a paisagem construída em marketing citadino, isto é, transformar a cidade em mercadoria de consumo. “Criou-se um simulacro de preservação, uma vez que, não raro, a intervenção nos conjuntos históricos limitou a recuperar apenas a plasticidade expressa no traçado e nas características estéticas das construções.”154

No encalço dessa candente propensão, voltada para o consumo cultural, surge a cidade da ‘festa-mercadoria’. Essa nova (velha) cidade folcloriza e industrializa a história e a tradição dos lugares.”155 É sob essa nova lógica que se estabelece o engate entre a imagem criada para atração turística e “lugares- espetáculos.”156 Aqui, torna-se oportuno, uma breve exemplificação desses ditames. Serpa, remetendo-se ao contexto francês afirma que,

Na França, um dos principais destinos turísticos do mundo, os pátios das igrejas, dos castelos e das fortificações tornam-se lugares privilegiados e cenários naturais para a realização de espetáculos musicais e teatrais, com a participação, não raro, das populações locais em costumes “de época”. A estação de festivais de teatro de rua no país se inicia em Bourges para terminar em Aurillac, passando por Annonay, Châlon-sur-Saône, Belfort, La Rochelle e

153 LEITE, 2004, p. 20.

154 FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 52.

155 SERPA, 2007, p. 107. (Grifos conforme original). 156 Id., 2007, p. 107.

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Nyons. A dimensão popular dessas manifestações culturais se opõe a caráter “tecno-cientifico” dos modernos complexos culturais (teatros, salas de concertos e óperas, cinemas multiplex), mas ambos participam da instrumentalização cultural da cidade contemporânea. Desse modo, a cidade-festa vai substituindo pouco a pouco a cidade-máquina, transformando todo o espaço urbano em equipamento cultural. (2007, p. 107-108).

De acordo a inclinação contemporânea em que a cultura tornou moeda rentável, e o consequente engate do patrimônio cultural com as estratégias para alavancar o turismo, vem tornando os centros históricos das cidades espaços para o consumo cultural. Diversas cidades, em maior ou menor grau, estão passando por esses processos, como o caso de Paris, Tours, Lille, Lyon, na França, e os exemplos de Diamantina, São João Del-Rei, Salvador, Recife, João Pessoa, Paraty – no Brasil.

4.1. “A Descoberta do Brasil”: noção de patrimônio

O período que marca a passagem do Século XIX para o Século XX abre as cortinas para um cenário pintado com profundas mudanças que reverberaram em