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PARTE III- ANÁLISE CRÍTICA DE MAGISTRADOS/DAS ACERCA DA (NOVA)

CAPÍTULO 5. A (NOVA) LEI TUTELAR EDUCATIVA: ANÁLISE CRÍTICA DE MAGISTRADOS

1. Dimensão Cognitiva

1.3 O Modelo Tutelar Educativo

A Lei Tutelar Educativa – Lei n.º 166/99, de 14/09, em vigor desde 1 de Janeiro de 2001, pretendeu corporizar um novo paradigma de intervenção do Estado relativamente aos menores com idades entre os 12 e 16 anos que pratiquem factos qualificados como crimes. A LTE veio romper com o sistema da Organização Tutelar Educativa, enquanto modelo de proteção.

Na perspetiva da LTE, a intervenção tutelar educativa configura-se como essencial nos casos em que se manifeste uma situação desviante que torne clara a rutura com elementos nucleares da ordem jurídica. É neste sentido, que é reconhecido ao Estado, o direito e o dever de intervir com os jovens, sempre que este ofender valores essenciais da comunidade e da boa convivência social, que revele um caráter hostil ao dever ser jurídico básico, praticando factos antissociais criminalmente puníveis pela lei portuguesa. Numa lógica de responsabilização das crianças e jovens, configura-se como necessário educar os jovens para o direito, de modo a interiorizarem valores e as normas jurídicas.

O modelo português de intervenção com menores infratores configura-se de acordo com a perspetiva de os vários magistrados como um modelo responsabilizador, isto é um modelo de justiça numa vertente educativa. A orientação na intervenção no sistema de justiça juvenil é para a ressocialização e reinserção do jovem. A função educação (E1) está na base da atuação do sistema judicial em situações de delinquência juvenil, e a resposta legislativa – Lei Tutelar Educativa- espelha a necessidade da educação para o

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direito (E6). A primeira alteração à LTE, através da Lei n.º4/2015 de 15/01, não altera o modelo de intervenção.

“ A preocupação do Estado nesta classe etária, não é tanta a segurança das populações mas é sim a ressocialização e reinserção do jovem porque prevaricou. Nós temos sempre duas grandes funções penais, que é por um lado segurança e por outro lado a educação, nos jovens a questão da segurança acaba por decair um pouco dando lugar a questão da educação, queremos educar estes jovens para o direito, se pensarmos nos adultos já estamos mais preocupados com a segurança das populações em detrimento da reeducação do recluso.” (E1-Juiz de Direito, 10 anos de experiência em TFM).

“Considero que é um modelo adequado, pois o modelo distingue…não é um modelo penal é um modelo mais responsabilizado, mais virado para a educação desses jovens.” (E6- Juiz de Direito, 9 anos de experiência em TFM – Comarca de Lisboa).

A intervenção do Estado é legitimada nesta faixa etária dos 12 aos 16 anos para educar para o direito, quando se prova a prática de factos qualificados pela Lei portuguesa como crime. O fenómeno da criminalidade juvenil, encarado como uma questão social, passa por um controlo formal e a sua resolução desencadeia uma intervenção judicial. A intervenção é vista como uma verdadeira possibilidade de evitar o desenvolvimento do comportamento delinquente, que caso se manifeste em fase adulta desencadeará uma intervenção ao nível do sistema penal. Deste modo, as medidas socioeducativas surgem processualmente enquadradas, visando evitar que o menor volte a praticar atos tipificados como crime e que os jovens se tornem adultos criminosos, ideia enaltecida no discurso (E4):

“O Estado quanto a esta faixa etário entende que não deve sancionar mas sim educar para o direito. É uma forma de resolução de questões sociais diferente, no sentido que considera o Estado que nesta faixa etária ainda há hipótese através da sua intervenção corrigir o comportamento do jovem, para que a partir dos 16 anos não venham acometer aqueles ou outros factos idênticos que são considerados crimes pela lei penal.” (E4-

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A Lei Tutelar Educativa atua quando se comprova a necessidade para o direito. O seu regime é educativo e não punitivo. Na perspetiva dos magistrados, um regime punitivo para atuar em situações de delinquência juvenil é inadequado. A punição não é objetivo da lei. De uma forma geral, os magistrados concordam que o sistema de justiça juvenil deve ser acionado se for favorável ao jovem a intervenção tutelar educativa, de acordo com o art.º 3, alínea 2 da LTE:

“A Lei só diz que as entidades judiciais só devem atuar quando existe necessidade de educação para o direito. Isto é, não estamos aqui a falar de um regime punitivo, regime que eu considero errado quando falamos de jovens. O nosso sistema é muito benéfico para eles, porque não os acaba por punir. Se de facto se concluir que ele precisa de ajuda, de orientações para o comportamento dele seguir os parâmetros de cumprimento das regras. Mesmo concluindo que o jovem praticou aqueles factos qualificados como crime, foi um facto isolado e ele tem interiorizado os valores da sociedade, está integrado numa família de ambiente contentor, todo o resto do seu percurso não teve nenhum comportamento semelhante, arquiva-se o processo. Não precisando de educar, o sistema não atua, é um regime muito favorável, é pelo interesse do jovem que se aciona ou não se aciona o sistema tutelar educativo.” (E2- Juíza de Direito, 8 anos de

experiência em TFM – Comarca de Lisboa Norte).

A intervenção deve ser compreendida pelo jovem. Na perspetiva dos magistrados é seu dever passar a mensagem de que a intervenção não é punitiva, mas sim uma oportunidade de mudança para si. Torna-se essencial que os jovens assumam responsabilidade das suas ações, sendo também necessário que se consiga fazer perceber o significado e o sentido das ações e da reação social às mesmas, observamos a ideia no discurso (E3):

“Quando um jovem sente que a intervenção é punitiva, a intervenção não está a ser bem-feita. Não é esse o nosso propósito.” (E3- Juíza de Direito, 14 anos de experiência em TFM).

O modelo de intervenção é um modelo de justiça responsabilizador e educativo. Esta regularidade verifica-se em todas as perspetivas, o foco da intervenção é sempre o jovem, sendo que surge de forma subentendida a necessidade de dar a conhecer o

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modelo de justiça que intervém com os jovens com necessidades de educação de direito e desmitificar a ideia que os jovens estão sujeitos a uma intervenção punitiva.

“O modelo de justiça para atuar com jovens com problemas de comportamento é adequado e sensato ao perceber que tem um jovem que carece de um conjunto de fragilidades… não pune. Numa primeira fase responsabiliza, mas essencialmente depois com aplicação das medidas o objetivo é educá-lo.” (E8, Procurador da República, 10 anos

de experiência em TFM – Comarca de Lisboa Oeste).

Acabando, o modelo de intervenção segundo os nossos sujeitos de pesquisa é adequado à definição jurídico-legal de delinquência juvenil apresentada inicialmente na nossa análise. A visão dos magistrados está em conformidade com a Lei Tutelar Educativa, sugerindo a dificuldade e alguma rigidez face à mudança e introdução de novas práticas através da Lei. Neste âmbito, tornou-se pertinente questionar a necessidade de formação e especialização de magistrados/das para atuar em justiça juvenil.