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Constitucionalização e Publicização do Direito Civil e o Impacto de tais

4.2 A PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

4.2.1 Constitucionalização e Publicização do Direito Civil e o Impacto de tais

O fenômeno da “Constitucionalização do Direito Civil” consiste no processo de elevação, ao plano constitucional, dos princípios fundamentais do direito civil. Tal movimento faz com que tais princípios sejam obrigatoriamente condicionantes da aplicação de toda a legislação infraconstitucional - não só a do direito civil - pelos tribunais e administradores públicos. As principais vertentes deste movimento podem ser detectadas nos princípios referentes ao direito de família, dos contratos e, como já evidenciado, nos que dizem respeito ao direito de propriedade.

Tal fenômeno, de acordo com BARROSO, tem como marco histórico europeu o período pós-guerra e, no Brasil, a edição da Constituição Federal de 1.988, sendo o seu marco filosófico o pós-positivismo, que busca ir além da legalidade estrita sem abandonar o direito posto, com destaque para a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com os valores e regras. Seus marcos teóricos são o reconhecimento da força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a formação de uma nova dogmática de interpretação de seu texto112.

Para PAULO LÔBO, a constitucionalização do direito civil não é episódica ou circunstancial, e sim consequência inevitável da natureza do Estado Social, etapa atual do Estado moderno, a despeito de suas propaladas crises e das frustrações de suas promessas. A Constituição brasileira de 1.988, de fato, consagra o Estado Social, que tem como objetivos fundamentais (art. 3º) “constituir uma sociedade livre, justa e solidária”, com redução das desigualdades sociais. A ordem jurídica infraconstitucional deve, destarte, concretizar a organização social e econômica eleita pela Constituição, não podendo os juristas desconsiderá-la, como se os

112 BARROSO, Luís Roberto. A Constitucionalização do Direito e o Direito Civil, in TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito Civil Contemporâneo. Novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. pp. 239/241.

fundamentos do direito civil permanecessem ancorados no modelo liberal do século XIX113.

Salienta, ainda, o mesmo autor114:

“A compreensão que se tem atualmente do processo de constitucionalização do direito civil não se resume à aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas, que é um dos seus aspectos. Vai muito além. O significado mais importante é o da aplicação direta das normas constitucionais, máxime os princípios, quaisquer que sejam as relações privadas, particularmente de duas formas: (a) quando inexistir norma infraconstitucional, o juiz extrairá da norma constitucional todo o conjunto necessário à resolução do conflito; (b) quando a matéria for objeto de norma infraconstitucional, esta deverá ser interpretada em conformidade com as normas constitucionais aplicáveis. Portanto, as normas constitucionais sempre serão aplicadas em qualquer relação jurídica privada, seja integralmente, seja pela conformação das normas infraconstitucionais”.

A constitucionalização do direito civil não se confunde com o movimento de publicização de tal direito. Com efeito, o fenômeno da publicização do direito compreende o processo de crescente intervenção estatal, com a redução do espaço de autonomia privada, especialmente para a garantia da tutela jurídica dos hipossuficientes. Tal ação, dada especialmente no âmbito legislativo infraconstitucional, acabou por retirar matérias outrora consideradas pertinentes ao Código Civil de sua regulação – como exemplo, cita-se o direito do trabalho, o direito das águas, o direito da habitação, o direito do consumidor etc. O direito urbanístico, fácil concluir-se, também reflete tal fenômeno, especialmente após a edição da Lei n. 10.257/01.

Saliente-se, neste ponto, que não é o grau de intervenção legislativa ou de controle do espaço privado que gera a natureza de direito público. De fato, independentemente do grau de intervenção estatal, se o exercício do direito se dá por particular em face de outro particular, ou quando o Estado se relaciona paritariamente com o particular sem se valer de seu império, então o direito é

privado. Para LÔBO115,

113 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro in TEPEDINO, Gustavo (org.).

Direito Civil Contemporâneo. Novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008.

p. 20.

114 Ibid., 2008, p. 21.

115 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/507>. Acesso em: 14 mar. 2011.

“Em suma, para fazer sentido, a publicização deve ser entendida como o processo de intervenção legislativa infraconstitucional, ao passo que a constitucionalização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de validade constitucionalmente estabelecidos. Enquanto o primeiro fenômeno é de discutível pertinência, o segundo é imprescindível para a compreensão do moderno direito civil.”

Importa destacar que no Estado de Bem-Estar Social os temas sociais juridicamente relevantes foram constitucionalizados – tal estrutura de Estado caracteriza-se exatamente por controlar e intervir em setores da vida privada antes interditados à ação pública pelas constituições liberais. Ambos os fenômenos – constitucionalização e publicização do direito civil - indicam também a tendência a alterar a dogmática jurídica pertinente à regulação da propriedade e dos direitos a esta inerentes. Já é lícito afirmar, neste sentido, que o Código Civil tem por escopo regular as relações civis eminentemente privadas pertinentes à propriedade, que será perfeitamente conformada pelas normas de ordem pública sobre ela incidentes. De fato, CARVALHO PINTO tece crítica à jurisprudência brasileira que, a despeito de toda evolução legislativa e constitucional ocorrida ao longo das últimas décadas, ainda está presa aos conceitos do Código Civil quando trata da propriedade urbana. Anota o autor que é tradicional a citação de seus artigos como base para qualquer análise do assunto, admitindo-se que a faculdade de usar o bem abrange o direito de construir e compõe, em princípio, a estrutura do direito de propriedade – as normas urbanísticas teriam por função restringir este direito e seriam fundadas no

poder de polícia. Para este, contudo116,

“É o texto constitucional que deve servir de base (...) para a reflexão jurídica da propriedade urbana, e não o Código Civil. Este deverá ainda ser interpretado em harmonia com a legislação ordinária posterior, especialmente a relativa ao parcelamento do solo urbano. O campo privilegiado de aplicação do Código Civil é o da relação entre particulares e não o da atuação do Estado na regulação das atividades privadas.”

A propriedade e os poderes e características consideradas correlatas a tal vêm sofrendo progressivo ajustamento às conveniências sociais. Na lição de DINIZ, “a propriedade, como diz Ebert V. Chamoun, sem deixar de ser um jus (direito subjetivo), passa a ser um munus (direito-dever), desempenhando uma função social. A propriedade está, portanto, impregnada de socialidade e limitada pelo

interesse público”117, sendo certo que “o exercício do direito de propriedade deve desempenhar uma função social no sentido de que a ordem jurídica confere ao seu titular um poder em que estão conjugados o interesse do proprietário e o do Estado ou o social. Por isso, o órgão judicante deverá procurar, na medida do possível,

harmonizar a propriedade com sua função social”118 – de fato, a constitucionalização

e publicização do tema “propriedade” têm por fundamento principal o postulado da sua função social.