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2.3 TEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO

2.3.5 Cidades Sustentáveis

O Estatuto da Cidade traz como objetivo da política urbana a garantia do direito a cidades sustentáveis, assim entendido como o direito a terra urbana, à moradia e ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (art. 2º, I, da Lei Federal nº 10.257/01). MEDAUAR ressalta que “por cidades sustentáveis pode-se entender aquelas em que o desenvolvimento urbano ocorre com coordenação, sem caos e destruição, sem degradação, possibilitando uma vida

urbana digna para todos”74.

Sobre o tema, esclarece CARVALHO FILHO75:

“O direito a cidades sustentáveis é, de fato, o direito fundamental das populações urbanas. Daí podermos assegurar que é esse direito que deve configurar-se como alvo prevalente de toda política urbana. Como a urbanização é um processo de transformação da cidade com vistas à melhoria das condições da ordem urbanística, exige-se que o processo não perca de vista esta garantia atribuída à coletividade. Sem conferir-se a tal

74 MEDAUAR, op. cit., 2004, p. 27.

direito a importância que deve ostentar, nenhuma ação de política urbana alcançará o bem-estar dos habitantes e usuários.

“Já nos referimos anteriormente à sustentabilidade das cidades, sublinhando o aspecto de harmonia e compatibilidade entre o desenvolvimento da cidade e o bem-estar de seus habitantes. Esse equilíbrio é indispensável. Não basta o desenvolvimento urbano isoladamente considerado, pois que há providências que só aparentemente espelham evolução, mas que, na verdade, não trazem qualquer benefício á coletividade, e algumas vezes até lhe causam gravames. Por outro lado, o bem-estar tem que ser geral, coletivo, não se podendo aquinhoar pequenos grupos com o benefício de sua exclusiva comodidade em detrimento do desenvolvimento da cidade. A cidade sustentável é exatamente a que observa o mencionado equilíbrio.”

Evidencia-se, pela doutrina colacionada, que a busca pela cidade sustentável não se configura como mera opção legislativa da corrente politicamente hegemônica no momento da edição da Lei n. 10.257/01. É, pelo contrário, síntese positiva do conteúdo jurídico constitucional acerca do direito urbanístico e do direito ambiental. A desenfreada urbanização brasileira ocorrida na segunda metade do século XX, criou, ao menos, o consenso de que há uma urgente necessidade de impedir que haja o crescimento desordenado dos núcleos urbanos, sendo necessário, para tanto, que se realize o planejamento urbanístico adequado. Tal planejamento, por seu turno, deverá contemplar não só as necessidades imediatas da população, mas deverá ter por escopo pensar e organizar o tecido urbano em perspectivas temporais de médio e longo prazo. Síntese deste conceito é encontrada no já destacado art. 225 da Constituição Federal, que dispõe: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

A regulação urbanística do desenvolvimento das cidades tem impacto direto no meio ambiente urbano. No dizer de DI SARNO, a qualidade de vida urbana será concretizada na medida em que a oferta suficiente e a boa conexão entre as funções da cidade se antecipem às necessidades, sendo curial o papel do direito

urbanístico nesta tarefa. Segundo a autora76,

“Percebemos que o Direito Urbanístico ordena os espaços habitáveis por meio de normas jurídicas e verificamos que seu objeto extrapola, em muito, a mera ordenação territorial, pois visa a convivência pacífica, digna e harmoniosa dos habitantes. Este ramo do Direito Público terá o objetivo de impedir gravame nas condições de vida naqueles aspectos que lhes forem pertinentes. Deverá corrigir distorções, eliminar ações coletivas, valorizar

elementos que estimulam a dignidade da localidade, por intermédio da história, do ambiente e do trabalho.

“Toda esta análise recai no princípio do desenvolvimento sustentável, que é o que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas. Considerando que grande parte da população mundial vive em cidades, a vida saudável que proclama este princípio será desenvolvida na urbe e, portanto, conseguida principalmente por meio de uma visão urbanística integrada ao meio ambiente.”

Observa-se, assim, que o controle acerca do planejamento encetado sob as diretrizes constitucionais e legais vigentes e veiculado por intermédio dos planos urbanísticos positivados em lei terá influência direta na qualidade de vida nas cidades, especialmente sob o aspecto da sustentabilidade da vida urbana.

Na esteira do lecionado por LEME MACHADO, forçoso é reconhecer que a defesa do meio ambiente é diretriz de atuação para o setor público e para os

particulares por determinação constitucional. Com efeito77,

“a defesa do meio ambiente passa a fazer parte do desenvolvimento nacional (arts. 170 e § 3º). Pretende-se um desenvolvimento ambiental, um desenvolvimento econômico, um desenvolvimento social. É preciso integrá- los no que se passou a chamar de desenvolvimento sustentado. O conceito de desenvolvimento sustentado foi desfraldado pela ONU através de sua Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.”

O conceito de sustentabilidade demonstra o desiderato de crescimento da economia sem que sejam destruídos os recursos e o ambiente dos quais o futuro depende. A idéia subjacente ao desenvolvimento sustentável é a mantença do crescimento econômico de forma que os impactos sociais e ambientais desse crescimento permaneçam em equilíbrio. A integração das diversas formas de desenvolvimento, a adequada gestão da propriedade privada e da propriedade pública tem um peso relevante. A Constituição Federal dá a fórmula para o uso da

propriedade: a sua função social78.

Relembra SUNDFELD, neste passo, que como o espaço urbano é parcelado, sendo objeto de apropriação privada e estatal, a função social da cidade tem que ser cumprida pelas suas partes, isto é, pelas propriedades urbanas. A política urbana, assim, tem a missão de viabilizar o pleno desenvolvimento das funções

sociais do todo (a cidade) e das partes (cada propriedade em particular)79. A

77 LEME MACHADO, op. cit., 2009, p. 154. 78 LEME MACHADO, op. cit., 2009, p. 155. 79 SUNDFELD, op. cit., 2001, p. 54.

resultante da eficiência da política urbana é o equilíbrio urbano e a cidade sustentável – observa-se, destarte, que o direito a cidades sustentáveis acaba por

confirmar-se como o alvo prevalente de toda política urbana80.

3 DIREITO À CIDADE E DIREITO URBANÍSTICO: INTEGRAÇÃO E ATUALIZAÇÃO

Para a compreensão da proposta de leitura do ordenamento jurídico apresentada neste estudo (em especial a referente ao direito urbanístico e ao direito à cidade), mostra-se adequada a exposição de certos métodos e instrumentos de interpretação jurídica. A introdução à teoria da Hipótese Legal e da abertura dos textos constitucionais e legais e o estudo da técnica da interpretação ex nunc tendem, destarte, a auxiliar ao perfeito entendimento dos mecanismos de conformação e atualização do texto positivo expostos neste trabalho, imprescindíveis às conclusões nele alcançadas.