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Definição da Delinquência Juvenil

PARTE III- ANÁLISE CRÍTICA DE MAGISTRADOS/DAS ACERCA DA (NOVA)

CAPÍTULO 5. A (NOVA) LEI TUTELAR EDUCATIVA: ANÁLISE CRÍTICA DE MAGISTRADOS

1. Dimensão Cognitiva

1.1 Definição da Delinquência Juvenil

A delinquência juvenil está presente nas principais teorias explicativas da criminalidade desenvolvidas pela Criminologia. O estudo científico da prática de factos antissociais tidos como graves pelas instâncias de valoração e censura comunitárias e o estudo da ação racionalmente organizada e dos meios mais adequados à sua eliminação ou atenuação, tem sido uma preocupação da Criminologia (Dias & Andrade, 1997). O estudo do fenómeno da delinquência juvenil, isto é o estudo científico da prática de factos antissociais por menores de idade, tem contribuído para a definição do sistema de justiça de crianças e jovens.

Nesta linha de pensamento, se num sentido restrito, o nosso estudo é uma avaliação à alteração à Lei Tutelar Educativa, concretizada em 2015 através da Lei n.º 4/2015, de 15/01, por os principais intervenientes na Lei (magistrados), é também um estudo que num sentido alargado potencia uma compreensão e avaliação global do sistema de justiça juvenil em vigor desde 2001, após uma reforma legislativa de auxílio à infância e juventude e inevitavelmente aos fenómenos que a ela estão subjacentes (promoção, proteção e educação). Entendemos assim, que analisar a resposta legislativa face ao problema da criminalidade juvenil, através do discurso de protagonistas que representam o tribunal enquanto instância de valoração, que responde aos anseios da censura comunitária, é um estudo de avaliação justificadamente necessário e importante de forma a avaliar a ação racionalmente organizada (legislativa) para atuar na manifestação de comportamentos antissociais (criminalizados) nos jovens.

Vimos que o conceito de delinquência pode ser entendido enquanto prática de factos antissociais por indivíduos que ainda não tem idade para lhes ser reconhecida responsabilidade penal (Negreiros, 2001), logo nem todos os comportamentos desviantes numa perspetiva jurídico-legal são qualificados como crimes à luz penal. Todavia, podemos entender delinquência, pelo conjunto de comportamentos desviantes tidos pelos jovens, podendo ser transgressões com menor gravidade e

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ofensas mais graves (que violam normas legais). Neste sentido, a delinquência juvenil, corresponde a um problema social (Negreiros, 2001; Carvalho, 2005; Benavente, 2002) implicando um agir precedido de uma delimitação do que é socialmente intolerável por ofender os valores básicos na sociedade.

A definição de delinquência juvenil faz parte dos discursos dos magistrados, essencialmente numa perspetiva jurídico-penal, o menor “delinquente” é determinado como o indivíduo sujeito à jurisdição do Tribunal de Família e Menores, isto é, todo o jovem que pratica um facto considerado ilícito depois dos 12 anos e até aos 16 inclusive, jovem a quem é aplicada uma medida tutelar educativa (art. 1º, LTE), caso se manifeste necessidade de educação para o direito. A perspetiva jurídico-penal é definida de forma clara no discurso do entrevistado seguinte:

“Em termos legais, temos vindo a entender por delinquência juvenil... A nossa Lei distingue que até aos 12 anos só temos intervenção da LPPCJ, e entre os 12 e os 16 temos a LTE, onde se tenta reeducar os jovens para o direito, quando eles estão em conflito com a lei, e a partir dos 16 anos torna-se imputáveis penais e respondem perante o tribunal dos adultos. Temos também a possibilidade de aplicar o regime especial dos adultos entre os 16 e os 21 anos, havendo alguma benevolência quanto a isso. De facto, quando se fala em criminalidade juvenil, pomos contudo mais o enfoque nesta classe etária dos 12 aos 16 anos. A Lei quer os factos que sejam praticados entre os 12 e os 16 (inclusive), mas o jovem pode cumprir depois dos 16 anos, o que interessa é que o facto tipificado como crime pela lei seja praticado antes dos 16 anos.” (E1 - Juiz de Direito, 10

anos de experiência em TFM)

Também podemos verificar, em todos os casos, a caraterização do fenómeno como um problema social, embora de uma forma não explícita nos seus diálogos, a manifestação de comportamentos durante a infância e juventude, que constituem crimes no campo de ação penal, é entendido como um fenómeno social que preocupa as comunidades (numa primeira fase) onde este se manifesta. A existência deste tipo de problema social nas comunidades confia a sua resolução ao Estado Português através dos Tribunais de Família e Menores:

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“A delinquência juvenil preocupa numa primeira fase as comunidades onde estes jovens estão inseridos, apesar de nem sempre ser alvo de preocupação tal como deveria ser. Se a manifestação de comportamentos antissociais fosse alvo de uma maior preocupação, talvez não tivéssemos jovens com comportamentos tão enraizados. A sociedade acaba por desvalorizar na minha perspetiva estes comportamentos tidos pelos jovens, achando que são passageiros. A delinquência é um problema social, e parece que as sociedades têm deixado a sua resolução para os Tribunais de Família e Menores. Os comportamentos destes jovens são alvo de atenção por parte do nosso Estado.” (E8 –

Procurador da República, 10 anos de experiência em TFM – Comarca de Lisboa Oeste).

“Entre os 12 e os 16 o que o Estado pretende é educar os jovens para o direito, sendo que é um problema social, porque nesta faixa etária são detetados comportamentos que constituem crime, porque praticam factos que integrariam crimes ao nível penal. É um problema social, pois todos os desvios às regras são problemas sociais que tem de ser resolvidos pela sociedade.” (E4 - Procuradora da República, 10 anos de experiência TFM).

A concetualização de delinquência juvenil por parte dos/as magistrados/as, demostra a dificuldade de se definir os jovens como “jovens delinquentes”, designar todos os jovens que têm contacto com os tribunais e sistema de justiça juvenil como delinquentes, não é consensual. Observamos, ao longo dos discursos de magistrados, a predominância e preferência do termo de “jovem transgressor” em vez de jovem delinquente, fundamentando que o termo delinquente remete para quando o comportamento é repetido de forma persistente, algo que nem sempre ocorre. Neste sentido, estamos perante a tendência para uma concetualização numa perspetiva social do fenómeno, privilegiando um concetualização social e não meramente jurídica:

“O que são delinquentes? A palavra tem várias definições, se entendermos que está com ligado a prática de crimes qualificados na lei como crime, são delinquentes os jovens que cometem factos qualificados pela lei como crime. Numa definição mais restrita, chamaríamos delinquentes aqueles jovens que manifestam alguma apetência que de forma sistemática e reiterada que praticam factos qualificados como crime.” (E5 -

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“É difícil de se perceber estes fenómenos dos jovens transgressores. Tenho dificuldade em falar em jovens delinquentes, porque nem todos os jovens são delinquentes, o conceito que eu tenho de delinquência tem a ver com uma coisa que é mais estável, que faz parte do ser...eu acredito e quero acreditar que muitos deles ainda não são delinquentes, apesar de terem praticado um facto que a Lei qualifica como crime, que é um delito mas que não faz deles intrinsecamente delinquentes. Estes jovens transgridem, logo são transgressores…” (E3- Juíza de Direito, 14 anos de experiência em TFM).

O fenómeno da delinquência juvenil e a preocupação pela questão da criminalidade juvenil, não parecem constituir segundo as perspetivas dos magistrados uma preocupação governativa na atualidade, sendo que em todos os casos, a preocupação segundo os mesmos, tem surgido e sido manifestado de forma observável pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude (Escolas, Segurança Social, IPSS, CPCJ) e pelas entidades encarregues de intervir nas situações já numa extensão do sistema de justiça de juvenil (Tribunais de Família e Menores e especialmente, a DGRSP), pelo contacto direto com os jovens.

“A preocupação pela questão da delinquência e criminalidade juvenil (Em Portugal) tem sido uma preocupação de várias entidades; tem sido uma preocupação dos tribunais, do Ministério Público, da DGRSP, e essencialmente no âmbito da sociedade civil, as entidades com aqueles projetos que tem alguma repercussão no âmbito de trabalho com jovens - Programa Escolhas, é exemplo de um bom trabalho e que manifesta essa preocupação – embora muito sectorial.” (E6- Juiz de Direito, 9 anos de experiência em

TFM – Comarca de Lisboa).

A consagração legal do sistema tutelar educativo, vem apresentar a Lei como mecanismo de resposta legislativa de resolução face ao fenómeno da delinquência e criminalidade juvenil, satisfazendo as exigências de segurança da comunidade. A E2, explica que as “ áreas sociais” delimitam a revelação do fenómeno e que o Estado antecipa a intervenção através da LPCJP pela necessidade de proteger as crianças e jovens, sendo que em alguns casos as situações evoluem e tornam-se alvo de atenção pela necessidade de educação para o direito, ressocialização e reintegração:

90 “As áreas sociais determinam o tipo de jovens que chegam aos tribunais. Por exemplo em

Lisboa, tínhamos jovens provenientes de classes sociais médias e de famílias mais integradas. Em Loures, jovens sobretudo provenientes de bairros sociais. Falamos sobretudo de jovens que já tiveram sobre a LPCJP, anteriormente. O Estado já sentiu necessidade de os proteger, depois passam para o processo tutelar educativo.” (E2 - Juíza de Direito, 8 anos de

experiência em TFM – Comarca de Lisboa Norte).