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PARTE III- ANÁLISE CRÍTICA DE MAGISTRADOS/DAS ACERCA DA (NOVA)

CAPÍTULO 5. A (NOVA) LEI TUTELAR EDUCATIVA: ANÁLISE CRÍTICA DE MAGISTRADOS

1. Dimensão Cognitiva

1.2 As “Cifras Negras”

Na Criminologia, é entendido por “Cifras Negras” o número de delitos e delinquentes que não chegam a ser detetados e participados, ou seja, uma zona obscura da criminalidade que existe mas não é participada (Molina, 1999).

As estatísticas oficiais da criminalidade juvenil não têm dado conta da dimensão deste tipo de criminalidade. O método baseado nas estatísticas oficiais, embora contribuindo inegavelmente par a compreensão da atividade antissocial nos jovens, apresentam limitações, sendo a mais evidente a que se refere ao facto de os indivíduos cujos crimes que chegam ao conhecimento das autoridades poderem representar uma fração dos indivíduos que cometeram crimes. Isto porque, as forças policiais podem não estar a detetar, como é compreensível, toda a atividade delituosa e por outro lado, as vítimas nem sempre relatarem o(s) crime(s) à polícia.

Surge nos discursos dos magistrados, a discussão dos números atuais conhecidos e registados, e é desta forma, que os sujeitos da pesquisa apontam para um possível desfasamento relativamente aos números de situações que chegam ao conhecimento dos tribunais e o possível verdadeiro número real de comportamentos que mereciam atenção do sistema de justiça juvenil, registamos o seguinte discurso do seguinte entrevistado:

“Não temos uma criminalidade juvenil muito intensa (…) na verdade a perplexidade é que só temos 160 jovens internados em centro educativo. Quem olha para o nosso país dá ideia que isto é um paraíso que não temos ninguém, não temos jovens a prevaricar, o que é absolutamente falacioso (…) acredito num possível desfasamento, porque por

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exemplo as escolas “ocultam” e não sinalizam muitos jovens.” (E1- Juiz de Direito, 10

anos de experiência em TFM).

A explicação para a não existência de um maior número de participações às forças policiais, é refletida pela desvalorização da comunidade face à prática de factos pelos crianças e jovens, e do não entendimento do objetivo da Lei, segundo a entrevistada 2, 4 e 5:

“Fico admirada como não há mais participações às forças policiais… Não sei o que está na base, mas se calhar a ideia que de como são crianças não vale a pena estar a comunicar os factos, se calhar o objetivo da lei no sentido de educar a criança para o direito, não está a ser muito valorizado pela comunidade, porque talvez a comunidade interiorizou que isto é uma sanção contra o jovem. Mas não é…” (E4- Procuradora da

República, 10 anos de experiência TFM).

“Estou convencida que exista um desfasamento. Tenho a noção de que muitos dos factos que são cometidos pelos jovens que não chegam às forças policiais, nomeadamente no seio das escolas. Tenho a sensação que muitos conselhos diretivos não participam às autoridades, quando os factos começam a ter alguma gravidade, quando são pequenas coisas evitam às vezes participar às autoridades.” (E5- Procuradora da República, 7 anos

de experiência em TFM- Comarca de Lisboa Oeste).

“Considero haver um enorme desfasamento entre o número de casos que chegam ao tribunal face aquilo que é o número real de delinquentes e de comportamentos que possam existir. Já houve muitos mais internamentos, aliás temos centros educativos a fechar e não acho que seja por estar a descer o número de casos de delinquência. Considero que é uma atitude das polícias que muitas das vezes na prática de crimes, eles detêm os adultos e os que são menores não dão notícia, sei que muitas das vezes acontece isso através dos colegas do penal.” (E2 - Juíza de Direito, 8 anos de experiência

em TFM – Comarca de Lisboa Norte).

Na origem deste possível desfasamento, os magistrados (E1 e E5) apontam para a possibilidade estarmos perante a “ocultação” de situações que ocorrem em ambiente escolar, para situações ou em que as forças policiais nem sempre tomam conhecimento da prática dos factos pelos jovens ou nas situações em que o envolvimento de jovens na

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prática de crimes com adultos não é participada (E2), dando-se apenas a notícia e detenção dos adultos. A ausência de uma “cidadania ativa” (E3) onde a não participação de ocorrências de situações delituosas por parte da comunidade é ainda outra justificação para um possível desfasamento dos números.

“Chegam ao tribunal muito menos situações daquelas que existem. Muitas pessoas não acreditam no sistema de justiça e não tem noção que é uma questão de cidadania responsável, não temos muita noção, que quando participamos um jovem também o podemos estar a ajudar. Não temos uma cultura de cidadania ativa. Não temos incutido o dever de participar. O individualismo sobrepõe-se ao coletivo, isto não é bom...se fechamos os olhos a quem nos tira ao telemóvel, e ele continua. Chegamos a um ponto que quando chega a tribunal já interiorizou e aprende que isto é normal...”. (E3 - Juíza

de Direito, 14 anos de experiência em TFM).

O conhecimento da existência da Lei (E8), por parte dos jovens, e das consequências dos seus atos poderá estar a levar os jovens a encobrir os seus comportamentos e a não conhecermos todas as situações de delinquência juvenil.

“Quando a LTE entrou em vigor, tínhamos situações de delinquência juvenil muito grave. Neste momento continuamos a ter, mas acredito que os jovens estejam mais alertados para as consequências e sejam mais cuidadosos aquando da prática de crimes…possivelmente não temos conhecimento de todas as situações de delinquência juvenil.” (E8 – Procurador da República, 10 anos de experiência em TFM – Comarca de

Lisboa Oeste).

Resumindo, os aspetos que parecem contribuir para a existência de cifras negras na criminalidade juvenil, segundo os nossos sujeitos de pesquisa são para o facto das vítimas nem sempre relatarem o(s) crime(s) à polícia; não participação por parte das polícias de envolvimento de jovens em crimes onde predominam adultos; desvalorização dos atos cometidos por jovens pela comunidades, não existindo uma “cidadania ativa” e responsável; não participação por parte das escolas de atos delituosos praticados no seio escolar; e ainda, conhecimento por parte dos jovens da lei e das consequências jurídicas dos seus atos.

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Uma das alterações na (Nova) LTE, foi a dispensa de queixa (art.72.º, LTE) veio tornar a delinquência como crime público, possibilitando que independentemente da natureza do crime, as vítimas, a comunidade, as organizações possam participar as ocorrências criminais por parte de jovens aos órgãos policiais ou ao Ministério Público. O problema da existência de cifras negras quanto à criminalidade juvenil pode ser atenuado, pelo conhecimento de um maior número de casos, através desta recente alteração que torna a delinquência como um crime público que incute à sociedade uma “cidadania ativa”.